Nunca, na história da Conferência da ONU sobre Mudança Climática, os povos indígenas do Brasil estiveram tão bem representados como este ano. Desde 2014, a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil participa das COPs de clima organizada pelas Nações Unidas e, em 2019, mobilizou um grupo de 18 pessoas, que foi considerado como a maior participação de lideranças.
Agora, nesta COP26, a organização se superou. E esta presença de grande impacto da delegação, na verdade, se deve à necessidade de fortalecer ainda mais a luta contra a política anti-indígena e antiambiental do governo federal, intensificada na pandemia.
Agora, nesta COP26, a organização se superou. E esta presença de grande impacto da delegação, na verdade, se deve à necessidade de fortalecer ainda mais a luta contra a política anti-indígena e antiambiental do governo federal, intensificada na pandemia.
Todos devem se lembrar que, em 2018, durante sua campanha presidencial, Bolsonaro já ameaçava esses povos, e chegou a prometer, em reunião com empresários, que, se ganhasse a eleição, não demarcaria “nem mais um milímetro de terra”.
Desde que assumiu a presidência, não só tem cumprido a promessa (das 1.299 terras indígenas, 832 ou 64% seguem com pendências para regularização), como incentivado invasões e a exploração econômica de seus territórios.
O relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), lançado em 28 de outubro, dá bem a medida da violência de sua gestão. O cenário que já era preocupante em relação a direitos, territórios e existência, desde janeiro de 2019, se aprofundou e transformou 2020 em um ano trágico para os povos originários.
Enquanto os indígenas tentavam se proteger da covid-19, invasores avançavam com o apoio do governo, que se omitia e, ao mesmo tempo, trabalhava e orientava parlamentares governistas para que “leis ameaçadoras” como o PL 490 e o PL 191, entre outras, avançassem no Congresso.
No ano passado, 201 terras indígenas de 145 povos, em 19 estados, foram atacadas. Os conflitos resultantes dessas invasões aumentaram 174% em relação a 2019. E, assim, garimpeiros e madeireiros levaram o coronavírus para diversas aldeias.
De acordo com boletim divulgado diariamente pela APIB, em seu site, até hoje, 1228 indígenas morreram devido à covid-19. Entre eles, muitas lideranças importantes como Aritana Yawalapiti.
Assim, com o intuito de ajudar a “pautar soluções para a crise climática, alertando o mundo sobre a necessidade de proteger os indígenas e demarcar seus territórios para garantir o futuro do planeta”, a APIB, em conjunto com suas organizações de base, reuniu mais de 40 representantes, que começaram a chegar a Glasgow, na Escócia, em 31 de outubro e lá ficarão até 12 de novembro, último dia da COP26.
“Os guardiões da floresta estão em Glasglow para levar um grito de alerta para empresários, gestores públicos, organizações e líderes dos países que participam da conferência da ONU: Basta de genocídio e ecocídio!”, declarou a organização em suas redes sociais, hoje.
“Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista, que provoca as mudanças climáticas”, destaca a organização na mensagem que será divulgada na COP26.
“Criticamos soluções que não reconhecem os povos indígenas e as comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”.
Vale destacar que, no primeiro dia de apresentações no plenário – o segundo da conferência (1/11) e o mesmo em que falou o naturalista britânico David Attenborough -, a jovem Txai Suruí, do povo Paiter Suruí, de Rondônia, e filha do cacique Almir Suruí, emocionou:
“Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devem estar no centro das decisões, aqui”. E disse muito mais: “Não é em 2030 ou 2050, é agora!”, como contamos aqui.
5% da população mundial protege 80% da biodiversidade
Para “denunciar o genocídio indígena e o ecocídio em curso no Brasil, agravado pela pandemia da Covid-19 e pelo projeto de morte do governo federal”, a delegação indígena brasileira apresentará o comunicado inédito que denuncia o governo Bolsonaro por genocídio e foi entregue ao Tribunal Penal Internacional (TPI), de Haia, no Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, como noticiamos aqui.
O documento histórico foi liderado por advogados indígenas sob a coordenação de Eloy Terena, diretor jurídico da APIB que, junto com Sonia Guajajara, coordenadora executiva da mesma organização (foto abaixo), levou os exemplares impressos para distribuição a empresários, gestores públicos, organizações e líderes mundiais na conferência do clima.
“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”, relata a APIB.
Neste contexto – em que a Covid-19 continua afetando bilhões de pessoas –, os povos indígenas reforçam a urgência de se respeitar a biodiversidade presente em seus territórios. E a delegação lembra ainda que a política do governo federal é nociva ao meio ambiente, ao clima e às comunidades tradicionais.
“A APIB e as organizações que a compõem denunciam constantemente as invasões aos territórios, a contaminação de rios e nascentes por agrotóxicos e mercúrio, o desmatamento desenfreado da Floresta Amazônica, do Cerrado e do Pantanal”. E também os fundos econômicos, que “continuam apoiando financeiramente a ganância desenfreada que destrói o planeta”.
Os povos originários que ainda resistem no planeta representam apenas 5% da população mundial, mas são responsáveis pela proteção da maior parte do patrimônio florestal global, que representa 80% da biodiversidade e armazena mais de 293 gigatoneladas de carbono. E, mesmo assim, 1/3 de todas as terras indígenas e comunitárias de 64 países estão sob ameaça devido à falta de demarcação.
Antes de os portugueses invadirem esta terra, que chamaram de Brasil, ela era totalmente indígena. Hoje, apenas 13,8% do território nacional é indígena e é principalmente essa pequena porção a mais preservada nos últimos 35 anos. Segundo dados do MapBiomas, nesse período, apenas 1% sofreu com o desmatamento.
Sabedoria e conhecimento ancestrais
A APIB ainda lembra que não é só a paralisação das demarcações que tem ameaçado seus territórios. As terras tradicionais, já demarcadas, também estão ameaçadas pelo Legislativo, “que nega, de forma inconstitucional, a presença dos povos indígenas e a ocupação de suas terras muito antes da formação do Estado brasileiro”. Daí a excrescência inventada pelos ruralistas e chamada de marco temporal.
“Vamos, mais uma vez, alertar o mundo e, nesta ocasião, com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida. O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege”.
“Não há solução para a crise climática sem nós”, finaliza a delegação. E Kretã Kaingang, coordenador executivo da APIB (na foto linda que abre este post), sentencia: “Os bilhões dos governos mundiais, não vão conter as mudanças climáticas e salvar o planeta. A sabedoria e o conhecimento ancestral que praticamos e ensinamos todos os dias é que salvarão o planeta e a humanidade“.
Leia também:
– Mensagem da APIB aos participantes da COP26
– Carta de Tarumã (declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática elaborado pela COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira)
Com informações da APIB
Foto: Divulgação/APIB (Kretã Kaingang na COP26)