Quando aprovaram no domingo (17/01), por unanimidade, o uso emergencial no Brasil de duas vacinas contra a COVID-19, os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) citaram, entre suas alegações, que “não há alternativa terapêutica às vacinas”. Isso quer dizer que não existe nenhum medicamento que previna a infecção ou a doença.
A posição dos diretores da Anvisa vem reforçar, mais uma vez, a recomendação de especialistas, médicos, pesquisadores e cientistas do mundo inteiro: infelizmente, não existe eficácia comprovada de nenhum remédio para a prevenção ou o tratamento da COVID-19.
Mesmo assim, ainda na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, insistiram no discurso de que o chamado “Kit-COVID” daria resultado e deveria ter sido utilizado em Manaus (onde centenas de pessoas morreram por falta de cilindros de oxigênio). E estimularam, mais uma vez, a distribuição para a população de remédios como a hidroxicloroquina, a cloroquina, a azitromicina e a ivermectina (esta última, prescrita para tratar piolho).
Mas assim como atestam os diretores da Anvisa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e milhares de especialistas internacionais, o coquetel desses medicamentos NÃO tem qualquer eficácia e em alguns casos, pode provocar sérios danos à saúde.
Após as declarações de Bolsonaro e Pazuello há poucos dias, várias entidades médicas do Brasil vieram a público alertar a população sobre a ineficácia do dito “Kit-COVID”.
O Conselho da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul emitiu a seguinte nota:
“A centenária Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED-UFRGS), fiel a seus compromissos junto à sociedade brasileira, de garantir formação médica de alta qualidade, de produzir ciência de ponta e de promover saúde, vem, por meio desta carta, externar sua grande preocupação com as medidas de combate à epidemia de COVID-19 adotadas em Porto Alegre.
O relaxamento de medidas protetivas de distanciamento e proteção pessoal, as quais possuem evidências significativas de efetividade, assim como o fornecimento de medicamentos sem comprovação científica para a profilaxia dessa infecção – o chamado “tratamento precoce” – incorrem em um equívoco na condução das políticas de saúde pública, as quais devem estar voltadas à redução de casos infectados e de óbitos causados por essa doença…
Cabe ressaltar a inexistência de evidências científicas que sustentem a implementação de tais medidas. Como exemplos, o National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos da América, e o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, ambos órgãos nacionais, não preconizam o uso dessas estratégias e medicamentos para tais fins. A Sociedade Brasileira de Infectologia também vem se manifestando sistematicamente no mesmo sentido. Todas essas instituições reconhecem a importância da vacinação para o controle da epidemia.
Apela-se para o espírito público de nossos gestores e solicita-se a revogação imediata das medidas adotadas em desconformidade com as orientações sanitárias e científicas, em benefício da sociedade porto-alegrense…”
Já a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) afirmou que “apesar de tantos alertas, assistimos, novamente, à disseminação de recomendações sem evidências científicas, sobretudo sobre o tratamento precoce e preventivo da COVID-19″.
A entidade fez os seguintes esclarecimentos:
– Ivermectina e Nitazoxanide: não há dados conclusivos sobre a segurança e eficácia destes fármacos para o tratamento ou profilaxia da COVID 19. A recomendação da SBPT é contrária ao uso da ivermectina ou nitazoxanide na prevenção ou tratamento da COVID 19. Esta recomendação é
compartilhada pela OMS e NIH (diretrizes elaboradas pelas principais sociedades médicas);
– Cloroquina ou hidroxicloroquina: os resultados dos estudos publicados até a presente data não demonstraram eficácia e segurança na profilaxia ou tratamento da COVID 19. A recomendação da SBPT é contrária ao uso de cloroquina ou hidroxicloroquina na prevenção ou tratamento da COVID. Esta recomendação é compartilhada pela OMS e NIH (diretrizes elaboradas pelas principais sociedades médicas).
A SBPT fala ainda sobre o uso de corticóides e anti-coagulantes e descarta a utilização dos mesmos como tratamento preventivo.
O que todas as entidades e especialistas concordam é que a vacinação em massa da população será a única forma de controlar a pandemia. Por isso, a meta do governo federal deve ser a compra de mais vacinas, aquelas aprovadas pelos órgãos de controles internacionais e pela Anvisa, e que demonstraram eficácia em estudos, para que todos os brasileiros possam ser imunizados.
Atualmente, o único tratamento preventivo para todos é o uso da máscara de proteção, o distanciamento social, o lavar de mãos frequente, e agora, a vacina!
Trump enviou milhões de doses de hidroxicloroquina para o Brasil
Vale lembrar que, assim como Bolsonaro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também foi um ardoroso defensor da hidroxicloroquina no começo da pandemia, no ano passado. E disse, inclusive, que estava tomando o medicamento como forma de prevenção. Mesmo assim, Trump pegou a COVID-19 e precisou ser internado, mas no hospital, a hidroxicloroquina não esteve entre os remédios que seus médicos optaram para seu tratamento.
Em julho de 2020, a U.S. Food and Drug Administration (FDA), órgão que regula medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, assim como a Anvisa, no Brasil, fez um alerta sobre o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina fora do ambiente hospitalar devido ao risco de problemas cardíacos e um mês antes, revogou a aprovação do uso emergencial dos dois medicamentos para o tratamento da COVID-19 (leia mais aqui).
Com estoque sobrando – já que não há eficácia comprovada -, o governo de Trump decidiu enviar “generosamente” 2 milhões de doses do medicamento para o Brasil…
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Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil/Fotos Públicas