As crianças pequenas estão vendo o mundo pela primeira vez. Na verdade, uma vez que o mundo é vivo, todos nós o estamos vendo pela primeira vez, mas como não focamos nas mudanças sutis do dia a dia, temos a sensação de que existe uma certa estabilidade nas coisas e que elas se repetem. Mas, para a criança pequena, o que ela vê está desprovido dessa percepção de repetição. Observando o olhar da criança, percebemos sua imensa capacidade de investigação. Tudo o que ela vê é novo e é parte de sua aprendizagem do mundo, o que ela faz com atenção plena.
Aos poucos, o mundo que o bebê começa a conhecer ganha diferentes cores, formas, distâncias e movimentos. Tudo isso ainda com mais variações e possibilidades, conforme crescem e adquirem novas posturas.
O mundo construído apresenta um certo padrão repetitivo de formas e cores. As formas oscilam entre as retilíneas e as circulares e as cores, mais variadas, ainda estão dentro do que a cultura define como bom, necessário e agradável. Já, na natureza, a diversidade de formas é imensa, quase infinita, e os padrões que existem e se repetem são altamente complexos e sofisticados. O mesmo se pode dizer das cores; ainda que o verde predomine, há infinitos tons dele, assim como as cores dos líquens, fungos, animais e frutos, flores e raízes.
Em ambientes naturais, as crianças têm a oportunidade de perceber uma grande variação nesse universo. Além disso, sua visão pode se exercitar com uma grande diversidade de distâncias, desde as pequenas miudezas que estão bem perto, como o voo de um pássaro distante ou as nuances de cores da encosta de uma montanha.
Mesmo no ambiente urbano, os parques – onde realizamos os encontros do programa Ser Criança é Natural – apresentam uma imensa variedade de formas, cores e texturas para atrair e desenvolver a visão, a capacidade de observação e o senso estético das crianças. Nesses encontros, temos a oportunidade de acompanhar seus olhares e nos encantar com as inúmeras vezes em que as miudezas do percurso ganham status de obras de arte de rara beleza. Uma pedrinha, uma folha…o encantamento que elas produzem nos autorizam a afirmar que o mundo pode ser infinitamente belo e que as crianças – todas elas! – são as guardiãs do olhar humano, capaz de reconhecer o frescor daquilo que está permanentemente vindo a ser, nessa dança sem fim da qual fazemos parte.
Em momentos de grave crise como a que vivemos neste momento, o olhar vivo sobre as coisas vivas apresenta-se como necessário e urgente para nos regenerarmos a nós mesmos e, assim, poder fazer o mesmo com o mundo que nos cerca. Temos sempre muito o que aprender com as crianças e com a natureza nesses momentos mágicos em que elas são um único ser.
Fotos: Renata Stort