A explosão do garimpo no médio curso do rio Tapajós é muito provavelmente a causa da mudança da cor da água de Alter do Chão, uma das praias mais desejadas do Brasil. Imagens aéreas do rio turvo no balneário paraense viralizaram neste mês, enquanto turistas corriam para a região no primeiro verão pós-vacina.
Uma sequência de imagens de satélite de alta resolução analisadas pelo consórcio MapBiomas indica que a lama dos garimpos de afluentes do Tapajós — como o Jamanxim, o Crepori e o Cabitutu — está por trás da pluma de sedimentos que tomou o rio neste ano e é visível em todo seu baixo curso até a foz.
No entanto, diz o consórcio, a cheia anual do rio Amazonas também contribui com a mudança de cor do Tapajós na altura de Alter do Chão. Os dois rios se comunicam na foz do Tapajós, e os sedimentos do Amazonas, um rio naturalmente barrento, também invadem a foz do cristalino Tapajós. Só que essa opacidade cíclica e natural nessa época de início das cheias não basta para explicar as alterações vistas em Alter e em outros pontos do rio neste ano.
Nas imagens de satélite de 3 metros de resolução, da constelação americana Planet, é possível ver a pluma de lama tomando o Tapajós mesmo em julho, mês de seca, quando não há influência do Amazonas. A comparação entre rios com garimpo (como o Cabitutu) e rios sem garimpo (como o Cadarini) não deixa dúvida.
Um sobrevoo do rio desde seu curso médio até a foz corrobora as imagens de satélite. É possível ver claramente a pluma de sedimentos descendo dos afluentes tomados pelo garimpo avançando Tapajós adentro. Na altura da cidade de Itaituba, capital brasileira do ouro ilegal, o outrora chamado “rio azul” fica opaco, e essa turbidez avança até a foz.
“Mudanças na coloração das águas do Tapajós e de sua foz estão se tornando cada vez mais frequentes e mais intensas, e coincidem com expressivo avanço da atividade garimpeira na região”, afirma o MapBiomas, em nota técnica publicada nesta segunda-feira (23).
Segundo levantamento do MapBiomas, a área de garimpo na Amazônia cresceu dez vezes nas últimas três décadas, e 2020 (último ano para o qual há dados) registra o recorde da série histórica. A pandemia provocou uma explosão no preço do ouro, que em 2020 atingiu pela primeira vez US$ 2.000 a onça troy (unidade de venda de ouro, equivalente a 31,1 gramas). Isso provocou uma corrida do ouro na Amazônia.
De acordo com o Greenpeace, 73% das áreas abertas para mineração entre janeiro e setembro de 2021 incidiram sobre áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas). Somente nas Terras Indígenas Saí Cinza e Munduruku o aumento da extensão de rios impactados pelo garimpo nos últimos cinco anos foi de quase 2.300%.
Dados do MapBiomas apontam que a região do Tapajós teve um aumento do garimpo de 223% nesse período. A área adicional diretamente impactada pelo garimpo é equivalente à de Porto Alegre.
Desde 2019 é nítido o avanço do garimpo na região do médio Tapajós. Apenas na Terra Indígena Munduruku ele cresceu 363% nos últimos três anos, segundo estudo do Instituto Socioambiental. Além de a fiscalização do Ibama ter sido fragilizada nesse período, tramita na Câmara um projeto de lei para abrir todas as terras indígenas do país ao
garimpo e à mineração industrial.
Para chegar ao ouro, os garimpeiros reviram fundo dos rios com dragas ou desviamno, cavando barrancos enormes com pás carregadeiras, ou PCs. A destruição pode se estender por quilômetros do curso do rio. Em todos os casos, a lama é descartada na própria água, a jusante da exploração.
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Fotos: Observatório do Clima/Divulgação