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Mais de 200 cães resgatados de canil em Curitiba são incluídos como assistentes de acusação em processo judicial contra ex-tutora

Não se trata de um caso inédito, mas de uma situação inusitada que envolve 203 cães de Curitiba e que pode ajudar a reforçar os direitos dos animais em outros casos de maus-tratos no país. 

Em janeiro, eles foram resgatados pela Polícia Civil e pelo Instituto Fica Comigo de uma situação terrível em dois locais da mesma proprietária: sem alimento, sem água, em meio a muita sujeira, lixo e fezes. 

Na falta de comida, alguns comiam os próprios dejetos. Parte dos cães vivia em caixas de transporte e não sabia andar. Dois morreram dias depois do resgate de tão fracos e doentes.

A ex-tutora não morava nos imóveis e não aparecia com a frequência necessária. Segundo reportagem do G1, foi presa e identificada como acumuladora. 

Os cães foram levados para a sede da ONG e, felizmente, metade deles foi logo adotada. Os demais continuam aos cuidados do instituto, que decidiu processar criminalmente a ex-dona dos animais.

Os cães resgatados nas dependências do abrigo / Foto: reprodução de vídeo

O Instituto Fica Comigo solicitou à Justiça que eles sejam considerados ‘assistentes de acusação’, ou seja, aqueles que podem dar suporte ao Ministério Público como auxiliares em um processo. E o pedido foi aceito! 

O pedido foi feito com base em artigo do Código Penal que prevê a participação, como assistente do Ministério Público, do ofendido ou seu representante legal. Para o advogado da instituição, Ygor Salmen, ao serem abandonados, os animais também foram ofendidos. 

Os cães não vão participar do julgamento, nem colocar a patinha sobre a Bíblia jurando dizer a verdade. Neste caso, o fato de serem aceitos como ‘assistentes de acusação’ significa que a Justiça os reconhece como vítimas na ação

O juiz que tomou essa decisão certamente compreende que os animais são seres sencientes (com sentimentos) e entendem o que aconteceu com eles. Por isso, podem ser parte do processo e cobrar direitos por meio de um representante. 

“É claro que a gente não imagina os animais participando de audiência, mas o fato de eles serem representados por um advogado, que possibilite que eles recebam indenização, é perfeito, porque até então, isso não acontece”, explicou Carla Negochadle, presidente da ONG Fica Comigo, à reportagem do G1.

Sim, a autorização para esta participação, por meio de um representante, abre caminho para que os cães sejam beneficiados caso o juiz determine pagamento de indenização pela ex-tutora. E, se isso acontecer, o dinheiro ficará sob responsabilidade da ONG para compensar gastos assumidos até então e garantir o bem-estar dos que ainda não foram adotados. 

Mas o acolhimento da Justiça a esse pedido vai além, de acordo com a Comissão Estadual de Proteção e Direito aos Animais da OAB Paraná: é um avanço, visto que animais de estimação fazem parte da rotina das famílias. “O judiciário está reconhecendo a questão de a família ser um núcleo com mais de uma espécie“, destaca Thalita Figueiredo de Souza vice-presidente da comissão.

O primeiro caso

Esta não foi a primeira vez que a Justiça do Paraná se deparou com esse tipo de solicitação e aceitou animais como parte de um processo. O primeiro caso aconteceu em Cascavel, com dois cães domésticos, e serviu de base para outros processos também em outras regiões do país.

Em janeiro de 2020, a ONG Sou Amigo de proteção animal acolheu dois cães abandonados pelos tutores sem comida, nem água por 29 dias, enquanto a família curtia férias no litoral. Vizinhos os alimentavam e chamaram a organização para resgatá-los. No boletim de ocorrência a Polícia Civil indicou ‘situação de maus-tratos’.

Spike, golden retriever de 6 anos, e Rambo, pointer inglês de três, ficaram muito abalados psicologicamente com o abandono, e encaminhados pela ONG a um abrigo que administra e recebeu autorização para ter a guarda dos animais. 

Os animais ficaram sozinhos na passagem de ano e têm medo de trovões e fogos de artifício.Spike foi resgatado com ferimentos infeccionados.

A advogada da organização, Eveline Paludo, entrou com processo contra os antigos donos na esfera civil – onde são mediados relacionamentos entre cidadãos – e pediu o direito dos cães serem considerados como parte interessada no processo.

“O direito violado foi dos animais, não foi da protetora que fez o resgate, nem da ONG que está com a guarda deles, e como no nosso Direito só o titular do direito pode pleitear a indenização dele judicialmente, então o titular do direito são os animais”, explicou.

Mas o pedido não foi aceito pela Justiça de Cascavel: “[Juiz] usou o critério de que não poderia haver animais como autores da ação porque eles não compartilham com a gente a mesma linguagem. Mas bebês também não compartilham, assim como pessoas em coma, e a Justiça não deixa de entender que elas são autoras das ações, porque são titulares dos seus direitos”, analisou Eveline.

A advogada, então, encaminhou o caso para o Tribunal de Justiça do Paraná, que entendeu a situação e aceitou o argumento em setembro de 2021. Os desembargadores da 7ª Vara Cível do TJ foram unânimes e reconhecem que cães, gatos e outros animais têm direito de serem autores de um processo, para defender seus direitos.  

A decisão abriu caminho para que Rambo e Spike pudessem participar de nova audiência para defender o recebimento de indenização por possíveis abalos psicológicos ou danos morais.

Foto: reprodução de vídeo

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