
As denúncias contra Bolsonaro, durante os quatro anos de sua gestão, nunca cessaram por parte dos povos indígenas. Mas somente depois da divulgação de novas imagens contundentes sobre o estado de desnutrição e abandono de crianças e idosos Yanomamis – que culminou na viagem do presidente Lula à CASAI – Centro de Assistência e Saúde Indígena, em Boa Vista, Roraima –, é que a crise humanitária e sanitária vivida por esse povo ganhou dimensão real, sem disfarces ou apagamentos, e a atenção da sociedade e da grande mídia.
A cada dia, mais escândalos são revelados e a pressão só aumenta.
Ontem, 26/1, a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil protocolou uma representação criminal na Procuradoria Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e três colaboradores de seu governo: Marcelo Xavier, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e Robson Santos, ex-secretário de saúde indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), para que respondam pelo genocídio dos Yanomamis, em Roraima.
De acordo com a denúncia, Bolsonaro foi omisso com o povo indígena Yanomami dessa região do estado que, de 2019 a 2022 – portanto, em sua gestão -, foi vítima de assassinatos e estupros, do aumento da desnutrição, de doenças como malária e da contaminação por covid-19. Todos esses impactos foram causados por garimpeiros que invadiram a Terra Indígena, incentivados por agentes públicos, com o respaldo e a anuência do ex-presidente.
“Houve uma flagrante omissão por parte desses agentes públicos em dar resposta ao povo Yanomami. Nesse documento, a gente elenca os direitos fundamentais dos povos indígenas que foram violados e também os direitos humanos que foram cerceados”, conta Maurício Terena, coordenador jurídico da APIB (ouça o vídeo que ele gravou pouco antes de protocolar a denúncia na PGR, no final deste post).
Publicado em abril de 2022, o relatório Yanomami sob ataque, produzido pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye’kuana, já relatava o aumento exponencial de doenças devido à presença intensa de garimpeiros.
“No quesito saúde pública, os prejuízos precisam ser melhor dimensionados. Já é percebido, por exemplo, o aumento da malária nas zonas urbanas, importada das áreas de garimpo, e dos impactos na saúde humana devido à contaminação por mercúrio (má formação congênita, neoplasias, doenças no sistema nervoso etc.)”, destaca o documento.
Os 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomamis, ignorados por Bolsonaro, também integram a representação criminal, assim como a denúncia de que a ex-ministra Damares Alves teria pedido à Bolsonaro para que não enviasse leitos de UTI, água potável, materiais de limpeza e higiene pessoal, informativos sobre a pandemia da covid-19 e instrumentos médicos para as comunidades Yanomami.
A maldade e a perversão foram marcas registradas do governo Bolsonaro.
Outras denúncias ignoradas por Bolsonaro
Nos últimos quatro anos, a situação trágica vivida pelos Yanomamis foi denunciada diversas vezes pela APIB. Em junho de 2020, a organização e seis partidos de oposição ingressaram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF/709) no Supremo Tribunal Federal (STF) , com o objetivo de combater a omissão do governo federal no enfrentamento à pandemia do covid-19.
No mês seguinte, o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, acatou a ADF/709 e determinou medidas a serem tomadas pelo governo, entre elas, a criação de barreiras sanitárias, o acesso aos serviços de saúde a todos os indígenas aldeados, independente de suas reservas estarem ou não homologadas, e a elaboração e monitoramento do Plano de Enfrentamento da Covi-19 para os povos indígenas brasileiros. Bolsonaro ignorou.
A APIB identificou o descumprimento das medidas e informou ao STF, em maio de 2022, a situação. Nos autos da ADPF/709, a Articulação também relatou a escalada da violência e os problemas de saúde na Terra Indígena Yanomami.
A representação criminal da APIB pode ser lida, na íntegra, aqui. A seguir, ouça o advogado indígena Mauricio Terena a respeito da ação da APIB.
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Com informações da APIB
Fotos: Urihi Associação Yanomami (crianças Yanomamis) e Marcelo Camargo/Agência Brasil