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Comissão de Agricultura do Senado aprova PL do marco temporal, que permite impedir e desfazer demarcações de terras indígenas

A senadora Soraya Thronicke (Podemos/MS) decerto não tem medo de ir para o inferno. Oito meses depois de o Brasil assistir estarrecido às imagens do genocídio dos Yanomami, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal aprovou – por 13 votos a 3 – o relatório de Thronicke sobre o PL 2.903/2023 (antigo PL 490/2022), que não apenas impede novas demarcações de terras indígenas, como permite desfazer demarcações já homologadas.

O PL do Genocídio, como está sendo chamado por ambientalistas e ativistas, estabelece o chamado marco temporal, tese segundo a qual indígenas que não estivessem produzindo em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, perdem direito a elas.

A bancada ruralista tenta avançar com o marco temporal no Congresso antes do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no julgamento da questão (paralisado por pedido de vista do ministro André Mendonça, e que deve voltar ao plenário em outubro) pode julgá-lo inconstitucional.

Mas antes fosse só isso! O texto aprovado na CRA, que agora vai à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)última escala antes do plenário flexibiliza todo o uso das terras indígenas e inviabiliza, na prática, as demarcações.

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Ele permite contestar demarcações em qualquer momento do processo, decretar a suspeição de antropólogos no exercício de seu trabalho, arrendar terras indígenas, instalar nesses territórios atividades impactantes sem consulta prévia e até reverter homologações já feitas.

O projeto permite à união retomar “reservas indígenas” caso se verifique “alteração dos traços culturais” da comunidade – um dispositivo racista que fede às teses de “integração do índio” da ditadura militar.

Além disso, o PL acaba com a política da Funai do não-contato com grupos isolados, permitindo que até mesmo empresas privadas e missionários evangélicos façam contato com esses povos.

Comissão de Agricultura do Senado aprova PL do marco temporal, que permite impedir e desfazer demarcações de terras indígenas
Rasgando a Carta: senadora Soraya Thronicke discursa em defesa do PL 2.903 / Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O PL ataca o coração do conceito de terra indígena

Em vez de ser um bem indissociável do modo de vida desses povos, as terras se tornam uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e arrendada, como uma fazenda qualquer.

“Em pleno século 21, com o avanço da emergência climática e da crise da biodiversidade, e com os mercados de commodities dizendo não a produtos de áreas desmatadas, os ruralistas insistem no esbulho dos territórios que protegem um quarto da Amazônia e que são fundamentais para a manutenção da cultura de três centenas de povos”, destaca Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

O PL 2.903 foi proposto originalmente em 2007, mas sua tramitação acelerada no Congresso desde 2022 (como PL 409) é uma herança direta do bolsonarismo. Não à toa que, quatro dos 13 senadores que o aprovaram pertenceram ao primeiro escalão do regime passado: Tereza Cristina (PP/MS), Hamilton Mourão (Republicanos/RS), Jorge Seif (PL/SC) e Sérgio Moro (União/PR).

Além deles, votaram pelo esbulho das terras indígenas Izalci Lucas (PSDB/DF), Zequinha Marinho (Podemos/PA), Wilder Morais (PL/GO), Vanderlan Cardoso (PSD/GO), Sérgio Petecão (PSD/AC), Margareth Buzetti (PSD/MT), Jayme Campos (União/MT) e Ivete da Silveira (MDB/SC).

Guardemos bem esses nomes.

Ontem, 22/8, 310 organizações da sociedade civil publicaram uma carta pedindo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que cumpra seu compromisso de garantir um debate adequado sobre o tema, encaminhando o PL às comissões de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Assuntos sociais.

Dessa forma, dizem as organizações, poderá haver “uma análise tecnicamente qualificada de seus diversos aspectos e (…) ampliada a consulta aos povos indígenas, que serão diretamente afetados por essa mudança de regras”.
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Este texto foi originalmente publicado no site do Observatório do Clima em 23/8/2023

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

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