No último sábado (26), durante a COP 16 da Diversidade Biológica, organizada pela ONU em Cali, na Colômbia, lideranças de povos indígenas brasileiros lançaram manifesto para reivindicar participação na presidência da COP 30 – 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas -, que será realizada em novembro/dezembro de 2025, em Belém, no Pará.
No texto – A resposta somos nós – direcionado ao governo brasileiro, os indígenas não só reivindicam a copresidência da conferência do clima, como fazem uma série de exigências, entre elas a proibição da extração de petróleo e gás na Amazônia, adotando ações efetivas contra os
combustíveis fósseis.
“Nós não aceitaremos mais nenhum projeto predatório, que ameace nossas vidas, nossos territórios e a humanidade. Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de
exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas”.
E acrescentam: “Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto que ameaça a vida no planeta”.
Também exigem a demarcação dos territórios indígenas, destacando que se trata de uma política vital para o combate à crise climática. “Demandamos a retomada imediata das demarcações de todas as terras indígenas no Brasil como uma política climática efetiva e o financiamento direto para a proteção integral dos nossos territórios e nossos modos de vida em harmonia com a Natureza”.
As lideranças também listam os impactos das alterações do clima em suas comunidades: secas extremas, falta de alimentos, doenças e conflitos e exigem que seus conhecimentos ancestrais sejam respeitados e integrados aos debates e às decisões tomadas para driblar os efeitos do
aquecimento global.
Neste quesito, elogiam o governo do presidente colombiano Gustavo Petro, que “suspendeu novas concessões para exploração de petróleo e gás”, ao reconhecer que os povos indígenas são
autoridades ambientais. E convidam outros países a seguirem esse exemplo.
Aproveito para lembrar que, no início de setembro, no auge da seca e dos incêndios criminosos, o governo brasileiro criou a Autoridade Climática Nacional com o objetivo de enfrentar os eventos extremos. Mas quase dois meses depois, ninguém assumiu a função. Que tal um representante dos povos indígenas?
Por fim, as lideranças afirmam que a crise climática, provocada pelos ataques constantes à biodiversidade, é resultado de “crises de liderança e de valores”, e declaram que não se perderão em “discussões sem propósito”, mantendo suas posições.
“A COP-30 será no nosso território! Não aceitaremos que as discussões aconteçam sem a devida
consulta e participação de nossas vozes e autoridades”. E conclamam “todos os povos indígenas, parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra a se juntarem ao nosso chamado para, coletivamente, segurar o céu”.
Indígenas de países amazônicos lançam aliança inédita
Também na COP 16 da Biodiversidade, organizações indígenas dos nove países amazônicos (Brasil, Colômbia, Equador, Bolívia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa) lançaram aliança que representa 511 povos. Com estrutura horizontal, sem grupos de direção ou sede, todos os grupos participantes têm igual peso nas decisões, que são tomadas por consenso.
Chamada de G9 Indígena da Amazônia, seu objetivo é proteger o bioma, os povos tradicionais, a biodiversidade e o clima. Sua primeira reivindicação: que os indígenas sejam reconhecidos como autoridades climáticas, tal como aconteceu na Colômbia (e contei acima).
Entre os temas prioritários da nova coalisão estão:
– defender a segurança jurídica dos territórios indígenas,
– exigir mecanismos de financiamento direto para os povos indígenas da Amazônia e
– proteger os indígenas isolados, já tão ameaçados.
Fazem parte do G9 as seguintes organizações:
– Confederación de Naciones y Pueblos Indígenas del Chaco, Oriente y Amazonía de Bolivia (CIDOB, da Bolívia);
– Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB, do Brasil);
– Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana (OPIAC, da Colômbia);
– Confederación de Nacionalidades Indígenas de la Amazonía Ecuatoriana (CONFENIAE, do Equador);
– Asociación de Pueblos Ameríndios de Guyana (APA, Guiana);
– Federación de Organizaciones Amerindias de Guyana Francesa (FOAG, da Guiana Francesa);
– Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP, do Peru);
– Organización de los Pueblos Indígenas de Surinam (OIS, do Suriname) e
– Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA, da Venezuela).
A resposta somos nós!
A seguir, leia o texto do manifesto dos povos indígenas brasileiros lançado na COP 16, na íntegra:
“Nós, povos indígenas brasileiros, diante da gravidade das crises de biodiversidade e do clima, sabemos que não há tempo a perder. Aqui, na COP-16, em Cali na Colômbia, viemos declarar que não aceitaremos mais nenhum projeto predatório, que ameace nossas vidas, nossos territórios e a humanidade.
Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas. Não haverá preservação da biodiversidade e nem territórios indígenas seguros em um planeta em chamas.
Nós sabemos quem está botando fogo no mundo e o impacto violento que isso tem produzido nos nossos territórios: seca severa, isolamento forçado, doenças, falta de alimento, invasões, conflitos e mortes.
Diante do colapso iminente da sustentação da vida no planeta, ações fortes e efetivas precisam ser tomadas.
Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta.
O governo colombiano já deu o primeiro passo, suspendendo a concessão de novas explorações de petróleo e gás no país e já nos reconheceu como autoridades ambientais. Esperamos que outros países sigam esse mesmo compromisso.
A outra face da crise climática e da biodiversidade é a crise de liderança e de valores. Nós nunca abdicamos desse lugar e não vamos nos perder em discussões vazias e compromissos estéreis.
Demandamos a retomada imediata das demarcações de todas as terras indígenas no Brasil como uma política climática efetiva e o financiamento direto para a proteção integral dos nossos territórios e nossos modos de vida em harmonia com a Natureza.
A COP-30 será no nosso território. Não aceitaremos que as discussões aconteçam sem a devida
consulta e participação das nossas vozes e autoridades. Reivindicamos a copresidência da COP de Clima no Brasil para que o acúmulo de nossos conhecimentos e experiências ancestrais possam oferecer ao mundo a oportunidade de um outro futuro.
Convocamos todos os povos indígenas, parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra a se juntarem ao nosso chamado para, coletivamente, segurar o céu.
Se depender de nós, o céu não irá desabar!
SEMPRE ESTIVEMOS AQUI!
O levante do céu começa agora.
A RESPOSTA SOMOS NÓS!”
Assinam o manifesto:
– Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
– Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
– Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpin Sudeste)
– Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul)
– Aty Guasu Guarani Kaiowá
– Comissão Guarani Yvyrupa
– Conselho do Povo Terena e
– Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
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Com informações da Funai, Um Só Planeta, G1, Valor Econômico
Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil/Fotos Públicas (ATL 2024)