Um peixe comum em toda a costa do Oceano Atlântico, inclusive encontrado no norte do Brasil, o bodião-de-pluma ou bodião-porco (Lachnolaimus maximus) tem a habilidade de mudar a cor da pele, que já era conhecida por cientistas. Para se camuflar em meio à areia ou corais, por exemplo, ele consegue ir de tons de bege bem claro para até um laranja escuro.
Há alguns anos, quando estava participando de uma pescaria, a bióloga americana Lori Schweikert se deparou com um bodião-de-pluma. Mas o que a surpreendeu foi que ele havia mudador de cor após sua morte. Ou seja, o mecanismo de camuflagem continuou funcionando mesmo quando seus olhos e seu cérebro já estavam sem vida.
Intrigada com o ocorrido, a cientista decidiu se debruçar sobre a fisiologia do peixe e tentar entender exatamente o que acontece com o organismo do bodião-de-pluma.
As primeiras análises da pele em laboratório revelaram que a espécie possuía um gene para uma proteína sensível à luz, chamada opsina, a mesma encontrada em outros animais que mudam de cor, desde polvos a lagartixas.
Em geral, opsinas são encontradas nas células fotorreceptoras da retina, nos olhos.
“Quando a encontramos no bodião-de-pluma, pensei: por que ter um detector de luz na pele?” relembra Lori, professora assistente na Universidade da Carolina do Norte, em Wilmington. “Uma hipótese é que a pele sensível à luz ajuda os animais a perceber seu ambiente. Mas novas descobertas sugerem outra possibilidade – que eles possam estar usando isso para ver a si mesmos”, diz ela.
Quando vista ao microscópio, a pele mais clara (esquerda) ou escura (direita) de um bastião-de-pluma
(Foto: Dean Kimberly e Lori Schweikert / Duke University)
Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora e seus colegas retiraram pedaços de pele de diferentes partes do corpo do peixe e as fotografaram com microscópio. De perto, descobriram que a pele parece uma pintura pontilhada.
“Cada um desses pontos coloridos é uma célula especializada chamada cromatóforo, contendo grânulos de pigmento que podem ser vermelhos, amarelos ou pretos. É o movimento desses grânulos de que altera a cor da pele. Quando eles se espalham pela célula, a cor parece mais escura. Quando eles se agrupam em um pequeno ponto difícil de ver, a célula se torna mais transparente”, explicam os cientistas.
E no caso específico do bodião-de-pluma, as opsinas não são produzidas nos cromatóforos, mas em outro tipo de célula, até então desconhecida, abaixo delas.
“Significa que a luz que atinge a pele deve passar primeiro pelos cromatóforos cheios de pigmento antes de atingir a camada sensível à luz”, diz a professora.
Isso sugere que as opsinas nesses peixes agem como um filme polaroid interno, capturando mudanças na luz.
“Só para ficar claro, não estamos afirmando que a pele do bodião-de-pluma funciona como um olho”, ressalta Lori. “Olhos fazem mais do que apenas detectar a luz – eles formam imagens. Não temos nenhuma evidência que sugira que seja isso que está acontecendo na pele deles. Em vez disso, é um mecanismo de feedback sensorial que permite ao peixe monitorar sua própria pele conforme ela muda de cor e ajustá-la para se adequar ao que vê com seus olhos”.
A suspeita é que ele usaria essa habilidade de saber qual a sua cor quando precisa escapar de um predador, ameaçar um rival ou seduzir suas parceiras de reprodução.
O bodião-de-pluma em suas diferentes cores
(Foto: Dean Kimberly e Lori Schweikert / Duke University)
Os pesquisadores acreditam que a descoberta pode ser importante para o desenvolvimento de novos dispositivos como membros robóticos e carros autônomos, que devem ajustar seu desempenho sem depender apenas da visão ou de uma câmera.
O link para o artigo completo sobre o estudo, em inglês, você encontra aqui.
*Com informações e entrevistas da reportagem da Duke University
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Foto de abertura: Sander van der Wel from Netherlands, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons