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“O Pantanal tá rodeado de fogo”, relatam moradores desesperados sobre avanço dos incêndios

"O Pantanal tá rodeado de fogo", relatam moradores assustados sobre avanço dos incêndios

A fumaça dos incêndios tinge o céu de laranja no Pantanal. São mais de 7 mil focos e eles continuam aumentando a cada dia que passa. Na BR-262 uma imensa fila de caminhões, carretas e carros parados na tarde da terça-feira, 6 de agosto, foi mais uma consequência do avanço das chamas. Trafegar pela pista estava arriscado demais a ponto de a Polícia Rodoviária Federal interditar o tráfego até que a situação estivesse sob controle.

O fogo se alastrou nas duas margens chegando ao povoado do Salobra, no município de Miranda, e o desespero tomou conta de quem tentava conter as chamas e evitar que casas e pesqueiros fossem varridos pelas chamas.

Em um vídeo que viralizou na internet, reproduzido abaixo, vemos o apelo desesperado de um homem que tentava apagar o fogo usando bomba de água e caminhão pipa para lançar água sobre as chamas que se aproximavam das instalações de um pesqueiro no rio Salobra: “Estamos aqui desde cedo, virou um inferno cara, pelo amor de Deus! Acho que vai queimar todo o rancho, saí de perto do rio. Estamos tentando o que dá pra segurar isso…mas não dá, só chuva pra segurar isso!”

 
 
 
 
 
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Imagens dantescas

A fúria do fogo avançando e transformando tudo em cinzas em alguns minutos. A velocidade do vento chegou a 50, 60 km por hora e agravou a situação. Calor de mais de 35 graus com baixa umidade. Os incêndios atuais no Pantanal, nas regiões do Rio Negro e Corumbá já são classificados como incêndios de sexta geração.

Quando o fogo se alastra numa intensidade e velocidade capazes de alterar o microclima, gera bolsões de calor e coloca em risco o voo das aeronaves que lançam água. Pela dimensão é praticamente impossível a ação humana em solo diante do alto risco. Algo semelhante aconteceu em incêndios florestais nos EUA, Canadá e Europa, quando o combate ficou inviável e as autoridades tentaram salvar vidas com a evacuação em massa.

Mas por que os incêndios de novo estão destruindo parte do Pantanal? Essa pergunta ecoa na cabeça de todos. Não seria possível mitigar os efeitos dos incêndios? Difícil apontar agora o que poderia ter sido feito. Entretanto, já existem relatos que indicam situações que poderiam ter sido resolvidas sem que as chamas se alastrassem tão rapidamente.

No dia 23 de julho, uma terça-feira de calor extremo, um caminhão atolou na areia na Fazenda Tupanceretã, no Pantanal da Nhecolândia, em Aquidauana, Mato Grosso do Sul. A tentativa de desatolar o veículo possivelmente gerou faíscas e o fogo se alastrou rapidamente pelo capim seco. Os funcionários das fazendas e os brigadistas treinados nas propriedades deram o primeiro combate. Não foi suficiente.

O pedido de socorro para envio de equipes de bombeiros e brigadistas do Ibama foi feito. Contudo, as distâncias, os inúmeros focos, as tomadas de decisão para envio de aeronaves e combatentes não foram tão velozes quanto as chamas. O desespero se instalou e a união dos próprios fazendeiros tomou a frente nos combates.

Pousadas fecharam e mandaram os hóspedes embora por causa dos riscos de intoxicação pela fumaça e também pelo risco de o fogo chegar até as construções. Os proprietários colocaram as máquinas, tratores, escavadeiras na frente de combate para abrir aceiros, revirar o solo e formar uma barreira para as chamas. Um trabalho incansável dos brigadistas das próprias fazendas se revezando em turnos de combate enfrentando calor, a fumaça e as labaredas altíssimas.

Mapa do fogo que se alastrou na Nhecolândia por causa do caminhão

O reforço dos bombeiros e do PrevFogo Ibama chegou, mas a linha de fogo já se estendia por quilômetros afetando mais de 40 propriedades. O corpo de bombeiros de Mato Grosso do Sul está responsável por definir onde os aviões lançarão água. O avião KC – 390 da Força Aérea brasileira só foi enviado dois dias depois, em 25 de julho, aos focos nas propriedades da Nhecolândia próximo ao rio Negro. Lançou 45 mil litros de água para resfriar o solo e permitir a entrada dos brigadistas. A demora em disponibilizar aeronaves tão importantes no combate pode sim ter contribuído para a propagação das chamas…

Esse foco que se iniciou em uma fazenda por causa de um caminhão, hoje é um dos maiores do Pantanal e ainda avança sem controle.

"O Pantanal tá rodeado de fogo", relatam moradores assustados sobre avanço dos incêndios

Imagem aérea mostra a imensa cortina de fumaça e as chamas que avançam
Foto: Gustavo Figueiroa / Instituto SOS Pantanal

Desespero e medo

Os relatos nos grupos de comunicação das propriedades são assustadores: “O fogo pulou na rede de luz, nós aceramos na noite e achamos que não ia pegar porque estava molhado, mas quando foi hoje cedo o fogo já tinha avançado. Fomos acerar na divisa mas as chamas ‘pularam’ e foi embora na direção da fazenda Panamá.”

O termo fogo pulou é muito usado no Pantanal por causa do comportamento das chamas. A vegetação extremamente seca se transforma em uma biomassa que queima rapidamente, e o óleo de algumas espécies da flora potencializa a propagação das chamas. Os “estalos” da vegetação queimando podem ser ouvidos à distância e significam que faíscas e fuligem lançadas ao vento se transformam e potenciais de ignição logo adiante.

“Esse fogo está há 20 km de mim e eu estou ajeitando já pra descer, ajeitando turma. Acerando com máquina, esse fogo vai pular o brejo e se passar as fazendas vizinhas vai chegar em mim.” A fala é de um dos proprietários e revela a angústia dos pantaneiros em ver a cortina de fumaça se aproximando.

"O Pantanal tá rodeado de fogo", relatam moradores assustados sobre avanço dos incêndios

A tragédia que se repete quatro anos depois: animais carbonizados pelas chamas
Foto: Gustavo Figueiroa / Instituto SOS Pantanal

As imagens parecem de filmes de ficção científica. A vegetação muito seca quando queima exala uma fumaça de cor bem escura, e a nuvem de cinzas e calor se espalha encobrindo o sol espalhando uma onda de calor ainda maior.

Próximo à fazenda Santa Sophia, no município de Aquidauana, um fenômeno que só ocorre em grandes incêndios florestais assustou a equipe de monitoramento que sobrava o local. O solo superaquecido e as alterações de pressão formaram um redemoinho de fuligem que se parecia com um tornado de tão alto. Uma imagem assustadora revelando exatamente o que temos vivido no Pantanal em 2024.

"O Pantanal tá rodeado de fogo", relatam moradores assustados sobre avanço dos incêndios

Vegetação devastada pelo fogo no Pantanal
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil / Fotos Públicas

A diferença comparando com os incêndios de 2020, que queimaram 1/3 do bioma, é que desta vez, a velocidade e intensidade das chamas estão maiores. Em algumas fazendas nos municípios de Miranda e Aquidauana, por exemplo, em 24 horas o fogo ‘varreu’ tudo, calcinando a vegetação e os animais que não conseguiram escapar.

E não para por aí. Focos imensos no pantanal do Nabileque, outra sub-região do bioma, no município de Miranda, se alastraram sem que os combatentes oficiais chegassem em tempo. Foram os funcionários e proprietários que se arriscaram no combate.

“Aqui está terrível, tudo que você pensar do fogo estamos sofrendo. Os vizinhos se juntaram e trouxeram um caminhão pipa pra me socorrer aqui, senão eu estaria queimada. Queimou tudo, tudo”, conta a pecuarista Eronilde Cândido. A casa dela não queimou porque os vizinhos resfriaram a área com a água desse caminhão pipa. Ela mesma registrou diversos jacarés, coatis e outros animais carbonizados nos campos cobertos por cinzas.

Quando abrimos o mapa de alerta de fogo mantido pelo corpo de bombeiros de Mato Grosso do Sul, ni imagem abaixo, vemos diversos pontos onde as chamas estão ativas e sem controle.

O avanço do fogo no Pantanal

Em Corumbá, a região da Serra do Amolar mais uma vez está em chamas. A comunidade ribeirinha que vive às margens do rio São Lourenço entrou em pânico ao ver as chamas. “O fogo grande, parece que ele tá cercando a gente de todos os lados.”

Dona Nilza, moradora de uma comunidade tradicional ribeirinha vive na Serra do Amolar e gravou o fogo chegando.

“Ó fogo, tá vindo aqui em frente de casa, atravessou a morraria, está em frente da ilha do Baguari. Aqui já passou o morro e está quase em frente de casa. Tá até ‘urrando” o fogo. Fogo pegou e tá varrendo tudo com o vento norte forte. É a vida…pensar que faz dia que esse fogo tá queimando na Bolívia, a gente avisava que vinha fogo da Bolívia e ninguém ligou…O fogo tomou conta. Mata da Bolívia emendada com o Brasil, deu no que deu…Desespero, sufoco, porque não apagaram antes de passar. É triste, mas é verdade… O descuido é por demais. Só na hora que tá pra acabar que o povo aparece.”

Imagine você morar numa casa simples na margem do rio e olhar do outro lado uma imensa cortina de fumaça com labaredas de mais de 3 metros de altura, passar a noite com aquele clarão avermelhado em frente de casa?

Essa é a realidade dos moradores da comunidade na Barra do Rio São Lourenço. Dona Leonilda Reis de Souza, uma velha amiga minha, me mandou vídeos e pedidos de socorro.

“As comunidades do Pantanal estão sendo brutalmente atingidas pelo fogo. Sei que tem muita gente combatendo, gente de todos os lados do país, nosso Pantanal tá rodeado de fogo. Lugares que já tinham queimado estão ‘requeimando’ e é assustador saber que está se aproximando da casa da gente. Pessoas passando aperto protegendo o seu lar. Quem puder ajudar com bomba de água, combustível pra fazer o resfriamento enquanto o pessoal não consegue chegar aqui pra ajudar a gente.”

O apelo emocionado revela exatamente o que estamos vendo. Os braços do poder público não estão sendo suficientes para atender todos os pedidos de socorro.

Em 2024 a resposta do poder público federal foi maior, enviando 15 aeronaves e mais de 500 pessoas para auxiliar no combate de bombeiros e profissionais das brigadas comunitárias formadas ao longo dos anos pelas organizações não-governamentais e proprietários de terras no Pantanal. Mas ainda assim, o que se vê é um cenário difícil e as perspectivas são sombrias.

Basta abrir o mapa do fogo e ver que dia após dia surgem novos focos.

Imagem impressionante mostra a dimensão da nova tragédia no Pantanal 
Foto: Gustavo Figueiroa / Instituto SOS Pantanal

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Foto de abertura: Gustavo Figueiroa / Instituto SOS Pantanal

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