Poucas regiões do planeta tem uma diversidade tão fantástica de aves como a Oceania. Um exemplo disso é a Austrália, lar da belíssimo cacatua cor-de-rosa (Cacatua leadbeateri). Tanto o macho como a fêmea possuem uma plumagem branca e tons de rosa na lateral do corpo, cabeça, pescoço e asas. Mas é quando elas abrem sua esplendorosa crista é que mostram sua beleza tão distinta: ela apresenta uma larga faixa vermelha com outra menor, em amarelo, no meio.
Ao longo do tempo, a cacatua cor-de-rosa foi chamada por diferentes nomes. Descrita oficialmente em 1831, era conhecida no começo por cacatua de Leadbeater, sobrenome de um naturalista britânico homenageado na escolha de seu nome científico, leadbeateri.
Também era chamada de cacatua do topete vermelho por Thomas Mitchell, explorador escocês que administrou a região da Nova Gales do Sul entre 1828 e 1855. Ele inclusive elogiou em texto a beleza da ave. “Poucos pássaros dão mais mais aos tons monótonos da floresta australiana do que esta bela espécie cujas asas rosadas e crista esvoaçante poderiam ter embelezado o ar de uma região mais voluptuosa”.
Por causa de sua apreciação por essa espécie de cacatua, em 1977 membros da União Real de Ornitólogos da Austrália (antiga Birdlife Australia) decidiram batizá-la de cacatua do Major Mitchell.
A escolha não poderia ter sido mais infeliz. Mitchell deixou seu nome marcado na história como um sanguinário explorador. Em 1836, relatou enaltecido ter ordenado a morte de centenas de indígenas das etnias Kureinji e Barkindji a quem chamou de “selvagens”.
Agora, quase 50 anos depois, a Birdlife Australia deixou de usar essa nomenclatura e só irá se referir à ave, ameaçada de extinção e que vive em regiões áridas e semi-áridas do país, como cacatua cor-de-rosa.
A mudança faz parte de um movimento no país para tentar consertar e reparar os erros do passado colonialista. Em 1993 foi instituído pelo governo australiano o “Native Title Act”, que começou a reconhecer o direito dos aborígenes como proprietários de suas terras originais.
Em 2021, por exemplo, foi alterada uma frase no hino nacional. A letra de 1878 falava de uma nação “jovem e livre”, mas os povos originais já viviam no continente australiano há muitos séculos. Meses depois, o governo restaurou o nome aborígene original de uma de suas ilhas, que voltou a se chamar K’Gari.
E não é só na Austrália que esse movimento muito bem-vindo vem acontecendo. Nos Estados Unidos, no ano passado, após 400 anos indígenas americanos receberam de volta terras consideradas sagradas para seu povo e das quais foram expulsos.
Agora a cacatua cor-de-rosa deixa pra trás o nome ligado ao passado colonial da Austrália
(Foto: Ashraf Saleh/Creative Commons/Flickr)
Nomes que ajudem na identificação das espécies
Para alguns especialistas, nomear espécies associadas com personalidades ou aspectos específicos de um período em particular da história não agrega em nada em termos científicos. Não ajuda pessoas a identificarem de forma mais fácil determinadas espécies.
Leve-se em conta a cacatua cor-de-rosa. Alguém que não a conheça dificilmente irá reconhecê-la na natureza apenas com o agora seu antigo nome, cacatua do Major Mitchell. Todavia, tendo a sua cor como apresentação, é bem mais fácil.
Por outro lado, nos últimos anos, muitos cientistas têm batizado novas espécies descobertas com nomes de celebridades famosas para chamar a atenção de pessoas leigas, de uma maneira mais popular, divertida e didática, e engajá-las nos esforços de conservação e proteção de plantas e animais, que de outra maneira, poderiam passar despercebidos.
Há pouco tempo escrevi no Conexão Planeta sobre a Tachymenoides harrisonfordi, uma cobra encontrada nos Andes, que homenageia o ator e ativista Harrison Ford (leia mais aqui).
Também já divulgamos no site as aranhas que homenageiam David Bowie, a cobra que ganhou o nome da mãe do ator Leonardo DiCaprio e os pseudoescorpiões chamados de Frida Kahlo e Arnold Schwarzenegger…
*Com informações da reportagem do jornal The Guardian e do site da Birdlife Australia
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Foto de abertura: David Cook/Creative Commons/Flickr