A primeira vez que me olhei no espelho depois do nascimento da minha filha foi assustadora. Simplesmente, não me reconheci. À minha frente, ainda no banheiro da maternidade, eu via uma mulher muito diferente, realmente desconhecida. De alguma maneira, achei aquilo bonito.
Quando voltei para casa, segurando Gaia no colo, chovia forte e a estrada de terra estava escorregadia. Tempos atrás, sentiria medo. Naquela noite, porém, nada me tiraria a certeza de ter força para enfrentar qualquer coisa. Depois de encarar um parto natural… Algo realmente havia acontecido em mim.
Mas, daí vieram os três primeiros meses, intensos, desafiadores, exaustivos. Tantas mudanças, tanta responsabilidade, tantas perguntas. Quase não tive tempo para mim. Na verdade, não tive tempo algum. Os dias e as noites iam e vinham entre as mamadas e as trocas de fraldas, a dor no bico do peito, o sono, o cansaço, os palpites, a casa bagunçada, a pilha de roupinhas sujas.
Unhas feitas? Cabelo arrumado? Batom? Pernas depiladas? O que era isso tudo mesmo?! De repente, essas coisas sumiram da minha rotina e… do meu interesse. Não eram relevantes, diante de tantas outras coisas para cuidar. Sim. Cuidar. Aprender a cuidar de um bebê.
Tudo bem sair de casa meio desajeitada, depois de perder minutos preciosos na frente do armário e constatar que as roupas ainda não serviam direito e que, portanto, eu podia me contentar em encontrar um decote que facilitasse a amamentação. Tudo bem mesmo. No meu colo estava sempre a coisinha mais importante do mundo. E seu sorriso era minha redenção.
Meu cabelo, antes quase sempre solto, passou a viver preso num coque desarrumado, para evitar os puxões das mãozinhas curiosas. E não poucas vezes cheguei a atravessar o dia de pijama, sem usar nenhum cosmético e lutando para conseguir três minutos para escovar os dentes. Sem exagero.
Em alguns momentos, muitos, aliás, cheguei a me sentir desengonçada, desleixada, totalmente sem graça. E chorei. Muito. Eu não queria virar dessas mulheres que se esquecem e fazem da maternidade uma fuga de si mesmas, um viver para o outro que deixa, com o tempo, um vazio no ventre e na alma. Não. Eu queria exatamente o contrário: me encontrar, me sentir plena, sabe-se lá onde, de que jeito, quando.
Mas como, se eu não tinha nem mais a liberdade de escolher a hora de dormir, não conseguia tomar banho sem pressa (com água de chuva!), fazer uma refeição atenta ao mastigar e aos sabores, escolher minha roupa sem pensar em funcionalidade?
O que parecia não ter saída nem fim, de repente, mostrou a verdadeira natureza das coisas, feita da impermanência, da imperfeição, da beleza da vida. Sem que eu marcasse dia e hora, aconteceu de eu novamente me olhar no espelho – foi quando Gaia mostrou-se forte, crescendo sadia e feliz. Minha dedicação agora tinha a forma de perninhas grossas e olhinhos cheios de luz…
Agora no espelho, mais uma vez, estranhei aquela figura. Levei um susto. Quem era aquela mulher que eu via? Onde estava a antiga, que eu costumava encontrar? Ainda não sei. Mas sinto que a de outrora se foi, para dar lugar a alguém que o presente aceita, com confiança, sem saber do amanhã.
É engraçado, mas mesmo muito distante do checklist das revistas femininas (que se gabam em revelar “os segredos para você ficar mais linda e ser mais feliz”, desde que você tenha dinheiro e esteja disposta a ser escrava da moda e de todas as futilidades insustentáveis desse falso universo feminino), mesmo descabelada, usando a camisa enorme do marido que é perfeita para amamentar, mesmo ainda um pouco acima do peso de antes da gravidez, mesmo cansada, com olheiras, sem saber o rumo da minha vida profissional, enfim, mesmo tendo me transformado num gigantesco ponto de interrogação, posso dizer, sem receio, que nunca me senti tão mulher, tão inteira, tão feminina.
No fim das contas, não é o batom, a saia, o rímel, a ida à manicure ou a sacola de compras que torna uma mulher… uma mulher. Foi justamente quando me vi sem liberdade para rituais “femininos”, que encontrei dentro de mim um tipo de feminilidade que só floresce quando nos libertamos dessas amarras externas que só fazem nos esconder de nós mesmas.
Posso não ser mais a menina do corpo certinho, do cabelo exuberante, com tempo para uma tarde tranquila com amigas no café da cidade. Mas isso, nem de muito longe, tira de mim a gratidão que carrego no peito ao ver ao meu lado a criaturinha fofa que tanto me fez crescer e encarar o tal espelho como nunca. Hoje sei: nada pode ser melhor do que isso, embora eu sinta que meu coração “cheinho” ainda se surpreenderá (e muito) com as descobertas que estão por vir.
Ehhh, finalmente, viva Gaia !! esperei anciosamente para conhecer essa carinha linda que mudou o destino de uma mulher de fibra e paixão pela Gaia mãe e agora alimenta em seu seio a Gaia filha.. é tudo isso que você descreveu mesmo Giu, o parto normal nos forja, alarga nossa alma e nossa visão de mundo se amplia infinitamente, é mágico!
Parabéns guerreira, desejo um caminho florido e iluminado para esta princesinha de olhinhos de jabuticaba.
a foto tá linda e você está com com a beleza mais genuína, a felicidade!!
Lindo texto!!
Me reconheci no seu texto. Também consegui atravessar dias sem tirar o pijama, e me esqueci da sensação que era um bom banho demorado… mas tudo fez parte do momento. O que é mais importante terá sempre prioridade! Parabéns pelo texto.
sou eu quando leio cada texto impressionante..