“É preciso abrir as janelas, mas também as portas, os olhos e os corações para acolher essas pessoas que abdicaram de suas pátrias e precisaram, por diversas razões, se deslocar. Que sejam felizes e consigam reconstruir suas vidas em solo brasileiro”. Este é o convite do artista Eduardo Kobra à reflexão: o mural Janelas Abertas para o Mundo, no qual retrata migrantes e refugiados de diferentes idades e origens, celebra sua diversidade cultural e étnica e chama nossa atenção para a importância do acolhimento.
A obra impactante ocupa 736 m2 (5,8 m de altura por 127 m de extensão) em frente ao Museu da Imigração, instituição da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo (Rua Visconde de Parnaíba, 1316, no bairro da Moóca, na zona leste de São Paulo).
A inauguração aconteceu em 27 de agosto, Dia da Solidariedade à Infância Refugiada. A data não é oficial, mas foi criada no ano passado pela organização humanitária IKMR (I Know My Rights), parceira deste projeto de Kobra.

“Simbolicamente, o muro é um impedimento, uma barreira, aquilo que não precisamos no mundo. É o que separa, é uma fronteira, o que demarca as diferenças e o que impede o ir e vir. Por isso, escolhi mostrar os personagens nas janelas abertas, olhando para fora delas, para as pessoas que passam, muitas vezes indiferentes”, explica Kobra.
Para ele, tão nociva quanto o ódio e o preconceito contra o migrante e o refugiado é a indiferença, é passar por seres humanos sem enxergá-los, como se não existissem. E acrescenta: “Mais do que nunca as cores que utilizo nas obras têm um significado muito especial aqui. Essas pessoas, com suas origens, culturas e características diversas, tornam o país – e o mundo! – mais bonito”.
Assim, no muro, antes ‘sem vida’, agora Andres Samuel Peralta Guedez, de 15 anos, da Venezuela; Mafueni Delfina, 9 anos, e Mabanza Victor James Henoe, 6 anos, de Angola (foto abaixo); Noura Bader, 35 anos, da Palestina; Priscília Mbuku Bazonga, 12 anos, da Líbia; Vijay Bavaskar, 52 anos, e Deepali Bavaskar, 49 anos, da Índia (foto abaixo); e Seema BasharHameed Aluqla, 8 anos, do Iraque, brindam os transeuntes com sua alegria e confiança (leia depoimentos mais adiante).
Resiliência e superação
Os personagens retratados no novo mural fazem parte de uma comunidade atendida pela organização humanitária IKMR (I Know My Rights) e foram indicados para Kobra, que conversou com cada um para conhecer suas histórias e personalidades.
Vivianne Reis, fundadora e diretora-geral da IKMR, conta que o Museu da Imigração “é um espaço especial em São Paulo e para as nossas crianças, que amam brincar no seu jardim. Em minha opinião, essas são janelas para o mundo, que trazem histórias incríveis de resiliência e de superação. Com o mural, todos terão a oportunidade de conhecer um pouco da história dessas pessoas que estão aqui”.
Mas não foram só as trajetórias dos retratados que inspiraram o muralista: o prédio que abriga o museu também ofereceu subsídios para sua criação. Nele, originalmente, ficava uma hospedaria que recebia migrantes. Muitos deles eram refugiados que, por vezes, se debruçavam nas janelas para observar o movimento no bairro que os acolhia.
Agora, quem passa pelos jardins do museu pode ver as janelas desenhadas por Kobra no muro gigante, como se fossem portais, e admirar as pessoas ali retratadas, interessando-se por suas histórias e aproximando-se da realidade de milhões de refugiados que, cada vez mais, se espalham por diferentes países no mundo inteiro.
“Todo mundo que estiver no jardim terá, ao ar livre, a oportunidade de admirar essa obra de arte e de refletir sobre a importância dessa causa para o mundo”, destaca Vivianne, acrescentando que, desde o ano passado, “embora ainda não conste do calendário oficial, 27 de agosto (dia da inauguração do mural) é o Dia da Solidariedade à Infância Refugiada”.
Para Alessandra Almeida, diretora executiva do Museu da Imigração, “a ação com Kobra tem o propósito de estimular a produção cultural, compreendendo que a arte pode ser uma linguagem universal para problematizar e tornar sensíveis conceitos importantes para o entendimento dos deslocamentos humanos”.
E acrescenta: “Desse modo, o projeto dá continuidade ao trabalho realizado pelo museu, de buscar a aproximação da temática das migrações históricas e contemporâneas, bem como aclarar assuntos relacionados ao refúgio e prover reflexões sobre racismo estrutural e direitos humanos”.

Em busca de paz
Boa parte das pessoas que abandonam suas casas e sua pátria, deslocando-se para outros países, fogem de conflitos, de guerras. Esse é o caso da maioria dos migrantes que vivem no Brasil e dos selecionados para participar da obra de Kobra. Conheça, a seguir, alguns deles.
Andres Samuel Peralta Guedez, 15 anos
Em 2019, o venezuelano iniciou o processo migratório junto com sua família. Passaram por Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, até chegarem ao Brasil.
Apesar das diferenças no estilo de vida em São Paulo, onde está há um ano e quatro meses, ele não se arrepende de ter escolhido esta cidade turbulenta para viver.
Diz que procura vencer as dificuldades com muita dedicação e faz questão de destacar os desafios e aprendizados vivenciados, como em relação à cultura, ao idioma e à luta cotidiana.
“Atualmente, estou no primeiro ano do ensino médio e trabalho em um hospital por meio do programa Jovem Aprendiz. Também estudo canto, treino futebol e vou para a academia”, conta orgulhoso.
Priscília Mbuku Bazonga, 12 anos
Devido à guerra, a jovem migrou com a família da Líbia para o Congo, onde passou por muitas privações. O país passa por uma situação política muito complicada e a solução foi buscar refúgio em outro país. Escolheram o Brasil onde chegaram em 2014.
Com o apoio de uma organização humanitária, encontraram um albergue para se instalar e começaram a estudar português. Para sua mãe, Mamie, viver em paz é vital, o que tem encontrado aqui. Ao mesmo tempo, ela não esquece como foi triste começar tudo de novo, longe da família, das pessoas queridas e do trabalho.

No sábado, Priscília foi conhecer o mural na companhia da mãe. Ficou encantada e contou que o que mais gostou foi se ver “de braços abertos: é como se eu estivesse abraçando as pessoas. E é exatamente isso que eu desejo: que cada um que olhar para essa pintura se sinta abraçado, não só por mim, mas por toda a África!”.
Noura Bader, 35 anos
Depois de se casar, aos 21 anos, a palestina nascida em Gaza se mudou com o marido para a Arábia Saudita. Mas, devido à sua origem, não conseguiu tirar documentos nem uma oportunidade de trabalho. Também ficou impedida de retornar a seu país devido ao fechamento das fronteiras.
Quando o casal recebeu o convite de um amigo do marido para vir para o Brasil, não pensou duas vezes. E, assim, em 2016 e já com dois filhos, atravessou o oceano, chegando ao Brasil.
Não demorou muito para que os dois conquistassem a cidadania brasileira e tivessem o terceiro filho.
Seema Bashar Hameed Aluqla, 8 anos
A família de Seema fugiu das guerras no Iraque e foi para a Jordânia, onde ela e seus três irmãos nasceram. Quando tinha 4 anos, a mãe decidiu partir novamente e escolheu o Brasil, onde a família já passou por muitas dificuldades. Mas Seema está sempre animada, dificilmente algo a abate: é daquelas pessoas que contagiam com seu largo e espontâneo sorriso e fazem com que acreditemos que a vida é boa, bela e sempre vale muito a pena.

Encantada com a expressão do seu rosto captada por Kobra, Seema declarou, no dia da inauguração: “Meu sorriso ficou muito bonito. Eu amei!”. E completou: “É importante que, mesmo que algo esteja difícil ou incomodando a gente, nunca tiremos o sorriso da cara”.
Em seu Instagram, Kobra comentou sobre a nova obra destacando o encontro com Seema, em frente à sua janela (veja aqui).
Leilão online
O novo trabalho ainda vai se desdobrar em uma outra obra. Até o final de setembro, o artista desenvolverá uma peça exclusiva com as imagens do mural, que será comercializada em leilão online. Os recursos arrecadados serão revertidos para a organização IKMR.
Homenagem a Kobra
Para finalizar este post, destaco a publicação da IKMR em seu Instagram. Nela, a organização comenta sobre a efeméride, a inauguração do mural e apresenta o bolo lindo que encomendou para celebrar o aniversário de Kobra. Sincronicidade total! Quando a data foi definida, descobriram que o artista completaria mais uma volta ao redor do sol.
“Que presente, meu Deus!”, comentou ele na publicação. Parabéns, Kobra! Pelo aniversário, pelo novo mural e pelo trabalho lindo e engajado que vc desenvolve, conscientizando cada vez mais pessoas a cerca de temas tão importantes para o desenvolvimento de nossa sociedade, sempre tocando mentes e corações.
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Foto (destaque): Alan Teixeira (janela do venezuelano Andre Samuel Peralta Guedez)