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Governo não reconhece parceria entre ACTP e zoológico da Índia, para onde araras brasileiras foram enviadas

Governo diz que não reconhece parceria entre ACTP e zoológico da Índia, para onde araras brasileiras foram enviadas

Mais um capítulo dessa história polêmica e que deixa ainda mais delicada a relação entre o governo brasileiro e a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), criadouro particular de aves com sede em Berlim, na Alemanha, parceiro do Brasil no programa de reprodução em cativeiro e reintrodução da ararinha-azul na Bahia.

No domingo, 05/11, a ACTP divulgou uma nota afirmando que informou às autoridades brasileiras no ano passado sobre o envio no começo de 2023 de 30 araras para o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom, zoológico que está sendo construído na Índia.

A nota veio após Ibama e ICMBio terem feito uma declaração pública e conjunta esclarecendo que não foram consultados sobre a transferência das araras de espécies endêmicas do Brasil, da sede da ACTP na Alemanha, para aquele país (leia mais aqui).

Pois na noite da segunda-feira (06/11), novamente, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) contradiz a ACTP em relação à nota divulgada pelos alemães há dois dias.

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“É falsa a informação de que a parceria entre a ACTP e o zoológico da Índia foi reconhecida pelo governo brasileiro”, diz o texto enviado pelo MMA para o Conexão Planeta.

E o ministério dá todos os detalhes sobre o que ocorreu nos últimos meses.

“Em novembro de 2022, a ACTP comunicou ao ICMBio, autoridade científica da CITES no Brasil, apenas a possibilidade de parceria com o zoológico indiano, sem esclarecer detalhes sobre os termos do acordo e sem mencionar transferências de ararinhas-azuis da Alemanha para a Índia. 

Em dezembro de 2022, em novo comunicado ao ICMBio, a ACTP solicitou o ingresso do zoológico indiano no Programa de Manejo Populacional da Ararinha-azul, mas o instituto não atendeu ao pedido. 

Para o ingresso de uma instituição em um Programa de Manejo Populacional de Espécie Ameaçada, é necessário o preenchimento do formulário de caracterização da instituição (Anexo I da Instrução Normativa ICMBio nº 5/2021). A partir das informações contidas no formulário, o ICMBio avalia se aprova ou não a entrada. O formulário preenchido, contudo, nunca foi apresentado pelo zoológico indiano

Caso fosse aprovada, a instituição assinaria o Termo de Adesão ao Programa de Manejo Populacional (Anexo II da mesma IN), além de acordos de empréstimo para cada animal que permanecerá sob sua guarda (Anexos III e IV). 

Como o ingresso do zoológico indiano não foi aprovado pelo ICMBio, nenhum Termo de Adesão ao Programa de Manejo Populacional da Ararinha-azul existe com essa ou com qualquer outra instituição na Índia. O governo brasileiro, portanto, não reconhece a parceria entre a ACTP e o zoológico indiano. 

O Ibama, que é autoridade administrativa para a CITES no Brasil, também informa que não foi acionado sobre a transferência”.

Hoje durante a participação do Brasil na reunião da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), que começou ontem (06/11), em Genebra, na Suíça, mais uma vez o governo reforçou que não teve conhecimento sobre a transferência das araras para a Índia, ressaltou que qualquer excedente de aves deve ter como prioridade o envio para o país onde a espécie é originária e que pedirá a repatriação dos indivíduos que estão em poder do zoológico indiano.

Entenda o caso

Há cerca de duas semanas, a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) fez uma denúncia sobre a transferência de 26 ararinhas-azuis e quatro araras-azuis-de-lear para o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom, na Índia.

A descoberta sobre o envio das araras para o zoológico indiano só veio a público porque foi mencionada num documento que pauta a reunião da CITES. Durante o encontro estará em discussão uma recomendação para o estímulo à comercialização da ararinha-azul e da arara-azul-de-lear, como “forma de financiar o trabalho de conservação e garantir populações de reserva”.

Na nota de dias atrás, o Ibama e o ICMBio afirmaram também que “são terminantemente contrários ao comércio de ararinhas-azuis e araras-azul-de-lear, mesmo sob argumento de custear ações para programas de conservação, e não aprovam sua venda sob qualquer justificativa” e que “Não há excedente na população em cativeiro de ararinhas-azuis que justifique movimentações para atividades que não sejam de conservação”.

Já a ACTP alegava que em 7 de novembro de 2022 tinha informado ao Brasil sobre o começo de uma parceria com o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom e a exportação de algumas ararinhas-azuis para lá. Entretanto, a associação da Alemanha reforçava que “a operação não é uma transação comercial e que nenhuma ararinha-azul foi vendida”.

Vale ressaltar que tanto a ararinha-azul como a arara-azul-de-lear são endêmicas do Brasil, ou seja, não existem na natureza em nenhum outro lugar do mundo. Apesar do programa em andamento de reintrodução da ararinha e do nascimento dos primeiros filhotes em Curaçá, a espécie ainda continua considerada extinta na vida selvagem. Já a de-lear está na categoria “em perigo de extinção”, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O programa de reintrodução que ocorre atualmente na Bahia só foi possível porque a ACTP enviou 52 ararinhas da Alemanha para o Brasil em março de 2020 (saiba mais nesta outra reportagem).

Através da Lei sobre o Acesso à Informação, o Conexão Planeta pediu uma cópia do contrato assinado entre o governo do Brasil e a ACTP, que foi assinado em gestões anteriores. Até este momento ainda não recebemos a resposta. Não se sabe, por exemplo, se nele está acordada a transferência de tecnologia para a reprodução em cativeiro no Brasil e quantos indivíduos o criador alemão enviará no total para o país.

Em um protocolo de intenções de 2018 ao qual o Conexão Planeta teve acesso, assinado pelo então ministro do Meio Ambiente Edson Duarte, fala-se que a ACTP apoiará e cuidará da operação do projeto de reprodução e reintrodução em Curaçá por um período “não menor do que cinco anos”.

Na nota do último domingo, a associação alemã afirma que “Este investimento precisa continuar pelos próximos 20 anos para garantir uma população estável de araras-azuis na natureza e sua convivência harmoniosa com a comunidade local”.

Todavia, não se sabe agora como ficará a relação entre os dois parceiros após essa troca de desmentidos.

Leia também:
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Foto de abertura: ACTP/ICMBio

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