Economia solidária como estratégia de desenvolvimento local. Esse foi o título do meu primeiro post, aqui, no Conexão Planeta. Foi o conceito contido nesta frase que me fez começar o blog, e ele veio de uma situação muito específica, que agora finaliza um ciclo.
Em 2015, eu participei ativamente de um projeto sobre o qual já falei aqui algumas vezes, justamente o Economia Solidária como Estratégia de Desenvolvimento no município de São Paulo, carinhosamente apelidado de Ecosol SP.
Me aproximei desse projeto a convite de amigos da Rede Design Possível e da Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários) e vi arranjos produtivos inovadores se desenvolverem, redes de atuação setoriais serem criadas e novas perspectivas se abrirem em minha cabeça.
O contato com grupos produtivos, espalhados por todas as regiões do município de São Paulo, nas mais diversas áreas, revelava um potencial empreendedor incrível. E ver essa potência toda reunida em Redes, apontando necessidades e ajudando a articular iniciativas de economia solidária que já se desenvolviam solitariamente no território, foi muito bom.
A grande maioria das pessoas que participaram do Projeto Ecosol SP – e digo participaram porque ele se encerra agora, no fim de 2017, depois de três anos hackeando o mercado de trabalho e mostrando cruzamentos e possibilidades inusitados – estava em situação de vulnerabilidade social e econômica. E foram essas pessoas que, acolhidas e incentivadas, se reuniram em grupos produtivos e encontraram novas formas de produzir e empreender.
E daqui, desse pedaço de mundo, veio um novo universo. A partir do acesso a formações teóricas e técnicas, da diversidade, do acolhimento e da colaboração, surgiram arranjos produtivos envolvendo pessoas cuja trajetória de vida, por si só, seria capaz de fazer qualquer um de nós jogar a toalha. Mas que lá estão, insistindo, resilientes, e muitas vezes encontrando um novo modo propulsor para suas vidas no planeta.
O fortalecimento dessas pessoas dentro de um grupo, sua estruturação por meio de orientações e cursos e a oportunidade de melhor qualificar seus produtos e serviços e comercializá-los em feiras e outros espaços, trouxe parcerias e abertura de novos mercados, antes inacessíveis por desconhecimento e pela ausência de pontes, que passaram a ser construídas com dedicação pelos envolvidos.
Empreender coletivamente
Este é o recado. Muitos de nós sentimos o chamado do empreendedorismo em algum momento da vida, na maioria das vezes por necessidade. Já não conseguimos mais empregos tradicionais, ou por alguma razão pessoal saímos do mercado de trabalho por um tempo e no retorno não há mais como obter recolocação, ou ainda a idade vem chegando e tornando as portas mais estreitas. Acossados por essa situação, percebemos que é possível e necessário empreender.
Mas há uma diferença muito grande entre empreender sozinho e em grupo. Em especial quando esse grupo é guiado pelos princípios da economia solidária, garantindo horizontalidade, equidade e justiça. Empreender junto é menos solitário e menos doído. Muitas ideias, às vezes casadas, às vezes conflituosas – mas é do conflito que muitas vezes saem as melhores coisas -, ajudam a apurar visões, a acolher a diversidade. E a diversidade, já está mais do que provado, gera inovação.
Resistência e inovação
Se o mercado já não acolhe muitos de nós, essas reformas que tomaram o Brasil de assalto (isso mesmo, estamos sendo assaltados em nossos direitos e em nosso futuro) desenham um quadro ainda mais estarrecedor para trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. Olhar para toda a movimentação gerada por esse Projeto faz entender que, ao mesmo tempo em que precisamos pressionar nossos (des) governantes e parlamentares pelos direitos de trabalhadores e trabalhadoras, uma outra economia se mostra possível.
Se você acompanha as postagens que trago aqui, já percebeu que esse é um universo complexo. Onde as pessoas se autogestionam em produção, tempo e remuneração, em arranjos dos mais diversos tipos – cooperativas, associações, redes, microempresas etc. Grupos que se unem por afinidades – seja a experiência em um determinado tipo de fazer, de produto ou serviço – e, com a riqueza da trajetória de cada um de seus integrantes, constroem empreendimentos.
O professor Paul Singer, referência máxima em economia solidária no Brasil, aponta em seu livro Introdução à Economia Solidária, em 2002 (leitura que recomendo a quem quer se iniciar minimamente nesse pedaço), que essa economia nasceu pouco depois do capitalismo industrial, “como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção”. A chamada Primeira Revolução Industrial, na Grã-Bretanha, precedida pela expulsão em massa de camponeses dos domínios ‘senhoriais’. No Brasil, o cooperativismo chegou no começo do século XX, trazido pelos imigrantes europeus.
Ou seja, em seu cerne, essa economia já traz a resistência à desigualdade social e econômica.
Voltando para o universo do Projeto Ecosol SP, ali brotaram relações inspiradoras. Pequenas marcas de moda, cuja concepção de estar no mundo é produzir de maneira mais sustentável, ecológica e justa, passaram a agregar empreendimentos e redes solidárias em sua produção, nesse que é um mundo altamente poluente e vinculado, muitas vezes, à exploração voraz de trabalhadores e trabalhadoras. Já parou pra pensar como você consegue comprar aquela roupa por um preço ridiculamente baixo? Como será a vida de quem a produz?
Já imaginou um grupo de 40 pessoas, que nunca haviam trabalhado juntas, ter como primeiro desafio para a produção em rede atender a um evento estudantil, produzindo 1.200 refeições para atender a moçada, comprando hortaliças de uma cooperativa de orgânicos que ensaiava os primeiros passos e teve ali, naquele momento, a oportunidade de realizar sua primeira venda coletiva? Aprendizados notáveis. Mais uma vez, a diversidade como fator fundamental nesse quebra-cabeças.
Ou ainda um coletivo de Guaranis das aldeias Kalipety e Tenondé-Porã, no extremo sul de São Paulo, participando de formações com o intuito de viabilizar o plantio da totalidade de alimentos necessários para o consumo das aldeias e, ao mesmo tempo, resgatar as práticas da agricultura Guarani e dar escala à produção, impulsionando geração de trabalho e renda entre seus moradores com a comercialização da produção excedente.
Pessoas que pensavam em empreender sozinhas, e passaram pela experiência de empreender em grupo, visualizaram outras perspectivas. Ou ‘viraram a chavinha’ do pensamento, como me disseram algumas das pessoas que participaram das formações do Projeto Ecosol SP.
Um espaço dedicado à economia solidária em SP
Cabe aqui destacar um espaço que se tornou fundamental nos últimos dois anos em toda essa história: a Incubadora Pública de Empreendimentos Econômicos Solidários. Ela foi criada no fim de 2015, e desde então, ao longo do Projeto, ofereceu formações que incluíam, além da economia solidária, comportamento empreendedor, precificação, formalização de empreendimentos, pesquisa de mercado e definição de público, oficinas práticas e, no último ano, uma assessoria de negócios, fundamental para um atendimento mais focado a cada uma das redes e empreendimentos que passaram por lá. Essa assessoria diagnosticava com os grupos os pontos a serem fortalecidos em sua atuação – comercialização, ampliação de integrantes, formalização, definição de público, curadoria de produtos, plano de negócios, enfim – e se dedicava a fortalece-los.
Mais ainda, a Incubadora tornou-se ponto de referência da economia solidária no município. Espaço de acolhimento da diferença e de sua conversão em inovação e construção coletiva. Por ali passaram imigrantes, pessoas transexuais e travestis, jovens, senhoras que não tinham perspectiva de trabalho, ou que trabalhavam antes numa lógica bastante exploratória, mulheres em situação de violência, população de rua, enfim, grupos que interagiram, construíram e conseguiram enxergar novas perspectivas, o que não seria possível em outro lugar. Importante destacar que a ampla maioria de pessoas que está empreendendo nesse modelo é composta por mulheres.
Toda a mobilização no território foi feita com a participação de educadores sociais e parceiros que já trabalhavam com grupos produtivos de economia solidária. O Projeto, da Secretaria Municipal do Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo, foi executado pela Unisol, que mobilizou essas pessoas para fortalecer e ampliar o alcance das ações.
Quem quiser conhecer um pouco desse trabalho, na próxima sexta, 15 de dezembro, dia nacional da economia solidária, pode ir até a Incubadora, que fica no Cambuci, onde haverá uma programação de dia inteiro, das 10h às 17h, que inclui exposição de produtos e serviços, desfile de peças criadas pelos grupos de costura e entrega de certificados de conclusão de curso aos participantes das formações em 2017.
Deixo aqui algumas referências e um chamado. Primeiro o chamado: está em consulta pública, no Senado, a relevância do PLC 137/2017, que cria a Política Nacional de Economia Solidária. Precisamos de uma força! É só clicar aqui e dizer SIM!
As referências – além do livro do Paul Singer que já citei – são o site do Projeto Ecosol SP e sua incubadora e este blog, o Economia em Sol Maior – que inspirou o título deste post -, no qual há inúmeros posts sobre alguns dos arranjos produtivos mais incríveis que já conheci.
Ah, e se você estiver em Sampa e quiser conferir um pouco de tudo isso, o endereço da Incubadora é Rua Otto de Alencar 270, no Cambuci.
Fotos: Divulgação Projeto Ecosol SP (pessoas) e Carlos Hansen (mosaico de produtos)