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Fotógrafo é ameaçado de morte após registrar queimadas na Amazônia e divulgar em redes sociais

Edmar Barros é fotojornalista e diz estar acostumado a passar por situações de tensão durante a cobertura de temas como o desmatamento, a grilagem e as queimadas na Amazônia, que realiza para agências, publicações e organizações.

Mas o que vivenciou, em 23/8, é inédito: às 19h21, ele recebeu uma ameaça de morte em mensagem enviada para seu WhatsApp por um número desconhecido, registrado no Amazonas (segundo a polícia).

“Edmar estou lhe trazendo um recado para vc, do pessoal do 42, se vc vier meter seu rabo aqui em Lábrea para denunciar as derrubadas vc vai queimar junto na queimada, vou te dar dois dias para vc sumir aqui da região, fica dito seu vagabundo, x9 do caralho, seu relógio está contando, fique ligeiro. Vai virar churrasquinho. Recado dado”.

O motivo da ameaça foi certamente o post que publicou em seu perfil no Instagram, há exatamente sete dias, com registros impactantes das queimadas em Lábrea, município ao sul do Amazonas (a 853 km de Manaus). Foi ainda durante a viagem.

“O ramal 42 é um ramal gigantesco que tem lá, com áreas clandestinas, e há quilômetros e quilômetros queimados. Fica na beira da estrada da BR-230. Grileiro é o que mais existe nesta região. “, contou o fotógrafo ao UOL. 

Terra sem lei

Fotógrafo é ameaçado de morte após registrar queimadas na Amazônia e divulgar em redes sociais
Esta foto e a foto de queimada abaixo fazem parte das dez imagens que Edmar publicou em post no Instagram, que certamente levou os criminosos à ameaça de morte

Edmar viajava a trabalho para a a revista eletrônica Amazônia Latitude, a organização norueguesa Rainforest Foundation e a agência Futura Press, na companhia de Sandro Pereira, também fotojornalista. Este é o período em que os focos de incêndio ilegais aumentam na região.

Lábrea sempre lidera o ranking de incêndios: em junho, foram derrubados 143 km2 de floresta, por isso era imprescindível passar por lá. De acordo com o Programa Queimadas do Inpe -Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre janeiro e agosto deste ano, foram identificados 2.129 focos de incêndio no município.

Fotógrafo é ameaçado de morte após registrar queimadas na Amazônia e divulgar em redes sociais
Arquivo pessoal

Mas Edmar e Sandro ainda fotografaram a devastação nas cidades de Manicoré, Tapauá e Humaitá.

“Foram dez dias de intensa peleja, cobrindo mais um ano de desmatamentos e queimadas”, contou em seu post.

De 9 a 19 de agosto, os dois enfrentaram estradas estreitas e com visibilidade bastante prejudicada devido à fumaça e à poeira. Tanto que, em alguns momentos, por causa da fumaça e da proximidade do fogo, Edmar usou máscara de gás (foto ao lado).

“Rodamos mais de 2.400 km de estradas e ramais para realizar nosso trabalho que é sempre difícil, longe e perigoso” e constatou a ausência completa “do Estado e da Lei para fiscalizar e punir os responsáveis por esses crimes ambientais. Não encontramos nem mesmo um único brigadista, bombeiros, policiais ambientais ou um soldado do Exército!”.

Em seu relato, ele destacou a impunidade – que motiva os criminosos “a continuarem essa destruição criminosa de nossa floresta” – e chamou a região é uma “terra sem lei”, situação que vê piorar a cada ano.

“Se eu tivesse medo de ameaças, jamais escolheria o jornalismo como profissão!”

Tapauá está entre os dez municípios do Amazonas que mais desmatam / Foto: Edmar Barros

Logo que recebeu a ameaça – ele não estava mais na estrada, mas em Manaus -, Edmar tentou registrar um boletim de ocorrência no site da Delegacia Virtual do Amazonas, sem sucesso. De acordo com o serviço, Edmar deveria se dirigir à delegacia mais próxima para fazer a denúncia presencialmente. Foi o que fez.

“Se a mensagem foi enviada por alguém da região mesmo, é impossível saber quando foi enviada porque a internet é muito ruim lá. Então, você envia uma mensagem e, às vezes, leva dias para chegar”, contou ele ao UOL.

No dia seguinte, reproduziu foto da mensagem em seu Instagram, declarando: “Quem me ameaçou não deve conhecer minha personalidade e muito menos meu trabalho. Se eu tivesse medo de ameaças JAMAIS teria escolhido o FOTOJORNALISMO como profissão, quem me conhece sabe que, quando me ameaçam ou tentam impedir meu trabalho, aí que vou pra cima mesmo!”.

E acrescentou: “Recebi a mensagem abaixo ontem a noite, uma pena que não estou mais em Lábrea, pois já estaria agora pela manhã lá no RAMAL DO KM 42 novamente procurando o “valentão” CRIMINOSO ambiental”.

O fotógrafo também entrou em contato com a Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que coordena um programa de auxílio legal para jornalistas ameaçados.

Rapidamente, a instituição condenou a tentativa de intimidação de Edmar, por meio de nota, e solicitou à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado e ao governador que garantam a devida investigação dos fatos, como também segurança para o exercício da profissão no Amazonas. E acrescentou:

“O caso de Edmar Barros será informado às organizações internacionais com as quais a Abraji atua para que a ameaça de morte seja monitorada pelos organismos independentes. Este é o terceiro caso de algum tipo de violência ou intimidação contra jornalistas no Amazonas, nos últimos dois meses. No final de junho e no começo de julho, a Abraji denunciou agressões a profissionais da Rede Amazônica”.

Violência contra jornalistas

Reportagem investigativa realizada pela Repórter Brasil em 2019 – financiada pela Rainforest Journalism Fund, em parceria com o Pulitzer Center – indicou que, em meio a assassinatos, desmatamento e roubo de terras, Lábrea é um laboratório do crime no meio da Amazônia. E, por isso, a violência contra jornalistas, que se atrevem a denunciar o que se passa na região, é comum.

No Brasil, os ataques aos jornalistas tem aumento consideravelmente nos últimos cinco anos. É o que revela a ONG britânica Artigo 19, em relatório sobre o tema publicado em julho deste ano.

No ranking mundial de liberdade de expressão, desde 2015, o Brasil despencou 33 pontos, ficando num vergonhoso 86º lugar entre 161 países avaliados. Na classificação, o país passou de uma avaliação de “aberto à liberdade de expressão” para “liberdade de expressão restrita”. Só no ano passado, foram registradas 254 violações contra jornalistas e comunicadores.

Já o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, 2020 foi o ano mais violento para jornalistas – 428 ataques e dois assassinatos! – desde que a instituição iniciou a série de levantamentos, no início dos anos 1990.

Marcos Cólon, diretor da Amazônia Latitude, escreveu: “Só por meio de uma imprensa que exerça seu escrutínio de forma livre e independente será possível desvelar os interesses envolvidos no desmatamento e na destruição da floresta. Os que ameaçam Edmar querem, com o fogo e violência, esconder suas ilegalidades. Edmar, porém, continua atento. Nos solidarizamos com ele”. Nós, do Conexão Planeta também.

Agora, leia a reportagem para a qual Edmar Barros fotografou a devastação em Lábrea, publicada no site da Amazônia Latitude: A Amazônia (ainda) queima.

No site Amazônia Latitude, Edmar contou: “A gente usa uma máscara de gás para tentar amenizar a quantidade de fumaça. A respiração fica muito pesada. Eu e meu colega Sandro Pereira andamos 4km para ir e voltar para fazer esse registro. De noite você não consegue dormir direito porque fica tossindo. Fazer uma cobertura dessa é sempre muito complicado e perigoso
O município de Lábrea sempre lidera o ranking de incêndios na Amazônia: esta foi uma das imagens publicadas por Edmar Barros em seu Instagram

Foto (destaque): Edmar Barros para Amazônia Latitude (“Pôr do Sol em Humaitá: mas essa beleza alaranjada é devido a grande quantidade de fumaça das queimadas”, contou ele, em seu Instagram)

Fontes: Amazônia Latitude, UOL, Portal dos Jornalistas

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