“Se morrermos, saibam que estamos satisfeitos e firmes, e digam ao mundo, em nosso nome, que somos pessoas justas, do lado da verdade”. Este foi o último post publicado pela poeta e romancista palestina Heba Abu Nada, de 32 anos, no X (ex-Twitter), que morreu em Khan Ynis, devido a bombardeio de Israel na Faixa de Gaza.
Sua morte foi anunciada em 20 de outubro pelo Ministério da Cultura palestino.
Desde 8 de outubro, um dia após o ataque do Hamas a Israel, Heba usava sua página no X para refletir sobre o conflito entre o Estado de Israel e o grupo terrorista, que já deixou mais de seis mil mortos, cerca de quatro mil palestinos, a maioria crianças.
Eu seu último poema, ela resumiu o cenário da guerra: “A noite da cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis, silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios, assustadora, exceto pela promessa tranquilizadora da oração; escura, exceto pela luz dos mártires. Boa noite” (veja abaixo).
Lápis e folha de papel em branco: suas ‘armas’
Heba nasceu em Meca, na Arábia Saudita, em 24 de junho de 1991. Descendia de uma família de refugiados palestinos, expulsa de Bayt Jirja pelos israelenses durante a Nakba, em maio de 1948.
[Nakba – que, em árabe, significa catástrofe – é o deslocamento de cerca de 700 mil árabes da área conhecida como Palestina. A data é lembrada todos os anos em 15 de maio um dia após a data em que se celebra a independência de Israel]
A escritora mudou-se com a família para a Faixa de Gaza ainda na infância. Cursou bioquímica na Universidade Islâmica de Gaza e fez mestrado em nutrição clínica. Mas seu talento com as palavras logo se revelou.
Em 2017, aos 26 anos, publicou seu primeiro romance – O oxigênio não é para os mortos -, que a consagrou como escritora talentosa no mundo árabe. No mesmo ano, conquistou o segundo lugar no Prêmio Sharjah de Criatividade Árabe, na categoria romance.
Em Gaza, Heba promoveu cursos literários para crianças e jovens palestinos. Fazia de um lápis e de uma folha de papel em branco suas ‘armas’ para lutar pela Palestina.
Repercussão
Não faltam lamentos nas redes sociais pela morte de Heba Abu Nada. Escolhi dois que dão bem a medida de seu reconhecimento e da falta que fará na luta pelo Estado da Palestina.
“Com grande tristeza lamentamos uma das mais talentosas poetisas e romancistas feministas de Gaza, Heba Abu Nada. Ela escreveu ontem: “Se morrermos, saiba que estamos contentes e firmes, e transmita em nosso nome que somos pessoas de verdade.”…….. Oh Deus, Heba!”, escreveu Abdalhadi Alijla, cientista político, pesquisador e escritor, em sua página no X.
Alijla é o autor da foto de Heba que reproduzimos neste post. Assista a entrevista que ela concedeu a ele em programa de TV, no qual recita o poema ‘Ontem disse uma estrela’ (قصيدة”بالأمس قالت نجمة”).
“Esta novelista e poetisa, Heba Abu Nada, por suas comoventes palavras, bem merecia o título dado pelos verdadeiros hebreus a pessoas como ela: “Uma pessoa justa entre as Nações”. Escutemos suas palavras: ‘Somos pessoas justas, ao lado da verdade’. Foi assassinada nos ataques”, escreveu o teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff, também no X.
Outros artistas mortos em Gaza
A artista plástica palestina Heba Zagout, de 39 anos, é outra vítima dos ataques de Israel à Faixa de Gaza. Ela foi morta em 13 de outubro com dois filhos pequenos devido a um ataque aéreo.
Ela estudou artes plásticas na Universidade Al-Aqsa, de Gaza, e formou-se em design gráfico. Nas redes sociais, conquistou diversos seguidores com suas pinturas vibrantes de paisagens e palestinos, especialmente por suas representações de cenas de Gaza e Jerusalém, que você pode ver em sua página no Instagram.
Outro artista cuja vida foi ceifada nesta guerra é Mohammed Sami, de 23 anos, morto ao lado da família durante o ataque ao Hospital al-Ahli al-Arabi, em 17 de outubro.
Em suas obras, frequentemente desenhava viagens e cactos. No hospital onde morreu, era voluntário e organizava atividades artística e brincadeira com crianças afetadas pelo conflito com o intuito de ajudar a aliviar os impactos do conflito.
No último post divulgado por ele no Instagram, no dia de sua morte, Sami publicou vídeo (divulgado nas reportagens sobre o ataque ao hospital e que você pode ver abaixo) e escreveu:
“Hoje, durante minha presença no Hospital Árabe Al Ahly, famílias revelavam medo e estresse devido ao bombardeio em curso na Faixa de Gaza. Tentei aliviar o medo e o pânico deles: pedi ajuda a uma equipe de voluntários civis para mudarmos essa situação para um estado de brincar, rir, gritar alto e esvaziar-se, numa tentativa de oferecer ‘primeiros socorros’ para as crianças e suas famílias, tornando aquele lugar seguro e dedicado ao entretenimento. O que fiz hoje foi tentar criar instalações simples e levá-los para um estado que provavelmente é muito melhor do que eles estavam. Nunca esquecerei o olhar e o som das gargalhadas deles nesse momento. Todos nós tentamos ficar bem”.
“Conheci Muhammad quando criança. Ele era um artista muito talentoso. Foi assassinado há poucos dias” escreveu Abdalhadi Alijla, cientista político, no X. “Ele se formou na universidade há apenas alguns meses, pensando que um futuro brilhante o aguardava. Agora ele se foi”.
Ele aparece no vídeo brincando e cantando com as crianças:
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Foto: Abdalhadi Alijla/reprodução