
41 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) chegaram ao Brasil ontem (28/01), vindas da Alemanha. Elas saíram de Berlim, onde nasceram em cativeiro, na Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), criadouro particular de espécies exóticas. A importação das aves, com permissão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tem como objetivo a integração das mesmas no programa de reprodução em cativeiro e reintrodução da espécie no Refúgio de Vida Silvestre, em Curaçá, na Bahia.
As ararinhas voaram num jatinho e desembarcaram em Petrolina (PE). Depois seguiram, com escolta da Polícia Federal, até Curaçá. Inicialmente elas passarão por um período de quarentena, para que se certifique o estado de saúde e a ausência de qualquer patógeno (doença). A expectativa é que essas aves possam participar de uma próxima soltura, programada para meados de 2025.
Espécie endêmica do Brasil, ou seja, ela só existe na natureza em nosso país, a ararinha-azul foi vítima do tráfico ilegal de aves e a cobiça de grandes colecionadores europeus. Com isso, acabou sendo declarada oficialmente extinta nos anos 2000.

Foto: divulgação Ibama
Todavia, um acordo de cooperação técnica assinado entre o governo do Brasil e a ACTP, em 2019, permitiu que 52 ararinhas-azuis desembarcassem no país no ano seguinte, para dar início ao programa de reintrodução. A soltura dos primeiros indivíduos ocorreu dois anos depois. Desde então, 20 indivíduos foram reintroduzidos e dez deles estão bem e continuam sendo monitorados na natureza. Entre os demais, alguns desapareceram, outros foram mortos por predadores e um precisou voltar ao aviário por questões de comportamento.
Zoológico indiano está entre apoiadores da importação
Em maio de 2023, o ICMBio anunciou que o Brasil não iria renovar o acordo mantido ao longo de cinco anos com a ACTP.
Além de várias denúncias e polêmicas internacionais sobre a idoneidade de Martin Guth, proprietário da associação, o ICMBio e o Ibama foram pegos de surpresa ao serem alertados sobre o envio pelo criador de 30 araras brasileiras – 24 ararinhas-azuis e quatro araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari), também endêmica e ameaçada de extinção -, para o Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre (GZRRC), um zoológico na Índia, sem conhecimento ou autorização do governo brasileiro (entenda o caso aqui).
Na época da rescisão do acordo, entretanto, o ICMBIO afirmou que a ACTP seguiria atuando no centro da Bahia – construído e mantido com dinheiro do criador alemão – e as aves e as instalações de Curaçá permaneceriam sob responsabilidade da associação. “E por parte do ICMBio não há nenhum impedimento de que continue com a reintrodução da espécie na natureza”, completou o órgão na época.
No comunicado divulgado na terça-feira pelo ICMBio, o governo brasileiro ressalta mais uma vez que gostaria que o destino das ararinhas-azuis nascidas em cativeiro em outros países seja o programa de reintrodução no Brasil, seu país de origem e habitat originário.
“O Brasil por meio de sua representação na Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), vem pleiteando que todos os espécimes de ararinha-azul em cativeiro no mundo devem, necessariamente, estar em instituições participantes do Programa de Manejo Populacional da Ararinha-Azul. Este programa, implementado pelo Estado brasileiro, tem a finalidade precípua de possibilitar, por meio da reintrodução da espécie na natureza, a sua conservação in situ, isto é, a conservação da ararinha-azul livre, em seu habitat”, diz a nota.
O que causa estranheza, entretanto, é que nas imagens divulgadas pela ACTP em suas redes sociais e também, pelas várias postagens feitas pelo Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre, sob o perfil da iniciativa Vantara, os créditos para a viabilização da importação das ararinhas é dado aos indianos.
“Com os esforços inovadores do Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre (GZRRC), um afiliado da Vantara, e da Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), essas aves extraordinárias chegaram com segurança às instalações no Brasil, onde serão colocadas em quarentena e aclimatadas antes de serem reintroduzidas no bioma Caatinga”, descreve a Vantara em suas redes sociais.
O Conexão Planeta entrou em contato com a assessoria de imprensa do ICMBio perguntando se o GZRRC esteve envolvido no processo de importação e se há perspectiva de que ele faça parte no futuro do Programa de Manejo Populacional da Ararinha-Azul. Como resposta recebemos a seguinte mensagem: “A Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre (GZRRC) não procurou o ICMBio, nem formalizou um pedido direto neste sentido, mas a organização pode perfeitamente entrar no Programa de Conservação da Ararinha Azul, caso atenda aos requisitos normativos estabelecidos para essa finalidade.”
Em 2023, após a polêmica do envio das ararinhas para a Índia, o Brasil afirmou que iria pedir a repatriação dos indivíduos que estavam em poder do zoológico daquele país.

Foto: Rodrigo Agostinho / Presidente do Ibama
Centro de reprodução da ararinha-azul na Índia
No ano passado, o Conexão Planeta obteve, com exclusividade, a informação de que um centro de reprodução ex-situ da ararinha-azul estava sendo criado no GZRRC, fato confirmado pelo Landesamt für Umwelt (LfU), Departamento de Meio Ambiente de Brandenburg, região onde fica situada a sede da ACTP. O termo ex-situ se refere à manutenção de espécies fora de seu habitat natural.
“As exportações [de ararinhas-azuis] para a Índia seriam para as próprias instalações da ACTP no país, a fim de continuar a criação de um segundo grande centro de reprodução ex-situ, o que é necessário para reduzir o risco que seria imanente ao manter todas as aves num único lugar, e porque a capacidade máxima das instalações da ACTP na Alemanha foi alcançada devido ao bom sucesso reprodutivo dos últimos anos”, revelou, por e-mail, o LfU ao Conexão Planeta.
Contactado, o ICMBio afirmou que tinha conhecimento da criação do centro, mas era totalmente contrário a ele.
“O governo brasileiro tem conhecimento sobre a justificativa dada pela ACTP e reportada pela agência ambiental alemã para a exportação das ararinhas-azuis. No entanto, tal justificativa não procede pois é perfeitamente possível atender a esses dois pontos de preocupação aqui mesmo, no Brasil, o que estaria alinhado com o programa de manejo populacional e com o Acordo de Cooperação Técnica então existente entre ICMBio e ACTP, que tinha como um de seus eixos estruturantes a reprodução da ararinha-azul em território nacional”, declarou o ICMBio em e-mail em junho de 2024.
O Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre /Vantara foi fundado por Anant Ambani, filho do homem mais rico da Índia, o magnata Mukesh Ambani, fundador e CEO da Reliance Industries, grupo que atua no setor químico, de petróleo, gás, varejo e indústria têxtil, e que movimenta algo em torno de US$ 100 bilhões por ano. O pai é amigo pessoal do primeiro-ministro Narendra Modi.
O zoológico, localizado em Jamnagar, numa área de mais de 1 mil hectares, dentro do complexo da refinaria dos Ambani, foi projetado para abrigar vários centros de pesquisa e conservação para espécies ameaçadas de extinção e hospitais para atender os animais, sobretudo, elefantes.
A Reliance Foundation, ligada ao grupo petroquímico, anunciou que tinham sido fechadas parcerias com organizações como a International a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e o WWF-International. Ambas negaram ter qualquer ligação com o empreendimento.
Uma longa reportagem, publicada há dois dias no site Medium, acusa a Vantara de “greenwashing” e de várias irregularidades na compra e importação de animais.
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Foto de abertura: divulgação Zoológico de São Paulo