Manual é um livro que reúne instruções sobre algo. Muito se engana quem pensa que só existem manuais sobre coisas. Marie Ange Bordas criou, junto com comunidades tradicionais da Amazônia, alguns manuais de crianças. É isso mesmo! Os manuais contam sobre como é ser criança naquelas comunidades. Até o momento foram publicados três:
– Manual da Criança Caiçara, pelas crianças da Barra do Ribeira;
– Manual das Crianças Huni Kui, pelas crianças Huni Kui da Aldeia São Vicente; e
– Manual das Crianças do Baixo Amazonas, pelas crianças de Cachoeira da Porteira, Cuecé, Mondongo, São José e Silêncio.
A ideia do primeiro – o da criança caiçara – surgiu da convivência com a comunidade sob a perspectiva de alguém de fora que está junto. “Não é falar sobre as comunidades, eu parto do estar junto, da convivência. É abrir espaço para que as crianças da comunidade contem sobre si”, relata Marie Ange. Dessa forma, as crianças, que conhecem a própria comunidade, compartilham seus saberes e vivências.
Enquanto fazia um trabalho na comunidade da Barra do Ribeira, Marie percebia a maneira como as crianças se relacionavam com o entorno, tudo que elas sabiam, as histórias que contavam. Reuniu as crianças na escola e sugeriu a criação do manual. A provocação vem de fora, fora mesmo: “Se um marciano chegasse aqui agora, e perguntasse sobre vocês, o que vocês diriam?”. E é se questionando, se percebendo, reconhecendo seu entorno que tudo aparece, emerge.
Conviver é a base dos três manuais. Enquanto Marie Ange segue trabalhando por aqui e por ali, também vai criando seus projetos. Quando lhe perguntamos como ela escolhe a comunidade de onde vai nascer um manual, ela diz “eu não escolho! São elas que me escolhem”. E essas escolhas nascem dos vínculos criados, dos momentos que são vivenciados junto.
Cada página dos manuais revela informações sobre as crianças que nos deixam boquiabertas. Os textos e as imagens se completam, e um sem o outro não seriam a mesma coisa. Não tem como não querer passar lentamente por cada uma delas, observando cada imagem e cada ilustração (feitas pelas crianças, claro!). Todo o conteúdo que vai para a publicação é decidido pelas crianças, afinal são elas que sabem o que é ser criança. Quando você lê o texto, tem a sensação de que está numa roda de conversa com as próprias crianças. Marie Ange organizou o texto preservando muitas características de “um dedinho de prosa”. Tem coisa melhor?
Em cada publicação, é precioso o registro da infância vivida com a natureza. As brincadeiras, as histórias, os saberes. Tudo acontece como deveria ser para todas as crianças: da maneira mais natural possível.
O Manual da Criança Caiçara foi publicado pela Editora Peirópolis e pode ser encontrado em livrarias por todo Brasil. Já os outros dois foram lançados com apoio de editais, publicados e distribuídos gratuitamente nas comunidades e cidades próximas das comunidades protagonistas.
Para espalhar o conteúdo dos Manuais Brasil afora, Marie Ange preparou uma exposição itinerante e oficinas, que podem viajar o país todo e compartilhar os saberes das comunidades. Para saber mais sobre o trabalho, confira o site do Tecendo Saberes.
Estamos na torcida para que, em breve, Marie Ange consiga republicar os livros inacessíveis e faça ampla distribuição por todas as livrarias do Brasil. E, claro, também queremos ver surgir mais manuais de crianças brasileiras!
Foto: Divulgação