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Sem risco, sem diversão


Às dez da manhã a casinha com o escorregador do parque que frequento com meu filho fica cheia. Não são apenas as crianças que sobem e descem do brinquedo no centro do tanque de areia. Pais, mães e babás disputam espaço e cercam o brinquedo, atentos aos movimentos das crianças – a qualquer queda, qualquer necessidade de ajuda. Há tanto adulto que é difícil enxergar as crianças.

A casinha, popularmente conhecida por casinha do Tarzan, não passa de 1,50 metros de altura. Sua lateral, antes aberta com espaço para saltos, pulos e outros movimentos de equilíbrio-desequilíbrio, foi fechada com grades de ferro e o cano (chamado pelas crianças de tubo de bombeiro) retirado.

Essa não foi a única casinha trancada na cidade de São Paulo. Muitas escolas de educação infantil, públicas e privadas, estão fazendo o mesmo. No último mês, estive em um CEU da Prefeitura de São Paulo e a casinha estava cercada com tela de proteção, dessas que colocamos em janelas de apartamento.

São dois os pontos que merecem a atenção: a casinha trancada e os pais, babás e educadores que não saem de cima das crianças. Tem até um nome para isso: pais, adultos helicópteros.

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Você pode perguntar: mas não devemos proteger as crianças? Não devemos cuidar para que não se machuquem? A resposta é sim. Devemos protegê-las, mas não a ponto de impedir que a brincadeira de livre iniciativa, a exploração dos movimentos e possibilidades do corpo e a superação de desafios aconteçam.

Há um reflexo na vida das crianças dos medos e inseguranças dos adultos. As casinhas do parque e da escola são parecidas com as que temos vivido na cidade. Muros altos, cercas, máximo de segurança. Os adultos ‘on-line’ o tempo todo buscando controlar todas as situações da vida por meio de redes, curtidas, deslikes.

Descer um escorregador tornou-se o máximo do risco e da aventura para algumas crianças. Subir em árvore também se tornou proibido em muitos espaços. O argumento é o mesmo – evitar os riscos.

Aprender a perceber o risco ou diferenciá-lo de um perigo real ocorre na própria experiência. Quanto mais evitamos riscos na vida da criança (riscos e não perigos), mais as crianças se distanciam de aprender a percebê-los e a encontrar formas de lidar com eles. A aprendizagem de manejar riscos possibilita inúmeros benefícios. Entre eles, o de criar a força de vontade necessária de superá-los, de controlar o próprio corpo, de ser um pouco responsável por si mesmo, ainda que seja no simples subir e descer de um escorregador.

Na missão técnica promovida pelo Programa Criança e Natureza à cidade de Freiburg na Alemanha, um dos especialistas com quem conversamos foi categórico: ‘sem risco, sem diversão’.

Estamos criando uma geração de crianças que não sentem a alegria de conquistar algo, de suar, de sentir frio na barriga, de transpor alguns limites na vida. Depois, não entendemos porque adultos reagem com pânico, ansiedade a tantos percalços que a vida nos apresenta…

As áreas externas à casa e à sala de aula têm papel fundamental na vida da criança: ampliar as possibilidades motoras que o espaço fechado e coberto não faz. É brincando ao ar livre e na natureza que o corpo se modela. Amplia sua capacidade adaptativa e explora diferentes materialidades, tônus, resistência e flexibilidade. Ao ar livre nossos corpos criam e expressam potência frente à vida.

As férias estão próximas. Muitas famílias buscam passar mais tempo com seus filhos/as. Pai e mãe que trabalham muito e passam longas jornadas fora de casa, como eu, buscam compensar o tempo ausente brincando com eles. Isso é ótimo! Cuidemos apenas para que o excesso de supervisão e de proteção não retire a liberdade de brincar e criar resiliência diante da vida.

Leia também:
O brincar que envolve risco e o imprevisível da vida 
O risco de dizer: “não pode, é perigoso!”

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