O tempo perguntou pro tempo, quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo,
que o tempo tem o tempo que o tempo tem!
O trava-línguas mais famoso de nossas infâncias, vai além de um jogo de sons e palavras e nos provoca uma reflexão: quanto tempo?
Geralmente, quando falamos de natureza logo vem a ideia de espaço/lugar em que há diversidade de plantas e animais, onde a atmosfera é diferente da dos espaços fechados. Mas a questão do tempo – tanto o tempo físico como o tempo percebido -, é também parte fundamental na natureza.
Estar com a natureza significa que, além de estar em um lugar mais verde, você reservou tempo (aquele que se marca no relógio) e, ao mesmo tempo, se desligou dele a ponto de entrar na percepção do tempo da vida, das crianças (ou da natureza), daquele tempo que não pode ser medido, que só pode ser vivido.
Assim, pra começar bem o ano (voltamos agora de férias!), nossa pergunta pra você leitor é:
Quanto e qual tempo você e sua(s) criança(s) têm para brincar com a natureza?
Para ajudar você a entender melhor nosso questionamento, damos um exemplo: quanto tempo você acha que uma planta demora para crescer? Ou melhor: quanto tempo uma folha demora para se abrir, desde o botão que se forma no pequeno caule até sua abertura completa? Desde o desabrochar, se abrindo pequena, até que vai crescendo, crescendo e alcança seu tamanho máximo ideal. Quanto tempo isso demora? Você pode ir dormir num dia e a planta estar com apenas o botão da folha e, no dia seguinte, a folha pequena estar totalmente aberta… Quanto tempo esse movimento levou?
Entrar no tempo da natureza é entrar nessa vagarosidade da vida, mas que de repente, quando nos damos conta, nos surpreende com tanta transformação…
E aí, você pode pensar: mas eu não tenho tempo para essas coisas!
Então experimente ir para um parque, um jardim ou outra área natural e esqueça do tempo do relógio! Você pode até marcar no despertador um período de 15 minutos, mas uma vez feito isso, esqueça dele.
Procure um lugar confortável para se sentar, no meio das plantas. Feche os olhos. Respire por alguns minutos, prestando atenção em sua respiração e observando a diminuição do seu ritmo, você se acalmar. Então, abra os olhos e mantenha-se parado em uma mesma posição, como se você tivesse virado uma estátua. Nesse momento, comece a observar quanto tempo a natureza leva para voltar ao ritmo anterior ao da sua chegada. Depois de um momento nessa interação, em que o seu ritmo e o da planta se integram, você pode finalizar o exercício, levantando-se ou movendo-se em outra direção.
O que observou com essa experiência? Deu tempo de fazê-la dentro do que período marcado no relógio? Como ficou sua percepção do tempo? O que é o tempo da natureza pra você, agora? Em que medida você e ela vivem o mesmo “tempo”? E, por fim, a questão mais importante: Quem é você senão a natureza acelerada pelos seus próprios processos mentais?
As crianças nascem com esse tempo único, um tempo natural. Aos poucos, esse tempo natural recebe o tic-tac do relógio da rotina dos adultos, o imediatismo de tudo, o que tem que ser feito rápido, fast, durante 24 horas, 7 dias por semana. E, aí, a agenda da criança recebe inúmeras tarefas. O tempo acaba sendo percebido como algo mecânico, que pode ser medido de forma independente do que é sentido, e fica bem pequeno, apertado. E isso pode gerar sofrimento, já que a criança teve que abandonar seu estado natural com o qual nasceu. Quando temos hora para tudo, não temos tempo para nada! E as expressões da vida acabam passando despercebidas.
Estabelecer uma relação frequente com a natureza nos ajuda a aprender a respirar tranquilos em meio às atividades cotidianas e a retomar o contato com o tempo natural. Esse tempo é nosso, pois nós também somos natureza. E isso pode acontecer de diferentes maneiras e intensidades. Ter uma plantinha em casa, à qual você se dedica a cuidar diariamente, que te conecta com mudanças, crescimento e transformações. Com ela, você aprende a perceber o ciclo das folhas – quando secam e caem, as novas que brotam. Percebe flores aparecendo, consegue inclusive sentir se ela precisa de mais água, de nutrientes, de luz, de companhia.
Estar em um ambiente de natureza abundante com frequência – seja num parque, numa praça ou no seu próprio quintal ou na sua varanda – permite que se crie vínculo com esse espaço/tempo. Passamos a conhecer as árvores, os pássaros, as plantas rasteiras e a observá-los com mais atenção. Estes laços nos permitem perceber e sentir o espaço de maneira mais sensível, transformando-o em um lugar especial.
Os ciclos da natureza se tornam perceptíveis. Você passa a entender melhor quando as folhas de uma árvore estão caindo, quando um determinado tipo de semente aparece pelo chão, quando surgem aquelas pequenas flores pelos canteiros. Passa a compreender o tempo das lagartas e o das borboletas.
Esta relação de tempo, espaço e lugar dá à rotina dos adultos um ritmo e uma qualidade diferentes. Imagine, então, o que acontece quando a criança pode viver isso.. Que riqueza será para ela não ser obrigada a sair da percepção de tempo que lhe é natural! E viver cercada por adultos que compreendem e vivem profundamente o que é o tempo natural de ser e se desenvolver.
Um tempo natural da infância, natural da vida e da natureza. Com tempo pra tudo.
Essa liberdade permite não só que a criança conheça os ciclos naturais no ambiente, mas em si mesma. Cria uma experiência na qual ela se percebe em cada movimento que faz – e que se transformam a cada dia -, para correr num gramado, para alcançar um galho conforme seu corpo cresce…
O tempo, assim, se torna o poeta que faz poesia por meio da vida que desabrocha em todos nós!
E, por falar em poeta, eis um (vídeo abaixo) que escreveu versos lindos e soube cantar tão bem o tempo…
Foto: Renata Stort / Edição: Mônica Nunes