A fotografia tradicional é uma representação visual em duas dimensões de uma realidade que é tridimensional e, além de luz e cores, possui cheiros, sons, sabores. Como um fotógrafo de natureza pode tentar usar estas informações sensoriais a seu favor e transmiti-las através das imagens que produz?
Frequentemente este pensamento vem à minha mente quando estou planejando minhas saídas fotográficas. Ele direciona minhas atitudes e me estimula a procurar novas imagens que possam despertar no observador sensações que vão além do olhar.
Hoje vou falar sobre duas situações que mostram como o entendimento de fenômenos da natureza e a sensibilidade podem ajudar o fotógrafo a ter mais sucesso em sua busca por imagens mais bacanas, que de fato contem uma história interessante.
Aqui em Bonito, onde moro, os antigos têm uma espécie de ditado que diz: “quando a cigarra começa a cantar, é tempo de guavira no pé”. Para quem não sabe, a guavira é um frutinho muito saboroso típico desta região do Cerrado, similar à gabiroba, que no passado era comum no interior de São Paulo e Minas Gerais. Então, para uma das histórias que eu quero contar através da fotografia, preciso encontrar uma cigarra pousada sobre um pé de guavira com flores ou frutos.
Nas últimas semanas, os guavirais daqui começaram a florir e as cigarras ainda não cantaram – ou seja, está chegando a época de procurar esta cena para fazer uma imagem que fala sobre o Cerrado, sobre sabores e sobre sons.
Talvez inspirado por este ditado, percebi outra relação semelhante que diz muito sobre a região onde vivo atualmente: “quando o assa-peixe solta seu perfume, é época da sucuri sair pra tomar sol”. O assa-peixe é outra planta típica dos campos do Cerrado, cuja florada geralmente ocorre entre agosto e setembro – a mesma época em que as sucuris começam a entrar no período reprodutivo e passam a ficar horas expostas se aquecendo no barranco dos rios.
Então, aí está mais uma história que quero tentar contar, com a foto de uma sucuri tendo ao fundo pés de assa-peixe floridos. Já sei que esta vai ser bem mais difícil e terá que ficar para o ano que vem, pois por aqui o assa-peixe já secou e logo as sucuris vão desaparecer para a gestação de seus filhotes, que nascerão por volta de março ou abril próximos…
Fotos: Daniel De Granville
Linda reportagem.