De uma hora para a outra, os seres humanos sumiram. O ano nunca será esquecido, 2020. Quando o mundo se viu diante de uma das maiores pandemias de sua história, a deflagrada pelo vírus da covid-19, governos obrigaram seus cidadãos a ficarem em casa e restringiram ao máximo o funcionamento de empresas e comércio e a circulação das pessoas.
Enquanto as ruas ficaram vazias, começou-se a notar uma maior movimentação dos animais e uma transformação na natureza. Quem não se lembra das notícias que davam conta de que os cisnes e peixes voltaram aos canais de Veneza, patos à Roma e golfinhos à Sardenha, com a quarentena na Itália? Ou então dos ursos “fazendo a festa” em parques fechados dos Estados Unidos?
Pois um estudo de pesquisadores internacionais de 161 instituições que acaba de ser divulgado na publicação Nature Ecology and Evolution faz uma análise sobre o que realmente aconteceu naquele período. Estaria o meio ambiente se regenerando e a vida selvagem se reapropriando de seu habitat perdido?
Para chegar a uma conclusão, os cientistas analisaram dados de mais de 220 pesquisas, envolvendo quase 165 espécies de mamíferos e imagens de 5 mil armadilhas fotográficas ao redor do mundo. As informações coletadas são de antes e depois da pandemia.
A avaliação sugere é que animais selvagens reagem de maneira diferente à presença humana dependendo de onde eles vivem e do que se alimentam.
“Ao contrário das narrativas populares que surgiram na época, não vimos um padrão geral de ‘vida selvagem correndo livremente’ enquanto os humanos se isolavam. Em vez disso, vimos uma grande variação nos padrões de atividade das pessoas e da vida selvagem, sendo as tendências mais marcantes que as respostas dos animais dependiam das condições da paisagem e da sua posição na cadeia alimentar”, diz Cole Burton, professor associado de Gestão de Recursos Florestais da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e principal autor do estudo.
Na prática, o que os pesquisadores perceberam é, no caso de grandes herbívoros, por exemplo, como veados e alces que se alimentam de plantas, tendem a ficar mais ativos diante da presença de humanos. Já animais carnívoros do mesmo porte, como lobos, evitam encontros com o homem.
Enquanto isso, bichos acostumados com a vida na cidade, como guaxinins, gambás ou raposas, já se sentem mais à vontade com as pessoas e sabem que podem encontrar alimentos em lixeiras e outros lugares perto de residências.
Uma das explicações para os herbívoros não ficarem intimidados é que eles podem se sentir protegidos de seus grandes predadores naturais quando estão próximos do ser humano.
“As restrições de mobilidade provocadas pela pandemia nos deram uma oportunidade verdadeiramente única de estudar como os animais reagem quando o número de pessoas que compartilham a sua paisagem muda drasticamente num período relativamente curto”, destaca Burton.
Pequenos animais urbanos já estão acostumados com o ser humano e muitas vezes,
nos associam com mais fontes de alimentos
Foto: armadilha fotográfica
Outra constatação obtida com a análise é que, como mostrado pelas imagens das armadilhas fotográficas, em certos locais, onde as atividades humanas são mais intensas, algumas espécies tendem a se tornar mais ativas durante a noite – algo já apontado em um estudo de 2018 (leia mais aqui).
Parece que tivemos uma visão romantizada sobre o que aconteceu há quatro anos. Com milhares e milhares de pessoas morrendo todos os dias nos quatro cantos do planeta, vítimas da covid-19, e em 2020, ainda sem nenhuma luz no final do túnel, ou melhor, uma vacina pronta, nos causava um alento pensar que, pelo menos, o mundo parecia melhor para os animais.
Entretanto, essa análise revela que foi mais uma percepção nossa, do que realmente uma mudança no comportamento animal. Mas o estudo é importante para mostrar que a distância é necessária para que algumas espécies de vida selvagem prosperem ou mesmo, que se evite a ocorrência de conflitos.
“Em áreas remotas com infraestruturas humanas limitadas, os efeitos da nossa presença real sobre a vida selvagem podem ser particularmente fortes. Para dar aos animais selvagens o espaço de que precisam, podemos considerar reservar áreas protegidas ou corredores de circulação livres de atividade humana, ou considerar restrições sazonais, como fechamentos temporários de parques de camping ou trilhas para caminhadas durante as épocas migratórias ou de reprodução”, ressalta Kaitlyn Gaynor, bióloga da universidade canadense e uma das co-autoras do estudo.
Grandes carnívoros sempre preferem manter a distância do homem
Foto: armadilha fotográfica
*Com informações e entrevistas contidas no texto de divulgação da University of British Columbia
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