“Coloque na panela um punhado de terra, bastante água, troncos, folhas e sementes, e os insetos certos. Misture bem e deixe apurar. Esta é a origem de todos os pratos!“.
É assim que o chef paraense Thiago Castanho estreia, em vídeo, a campanha Tem Floresta na Mesa, idealizada pelo Observatório do Código Florestal (OCF) e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) para destacar a importância da natureza na produção de alimentos.
A iniciativa chama a atenção do consumidor brasileiro para o papel das florestas e dos serviços ecossistêmicos que elas oferecem como chuva, clima estável, proteção e saúde dos solos e polinizadores.
“Quando vamos ao supermercado, à feira ou a um restaurante, a última coisa que passa pela cabeça é a natureza. Esta iniciativa vem justamente mostrar que, sem uma floresta saudável, não existiriam condições ideais para o brasileiro ter tanta diversidade e abundância na mesa”, explica Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do IPAM.
“Esse ingrediente que ninguém lembra, a floresta, é um dos recursos naturais fundamentais para a geração de alimentos e precisa ser melhor valorizado por toda a cadeia, do produtor no campo ao consumidor”.
A presença da floresta
A campanha é um convite para que o público desenvolva um olhar mais atento sobre a origem do alimento. Por isso, todas as peças desenvolvidas contemplam a presença da floresta desde a entrada do supermercado, passando pela escolha do que vai para o carrinho, até a execução da comida dentro de casa.
No site Tem Floresta na Mesa, há sugestões que auxiliam a fazer escolhas mais responsáveis como “buscar por produtos de empresas que respeitem o meio ambiente, cobrá-las para que cumpram a legislação e compartilhar conteúdos relevantes e confiáveis”.
E o site ainda apresenta dois vídeos de receitas do chef (sobre os quais conto abaixo) e cards para você baixar e compartilhar nas redes sociais.
Receitas em duas versões
Considerado um dos chefs mais inovadores do mundo pelo jornal americano The New York Times e um entusiasta da cozinha de origem, Castanho é o garoto propaganda perfeito para esta mensagem.
As receitas selecionadas por Castanho para a campanha receberam tratamento especial e foram apresentadas de duas maneiras.
No áudio, são absolutamente fieis às originais, mas, na prática, foram traduzidas com o uso de ingredientes rústicos da natureza: pedaços de tronco de árvore, frutos, folhas, gravetos e terra, entre outros ingredientes.
Muito legal e o melhor de tudo: você nem precisa anotar os ingredientes porque o site oferece as receitas para você baixar em PDF.
Sobre a primeira receita – peixe assado na folha de bananeira, com salada de feijão-manteiguinha (assista ao vídeo no final deste post) -, o chef revelou que “está em meu repertório há muito tempo”. Da segunda – rabada com tucupi-jambu -, contou que é uma receita “bem simples e bem tradicional do Pará”.
Para ele, “quanto mais soubermos a respeito da origem do que colocamos na mesa, mais podemos ajudar a manter a floresta, quem vive ao redor dela e as tradições culturais em pé“, declarou.
“Quando fui chamado para participar dessa ação com o IPAM, topei na hora, pois está completamente alinhado com meu propósito de trabalho aqui na região amazônica”.
Floresta em pé, comida na mesa
Em 2015, cientistas do IPAM realizaram estudo em áreas de produção agropecuária no Mato Grosso que revelaram que a temperatura da superfície era de 4oC a 6oC, em média, mais alta se comparada a uma região florestada como o Parque Indígena do Xingu.
O parque – idealizado e organizado com os indigenas pelos irmãos Vilas-Boas na época do governo de Jânio Quadros – é uma “ilha verde” quase que totalmente cercada por pastagens e plantações. “Ali, a floresta fornece água para a produção ao redor, na forma de chuva”.
Três anos depois, os cientistas Carlos Nobre e Thomas Lovejoy escreveram editorial para a revista Science Advances – Amazon Tiping Point (Ponto de Virada na Amazônia, em tradução livre) -, no qual destacam a importância da Amazônia na circulação de umidade na América do Sul, e reforçam que, com o avanço do desmatamento no bioma, a floresta pode perder a função de “regador” da região.
Os dois trabalhos científicos – que se somam à vasta literatura científica -, comprovam a importância de manter a vegetação em pé.
A iniciativa Tem Floresta na Mesa se une à essa mentalidade, promovendo o consumo responsável, estimulando o cumprimento do Código Florestal por produtores rurais e o compliance por parte da indústria alimentícia.
“As florestas nunca foram uma barreira ao desenvolvimento econômico”, destaca Roberta Del Giudice, secretária-executiva do OCF.
“A proteção florestal pode perfeitamente se conciliar com a expansão da produção agrícola. Por isso, é fundamental saber de onde vem o que consumimos: o que consumimos conserva ou desmata florestas”.
E conclui: “A implantação do Código Florestal é o primeiro passo para que todos tenham essa informação.”
Ritual sagrado da infância
A mensagem metafórica e lúdica utilizada nos vídeos pela campanha Tem Floresta na Mesa me encantou assim que assisti ao primeiro vídeo com o chef Thiago Castanho e uma de suas receitas inusitadas.
Rapidamente, me remeteu às memórias de infância, às brincadeiras no parque ou no quintal nas quais as crianças colhem os materiais da natureza que encontram pela frente – galhos, folhas, terra, sementes – para “fazer comidinha”.
Lembrei também de um dos posts mais lidos e curtidos nas redes sociais, publicado aqui, no Conexão Planeta: Brincar de fazer comidinha (com a natureza) é ritual sagrado na infância.
Ele foi escrito em 2016 pela educadora Ana Carol Thomé para o blog Ser Criança é Natural, que ela assina junto com a educadora e parceira Rita Mendonça.
Em 2019, elas voltaram ao tema, no mesmo blog, pra falar da Cozinha da Floresta, uma oficina que realizavam durante encontros com famílias em parques pela cidade de São Paulo.
Também recordei do livro Cozinhando no Quintal, escrito por Renata Meirelles e lançado em 2014, que apresenta diferentes “comidinhas” encontradas pelo Brasil. “Ele revela que criar, pesquisar e conviver são provas de que brincadeira se põe à mesa, sim!”, comenta Ana Carol Thomé.
Esse livro é fruto do projeto Território do Brincar, criado por Renata e seu marido, o documentarista David Reeks, e apoiado pelo Instituto Alana, com o intuito de pesquisar o jeito de brincar das crianças brasileiras.
Embalada e encaixotada
Ninguém protege o que não conhece, concorda? Por isso, é cada vez mais urgente a divulgacão de conhecimento sobre a importância da natureza em nossas vidas. Sem ela, impossível ter uma vida saudável.
E isso também é urgente entre as crianças. É triste e surreal, mas há muitas crianças que “aprendem no dia a dia com a família”, que a comida vem da prateleira do supermercado – embalada e encaixotada -, desconhecendo sua origem.
A campanha do IPAM e do OCF é mais um esforço importante nessa jornada e pode, também, ser apresentada por educadores em suas aulas. Os vídeos com Thiago Castanho apresentam uma linguagem de fácil entendimento e podem provocar ótimos insights entre elas.
Abaixo, assista à receita do peixe na folha de bananeira, com o chef Thiago Castanho. Se preferir a rabada, clique aqui.
Foto (destaque): Reprodução do vídeo