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Confinamento não combina com infância

confinamento não combina com infância

A desconexão entre as crianças e a natureza, um dos principais fenômenos da nossa era relativos à infância, pode ser analisada a partir de vários pontos de partida, como, por exemplo, sua influência na criatividade, na obesidade infantil ou na manutenção da atenção e concentração por longos períodos de tempo. Para mim, acredito que por razões ligadas à minha própria infância, um dos aspectos mais significativos desse campo recente de estudo sempre foi o movimento.

O senso comum diz que as crianças precisam se movimentar para que se desenvolvam com saúde e em todo o seu potencial. Entretanto, é surpreendente pesquisar em lojas de roupas e acessórios para bebês e perceber a enorme variedade e quantidade de produtos disponíveis para conter os bebês e as crianças pequenas. Berços, carrinhos, andadores, quadrados, cadeiras de descanso, cadeiras de alimentação, balanços. Depois, salas de aula ou atividades internas, quadras fechadas, apartamentos e casas seguras. E, claro, os sempre onipresentes carros.

A realidade da infância, especialmente em ambientes urbanos, não é apenas caracterizada pelo afastamento da criança e seu ambiente de pertencimento, a natureza. Na verdade, estamos criando gerações de crianças em ambientes fechados, confinadas a espaços pequenos. Estamos, como sociedade, criando containerized kids (“crianças enlatadas”, em tradução livre), como definiu a professora da Universidade de Maryland e especialista em desenvolvimento motor, Jane Clark.

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É claro que não acredito que todo e qualquer equipamento que contenha bebês e crianças pequenas deve ser abolido. Alguns equipamentos, certamente, mantêm a criança em segurança em um ambiente perigoso, como um carro em movimento ou um local de aglomeração de pessoas. Ou podem ser fonte de incrível prazer, como um passeio de bicicleta de carona com o papai. Apenas desejo chamar a atenção para o fato de que nós, adultos, controlamos os ambientes nos quais as crianças circulam e devemos atentar para o fato de que elas precisam se movimentar – muito e em liberdade.

Assim como esses equipamentos de contenção protegem as crianças, também restringem seus movimentos, as distraem e limitam a habilidade natural que cada uma delas tem de seguir seus próprios instintos e interesses. Por exemplo, uma criança de um ano que está aprendendo a andar, ou já anda, em um passeio ao parquinho pode se fascinar com dezenas de coisas, como um canteiro de flores, uma fila de formigas ou um monte de pedrinhas, mas quando ela está sentada no carrinho, presa, sendo empurrada por trás, ela não tem nenhum poder de exploração e só lhe resta assistir passivamente a todas aquelas coisas interessantes passarem.

Em seu lindo livro Como Amar uma Criança, Janusz Korkzac, educador e médico polonês e uma das grandes referências sobre direito infantil, conta sobre Dedé, um bebê de um ano, da zona rural, deixado a movimentar-se em liberdade no pátio de sua casa, encontrando com um gato e interagindo com crianças mais velhas. Segundo ele, não é preciso substituir a superproteção por uma total ausência de certa proteção. “Apenas explico que, no campo, uma criança de um ano já vive, enquanto que entre nós um rapaz de dezoito anos apenas se prepara para viver. Quanto tempo lhe será necessário para realmente começar a vida!”.

Da mesma forma, os chamados Pikler babies são reconhecidos mesmo depois de crescidos pela graça e confiança com que se movimentam. As raízes para essa graça e harmonia se encontram nos fundamentos do atendimento a bebês proposto pela pediatra austríaca Emmi Pikler, aplicados no instituto que leva seu nome, em Budapeste, e em muitos outros centros de cuidado ao redor do mundo: muito espaço e tempo para brincar em liberdade e ininterruptamente, apoiado por um cuidador sensível e observador, com respeito pelo desenvolvimento espontâneo, sem interferências ou “ajuda”.

Talvez, para alguns, essa abordagem possa significar abandono, falta de cuidado ou de estímulos. Para mim, um bebê ou criança pequena não precisa de estímulos, não no sentido de brinquedos prontos ou entretenimento; para ele, basta viver a vida ao lado de um adulto que queira e possa inclui-lo nos pequenos afazeres do dia a dia: cozinhar, arrumar, lavar a louça, varrer, fazer compras no supermercado ou na feira, alimentar o cachorro. E, acima de tudo, viver a vida do lado de fora e absorver todos os “estímulos” que a natureza oferece.

Como sempre, em se tratando de natureza, menos é mais. Neste caso, menos restrição de movimento significa mais repertório motor, mais exploração e descobertas, mais prazer em ter e usar o corpo, mais crianças com graça e confiança.

Foto: domínio público/Pixabay

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Day Freiza
8 anos atrás

Texto maravilhoso. Boa reflexão. Sou prof de educacao infantil de escola pública. Fico triste em perceber q com um numero tão grande de crianças por sala e de salas por escola, fica tão difícil proporcionar esses momentos aos alunos

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