*Atualizado às 14h35
Uma das maiores produtoras globais de salmão, a norueguesa Grieg Seafood, que tem fazendas pesqueiras na Noruega, Escócia e Canadá e em 2020 atingiu uma produção de 100 mil toneladas, anunciou que suspendeu a compra de ração para peixes da Cargill Aqua Nutrition, até que a companhia mãe, Cargill Inc., reduza significativamente o risco de desmatamento relacionado à soja no Brasil.
Em nota enviada ao Conexão Planeta, a Grieg Seafood deu a seguinte declaração:
“Como um empresa que tem a soja brasileira em nossa cadeia de valor, estamos profundamente preocupados com as atuais taxas de desmatamento no Brasil (legais e ilegais)…
O problema não é a Cargill Aqua Nutrition, que consideramos um bom parceiro e fornecedor. O problema é a atual falta de progresso no Brasil para acabar com o desmatamento relacionado à soja e a conexão da empresa-mãe da Cargill Aqua Nutrition, Cargill Inc, como proprietária da Cargill Brasil.
Recebemos uma tremenda pressão de consumidores, clientes, ONGs e investidores em relação ao desmatamento brasileiro. Infelizmente, estamos em uma situação em que ser cliente e ter uma parceria com a Cargill Aqua Nutrition é um desafio para a nossa reputação reputação, apenas devido à conexão com a Cargill Brasil”.
Todas as operações da Grieg Seafood são baseadas no manejo sustentável. Há pouco tempo a companhia lançou no mercado um Green Bond, no valor de NOK 1 bilhão, cerca de R$ 1,06 bilhão. Os “títulos verdes” são um instrumento de renda fixa projetado especificamente para apoiar questões ambientais ou climáticas.
Com a medida anunciada, a partir de agora, nenhum centavo mais do Green Bond poderá ser pago à Cargill Aqua Nutrition.
“O Brasil já teve um papel de liderança global no combate ao desmatamento, com o Código Florestal Brasileiro e a Moratória da Soja Amazônica. Louvamos essa liderança e instamos o setor de soja e o governo brasileiros a retomarem esse papel”, ressaltou a Grieg Seafood na nota que nos enviou.
Iniciativa no Cerrado para evitar o desmatamento
Em 2019, em parceria com a holandesa Nutreco e a cadeia de supermercados britânica Tesco, a companhia da Noruega anunciou um programa de financiamento a produtores de soja, no Cerrado brasileiro, que usassem somente terras agrícolas já existentes para seu plantio, e assim, evitassem novos desmatamentos.
As três companhias envolvidas na iniciativa assinaram um compromisso pelos próximos cinco anos.
“O cultivo da soja é um dos principais impulsionadores do desmatamento no Cerrado, uma área reconhecida por sua biodiversidade e a produção agrícola. O financiamento para agricultores locais ajudará a proteger o bioma e outros habitats naturais, além do que já é previsto legalmente sob a regulamentação florestal do Brasil “, afirmou Andreas Kvame, CEO da Grieg Seafood, em um comunicado à imprensa, no ano passado.
“Embora a soja que usamos para alimentar nosso salmão seja certificada e não venha de áreas de desmatamento, o financiamento para agricultores de soja no Cerrado nos dá a oportunidade de causar um maior impacto na indústria e em nossa cadeia de valor. A ideia por trás da iniciativa é que empresas com soja brasileira em sua cadeia de fornecedores possam contribuir com isso. Esperamos que muitas empresas internacionais se juntem a nós, dentro e fora do setor de salmão”.
Um estudo divulgado em 2018, sobre o qual noticiamos nesta outra reportagem, revelou que o plantio de soja no Brasil expandiu 310% entre 2001 2 2017 e em grande parte sobre áreas de vegetação nativa.
Ameaças de sanções e boicotes internacionais
A Grieg Seafood não é a única preocupada com o crescente desmatamento no Brasil e o efeito disso sobre sua reputação.
Há poucas semanas, um grupo de 30 investidores, com ativos na ordem de US$ 4,1 trilhões, relatou apreensão com a atual situação ambiental sob o governo do presidente Jair Bolsonaro e com os possíveis riscos de imagem para seus clientes, se investirem no país. Os investidores internacionais enviaram carta e pediram reunião com embaixadores do Brasil no exterior (leia mais aqui).
Em setembro do ano passado, outros 230 investidores de fundos no valor de U$$ 16,2 trilhões já tinham cobrado ações de empresas contra o desmatamento na Amazônia.
Desde 2019, principalmente após os incêndios florestais na região amazônica terem ganhado as manchetes do mundo todo, o Brasil tem sofrido reveses por causa de sua política ambiental. Em junho, uma rede de mercados sueca tirou de suas prateleiras produtos brasileiros por causa do excesso de agrotóxicos usados no país. No auge da crise dos incêndios florestais na Amazônia, em agosto, marcas internacionais suspenderam a compra de couro brasileiro e França, Finlândia, e Irlanda também fizeram ameaças de sanções comerciais ao devido ao aumento do desmatamento.
Ontem, em um discurso durante uma reunião online com outros líderes do Mercosul, Bolsonaro tentou mudar o tom de seu discurso anti-ambientalista. Afirmou que busca “desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil e expor a preservação, as ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas”.
Infelizmente parece que o tiro no pé já está dado. E quem vai sofrer com seus resultados são a economia e os produtores brasileiros.
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O Conexão Planeta enviou um e-mail à Cargill Brasil solicitando uma declaração sobre a medida tomada pela Grieg Seafood. Segue abaixo, parte da resposta, enviada em inglês, pela subsidiária brasileira:
“Além dos negócios de nutrição aquática da Cargill, que compra soja para rações de salmão com certificação 100% ProTerra, RTRS ou orgânica, a Cargill avançou significativamente no fornecimento sustentável de soja. Temos o compromisso de transformar nossas cadeias de suprimentos para que não desmatem, protegendo a vegetação nativa além das florestas. Sabemos que há trabalho a ser feito – e estamos acelerando nossos esforços nessa área, incluindo um foco em soluções inovadoras economicamente viáveis para os agricultores.
Todos os dias estamos trabalhando para progredir com nossos parceiros, incluindo agricultores, clientes, ONGs, agências governamentais e fóruns do setor. A estreita colaboração com cada um desses grupos está no centro do Plano de Ação da Soja na América do Sul….
Mantemos firmemente a Moratória Brasileira da Soja na Amazônia desde 2006, quando fizemos uma parceria com organizações industriais e ambientais para implementar este acordo voluntário de não comprar soja de terras do bioma Amazônia que foram desmatadas após julho de 2008…
No Cerrado… A Cargill – junto com nossa indústria, agricultores, governos locais e clientes – todos são responsáveis pela transformação da cadeia de suprimento de alimentos, e estamos interagindo com as partes interessadas todos os dias para progredir. Além das ações que estamos realizando por conta própria, também estamos ativamente engajados em soluções do setor por meio da ABIOVE, ANEC e Soft Commodities”.
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*Com informações complementares do site Seafood Source, da consultoria Chain Reaction Resource
Foto: reprodução Facebook Grieg Seafood