Quando os Estados Unidos chegam a uma triste marca de 3 milhões de casos confirmados de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus e mais de 130 mil mortes, um levantamento divulgado pelo jornal The New York Times confirma suspeitas expressas já anteriormente: a pandemia escancara a desigualdade social naquele país, já que negros e latinos são os mais vulneráveis a serem infectados e morrer de COVID-19.
Ao analisar dados do Centro para a Prevenção e o Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), obtidos através de uma ação judicial, já que o órgão não havia liberado informações específicas sobre a raça e etnia das pessoas doentes, o levantamento do The New York Times revela que latinos e negros têm três vezes mais chances de contrair o coronavírus do que os brancos americanos.
De acordo com a análise, feita sobre 640 mil casos de COVID-19, negros e latinos têm ainda duas mais vezes chance de morrer do que seus vizinhos brancos.
Desigualdades econômicas e sociais tornam negros mais vulneráveis
a contrair a COVID-19
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do jornal americano, a razão pela qual essas comunidades estão mais expostas à doença é porque possuem empregos que não permitem o trabalho de casa, usam mais o transporte público e moram em casas com mais pessoas, incluindo muitas de diferentes gerações, ou seja, com potencial risco de contaminação para os mais velhos, como avôs e avós.
Uma pesquisa realizada em 2018 mostrava que 43% da população latina ou negra nos Estados Unidos trabalha em setores de serviço ou da indústria, em funções que não podem ser feitas à distância. São funcionários de fábricas, em linhas de produção, atendentes em lojas, faxineiros e operários da construção civil, ou seja, os chamados “subempregos”.
O CDC argumenta que muitos indivíduos dessas comunidades – latina e negra – sofrem mais com comorbidades, como diabetes e hipertensão, por isso estão no chamado grupo de risco para a COVID-19. Todavia, essas doenças estão mais associadas justamente com populações de baixa renda, que não têm acesso a uma boa dieta alimentar, um sistema de saúde eficiente e muito menos tempo para realizar exercícios físicos.
“A pandemia da COVID-19 tem sido como um raio-X, expondo as fraturas profundas da sociedade americana”, afirmam pesquisadores da organização não-governamental Brookings, em artigo divulgado sobre o tema.
“A questão da injustiça racial se juntou, com razão, à pandemia, no topo da agenda nacional. Protestos contra a morte de negros, especialmente nas mãos da polícia, estão ocorrendo em todo o país. Ao mesmo tempo, as lacunas raciais na vulnerabilidade ao COVID-19 destacam as desigualdades acumuladas que os americanos de cor enfrentam (mas principalmente os negros) em empregos, moradia, educação, justiça criminal – e em saúde”, destacam os articulistas.
Disparidades ainda maiores quando se compara idades
Quando se olha para os números por faixa etária do Centro para a Prevenção e o Controle de Doenças dos Estados Unidos é possível ter uma perspectiva ainda mais abrangente sobre a desigualdade racial naquela sociedade.
Ao comparar, por exemplo, as estatísticas entre crianças e jovens brancos, negros, latinos e de outras raças/etnias contaminados com a COVID-19, os números são praticamente os mesmos. Mas isso é óbvio, já que a doença atinge muito pouco a geração mais nova.
Entretanto, ao analisar os casos entre os mais velhos, os contrastes são gritantes. Latinos entre 40 e 59 anos foram infectados cinco mais vezes do que os brancos americanos. Entre aqueles da comunidade latina que morreram, mais de 25% tinha menos de 60 anos. No caso dos óbitos de brancos devido ao coronavírus, somente 6% estavam na mesma faixa etária.
Gráfico mostra a morte muito maior de negros, vítimas da COVID-19, sobretudo os mais velhos, quando comparado aos brancos
Indígenas e nativos do Alaska também são mais afetados
Outro levantamento divulgado pelo próprio CDC demonstra que não são apenas os negros e latinos que sofrem mais com a pandemia. Números obtidos em junho indicam que as taxas de hospitalização têm sido mais altas entre os índios americanos e nativos do Alasca. Esses grupos têm cinco mais vezes chance de contrair o coronavírus do que os brancos.
“As diferenças de saúde entre grupos raciais e étnicos resultam de iniquidades nas condições sociais e econômicas que persistem ao longo das gerações”, ressaltam os especialistas do centro americano.
No Oriente Médio, o impacto maior é sobre os migrantes
Em uma nova reportagem publicada hoje, o The New York Times mostra os locais onde houve uma explosão no registro de novos casos de coronavírus no mundo inteiro – por milhão de pessoas. Os primeiros três lugares da lista são de estados americanos: Arizona, Flórida e Carolina do Sul.
Mas logo abaixo aparecem três países do Oriente Médio: Bahrain, Catar e Omã. Nesses lugares, as principais vítimas da pandemia são trabalhadores de baixa renda, migrantes, que assim como os negros e latinos nos Estados Unidos, vivem em residências com condições precárias, muitas vezes amontoados e sem a mínima condição de manter o distanciamento social, caso algum membro da família seja infectado.
Infelizmente sabemos que no Brasil o cenário não é diferente. Pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro analisaram 29.933 casos de COVID-19 onde foi necessária internação hospitalar. Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.
Embora ainda existam poucos estudos no país comparando os índices de infecção entre brancos, pardos, negros e indígenas brasileiros, sabe-se que aqueles com menor possibilidade de se protegerem contra o vírus são os mais afetados.
Entre os ricos, as chances de se contaminar com o coronavírus são maiores entre aqueles que se recusam a seguir as recomendações dos profissionais de saúde, como fazer o uso da máscara de proteção e manter o distanciamento social. Exemplo disso? O excelentíssimo senhor presidente da República, Jair Bolsonaro, que não evitou aglomerações, abraçou e deu a mão a todos que queria e menosprezou a necessidade da máscara.
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Fotos: Pedro Mata e Xavi Ariza/Fotomovimiento/FotosPúblicas