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STF adia para 2025 a conclusão das ‘audiências de conciliação’ sobre a lei do marco temporal 

STF adia para 2025 a conclusão das ‘audiências de conciliação’ sobre a lei do marco temporal 

O término da ‘audiência de conciliação’ sobre a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) estava previsto para 18 de dezembro, mas, hoje (22), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu prorrogar a duração dos trabalhos para 28 de fevereiro de 2025.

“Após a realização de dez audiências, constato que os trabalhos têm evoluído a contento, com debates aprofundados acerca da controvérsia e aportes relevantes de experts sobre o tema”, declarou o magistrado.

“A complexidade das questões controvertidas, que ensejou a instauração da Comissão Especial e justifica o aprofundamento fático a que se dedicam seus membros, impõe a prorrogação do prazo inicial de duração dos trabalhos”, completou à reportagem.

No documento, ele destaca que ainda estão agendadas, para dezembro, duas audiências temáticas: uma no dia 16 e outra, no 18. Na primeira, os integrantes da comissão ouvirão especialistas sobre os laudos antropológicos utilizados no processo demarcatório. Na segunda, de acordo com o STF, representantes de comunidades indígenas devem falar livremente sobre temas que interessem a suas etnias.

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O marco temporal e sua inconstitucionalidade

Em setembro de 2023, o marco temporal foi julgado e considerado inconstitucional por nove dos 11 ministros do STF, como contamos aqui

Em resposta, em 20 de outubro do mesmo ano, deputados ruralistas e simpatizantes criaram, colocaram em votação e aprovaram às pressas um PL com base nessa tese absurda, que defende que os povos indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.  

E, em dezembro, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Lula ao projeto de lei que validou o marco temporal, e ainda

A tese inconstitucional surgiu em 2009 e foi usado como um dos critérios para a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Desde então, assombra os povos indígenas de todo o país. A Lei do Marco Temporal é uma prova disso.

O texto foi promulgado em dezembro de 2023 e, prontamente, no dia 28, a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil reagiu: entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade 7582 no STF. 

Com base na sentença de setembro, a organização esperava a suspensão da recém-criada lei, em especial “dos artigos contrários ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023”. Mas não foi o que aconteceu.

As audiências 

Mesmo depois da recomendação de cinco órgãos da ONU para que o governo brasileiro rejeitasse a tese do marco temporal e dessa continuidade ao processo de demarcação das terras indígenas, a Lei do Marco Temporal continuou valendo. 

Mas a resposta do STF à ADI 7582 foi ainda pior: em abril de 2024, a Corte surpreendeu a APIB com a proposta da Câmara de Conciliação – como se houvesse essa possibilidade sem ataques aos povos indígenas –determinada pelo ministro Gilmar Mendes. Ele era relator das ações protocoladas pelo PL, o PP e o Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco temporal e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.

Além de levar o caso para conciliação, Mendes negou pedido de entidades para suspender a deliberação do Congresso que validou o marco, decisão que desagradou os indígenas.  

Ao contrário do que o magistrado declara, as audiências não têm “evoluído a contento” – a contento de quem? -, “com debates aprofundados” – os indígenas têm sido desrespeitados e não são ouvidos durante as audiências. Tanto o clima não tem sido favorável que, em 28 de agosto, durante a segunda audiência, os integrantes da APIB, revoltados, abandonaram a comissão, deixando registrada sua decisão em manifesto (como contamos aqui).

“Não há nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas, garantidos aos povos indígenas pelo Constituinte originário de 1988”, destaca o documento.

“Câmara ilegítima”

Em coletiva de imprensa, logo após a saída do STF, Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da APIB, explicou: “Nós tentamos a todo momento e estávamos abertos ao diálogo. A APIB, por meio das petições na Corte, solicitou diversas vezes que nos fosse da igualdade de condições de participação na Câmara”. 

STF adia para 2025 a conclusão das ‘audiências de conciliação’ sobre a lei do marco temporal 

E complementou: “Os povos indígenas enfrentam violações contra seus territórios e direitos desde que este país é conhecido como Brasil. Confiamos no colegiado do Supremo e nos ministros que já se posicionaram contra [9×2], mas qualquer medida conciliatória desta câmara, sem a participação dos povos indígenas, será ilegítima!”. 

Em decisão monocrática, Mendes determinou que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) indicasse representantes indígenas – um de cada região do país – para compor o grupo. E assim foi feito.

Em nota, a APIB lamentou que “instâncias autônomas dos povos indígenas ou entes públicos em que há participação indígenas sejam pressionados a ocupar colegiados contra a sua vontade”. 

Na realidade, não houve avanços nas audiências chamadas de conciliação, que parecem dominadas pelos interesses de quem defende a Lei do Marco Temporal, com cartas marcadas. Na prática, sua realização neutraliza a decisão da Corte sobre a questão (“o marco temporal é inconstitucional”) e facilita ao Congresso ganhar tempo para aprovar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e inserir a tese do marco temporal na Constituição.

Recomendamos a leitura da reportagem, publicada em setembro deste ano pelo ISA – Instituto Socioambiental, na qual juristas criticam ‘conciliação’ sobre marco temporal das demarcações.
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