Atualizado em 24/8/2021 para atualizar quantidade de indígenas e de povos participantes em Brasília
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Mais de 6 mil indígenas, de 173 povos e de todas as regiões do Brasil, estão reunidos ao lado da Esplanada dos Ministérios, atrás do Teatro Nacional, em Brasília, em defesa de seus direitos, principalmente do direito à terra.
Trata-se da maior mobilização do gênero já realizada na história, o Acampamento Luta pela Vida (ALV), organizado pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que vai até 28 de agosto e integra as celebrações internacionais do Agosto Indígena.
Ao longo de toda semana, serão promovidos debates, protestos, atos, atividades culturais e reuniões com representantes dos três poderes para discutir a situação dos povos e terras indígenas no país.
Os manifestantes protestam contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso e também apoia o Supremo Tribunal Federal (STF). Na quarta (25), acontece na Corte o julgamento mais importante da história sobre os direitos indígenas e que pode pode decidir o futuro das demarcações.
O julgamento do século!
NOTA DO CONEXÃO PLANETA – Este julgamento trata da reintegração de posse da Terra Indígena Xokleng a pedido do governo de Santa Catarina, e considerado pelo STF como de repercussão geral, ou seja, o que for decidido nele valerá para todas as demarcações de terras indígenas no Brasil.
Ele deveria ter acontecido em 11 de junho, em plenário virtual, mas a sessão foi suspensa devido ao pedido de “destaque” feito pelo ministro Alexandre de Moraes, que queria mais tempo para analisar o caso. O pedido foi feito um minuto após começar o julgamento, mas deu tempo de o relator, ministro Edson Fachin, depositar seu voto, que foi divulgado: ele reconheceu os direitos dos indígenas, como contamos aqui.
Remarcado pelo presidente da Corte, Luiz Fux, para 30/6 – os indígenas estavam em Brasilia com o acampamento Levante pela Terra -, mas teve que ser adiado mais uma vez e para a volta do recesso dos ministros, em 28 de agosto.
O STF também vai apreciar o marco temporal, interpretação defendida por alguns políticos ruralistas que restringe os direitos indígenas. Eles declaram que os povos indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, precisariam estar em disputa judicial ou conflito comprovado pela área na mesma data.
A tese é perversa porque desconsidera expulsões e outras violências sofridas por esses povos. Além disso, ignora o fato de que eram tuteladas pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente até 1988.
Sem dúvida, será o julgamento do século!
Entenda o que está em jogo nesta entrevista de Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA) para o site Amazônia Latitude, parceiro do Conexão Planeta.
Relator da ONU escreve a ministros do STF
Francisco Cali Tzay, relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, pediu, hoje, 23 de agosto, ao STF que garanta os direitos dos povos indígenas a suas terras e territórios, e que rejeite o argumento do marco temporal.
“A aceitação de uma doutrina de marco temporal resultaria em uma negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra. De acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”, destacou.
Dinaman Tuxá, um dos coordenadores-executivos da Apib (foto abaixo), completa a fala de Tzay: “Nos sentimos obrigados a nos fazer presente em Brasília, neste cenário tão desolador que está sendo promovido tanto pelo Congresso Nacional, mas principalmente pelo governo federal, no que tange o direito dos povos indígenas”.
Delegações e protocolos de saúde
As delegações indígenas começaram a chegar no domingo, 22/8, enquanto as barracas e as estruturas para alimentação, debates, atendimento médico e banheiros terminavam de ser montados.
O segundo dia do acampamento começou com a apresentação das delegações.
De manhã, em um momento de apresentações culturais, todos tiveram a oportunidade de exibir suas danças e cantos tradicionais, reforçando a ancestralidade cultural compartilhada entre os povos.
À tarde, representantes da coordenação da Apib e de suas organizações regionais fizeram uma análise da conjuntura política e dos desafios que os povos indígenas enfrentam em todo o país.
A Apib exigiu que viajassem à Brasília somente os indígenas totalmente imunizados contra a Covid-19. Mesmo assim, no acampamento, equipes de saúde testam os manifestantes e reforçam as orientações para o uso de máscaras, limpeza constante das mãos e manutenção do distanciamento social. Máscaras estão sendo distribuídas gratuitamente.
“É importante destacar também, que nosso acampamento desenvolveu uma série de protocolos sanitários, dedicados a reforçar as normas existentes da OMS. Todos os indígenas que estão no acampamento devem ser vacinados, obrigatoriamente para poder acompanhar nosso acampamento”, reforça Dinamam Tuxá.
Dossiê e apoio internacional
O acampamento recebeu a visita da comitiva da Progressive International, articulação que reúne entidades de direitos humanos, partidos políticos, sindicatos e outras instituições do campo progressista de diversos países.
A comitiva foi recepcionada por representantes dos Povos Munduruku e Kayapó, que aproveitaram o encontro para denunciar os impactos que estão enfrentando devido a projetos de infraestrutura próximos às suas terras.
Representantes da Apib entregaram cópias do Dossiê Internacional lançado, na semana passada, para servir como instrumento de denúncia global. O documento traz uma série de denúncias sobre ameaças e violências cometidas pelo governo Bolsonaro contra os povos indígenas.
Uma delegação da Apib foi convidada para visitar a Embaixada da Noruega, onde também puderam entregar o Dossiê e demandar apoio para sua luta ao Embaixador Sr. Nils Martin Gunneng, e ao oficial do programa, Sr. Kristian Bengston.
Às 15h, foi realizada a Plenária ‘Os Cinco Poderes, para promover uma análise de conjuntura sobre os poderes legislativo, executivo, judiciário e os poderes popular e espiritual.
“Essa plenária que fala dos cinco poderes é muito importante dentro do acampamento Luta pela Vida e ela tem um significado muito grande porque passa pela discussão do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, mas lembra do quarto poder, que são as massas, que é o povo, que é a nação brasileira como um todo, não só os povos indígenas, mas o povo brasileiro que é o quarto poder”, reforça Marcos Sabaru, assessor político da Apib.
“E aí a gente fala no quinto poder, como sendo o espiritual. As divindades regem as nossas vidas, regem as comunidades, dão força nos momentos de dificuldade, nas invasões dos garimpeiros, dos madeireiros, contra os mineradores, contra as PECs e PLs e portarias, contra todas as mazelas do homem e também espirituais, também contra a pandemia, contra doenças”, conclui.
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Leia também:
– Indígenas vão a Brasília reivindicar direitos e acompanhar julgamento histórico no STF
– Povos indígenas denunciam Bolsonaro no Tribunal de Haia
– Acampamento Levante pela Terra, em junho de 2021
Foto: Kamikiá Kisedje (a liderança Sonia Guajajara discursa na Plenária ‘Os Cinco Poderes’)
*Este texto foi originalmente publicado pelo site do Instituto Socioambiental (ISA) em 23/8/2021 e publicado, aqui, no Conexão Planeta, com edição de Mônica Nunes