Desde a semana passada, Sauchiehall Street e Barrowlands – ruas de Glasgow, onde está sendo realizada a 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP26 -, exibem dois outdoors com as imagens de três lideranças indígenas brasileiras: Célia Xakriabá, integrante da ANMIGA – Articulação Nacional de Mulheres Indígenas e Guerreiras da Ancestralidade, Glicéria Tupinambá, da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. e Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Um dos painéis convida quem passa a conhecer as verdadeiras líderes do clima: “Met the real climate leaders“, e pergunta: “Se 80% da biodiversidade planetária é protegida pelas comunidades indígenas por que elas não têm lugar à mesa de negociações [com os líderes mundiais]? Se referem às discussões da Cúpula dos Líderes sobre os planos para não deixar que a temperatura ultrapasse 1,5ºC.

O outro painel destaca cada uma das lideranças, atribuindo-lhes uma expertise: Célia, é a ‘verdadeira líder climática’; Glicéria, a ‘verdadeira especialista em conservação’ e Sonia, a ‘defensora das terras dos povos originários’. Veja a seguir.
Com fotos de Marizilda Cruppe e colagem digital de Mavi Morais, os outdoors fazem parte de campanha promovida pela organização Choose Earth, que tem o apoio da ativista Samantha Roddick e reúne líderes indígenas brasileiros.
A missão da ONG é captar recursos para apoiar a luta das comunidades brasileiras por justiça social e ambiental e ajudar a alterar a relação da humanidade com o planeta. Para tanto, financia diretamente 64 lideranças indígenas do Brasil.
“Estamos todos unidos em solidariedade porque esta mega força colonial presente à COP26 não detém soluções!”, diz Roddick. “Na verdade, é a raiz de todos os nossos problemas, mas o futuro é indígena! Precisamos de novos valores, novos caminhos e novas soluções. Por isso, Vamos seguir os verdadeiros líderes globais do clima!”.
“Nesta COP26, convocamos os líderes mundiais a ouvir e incluir as comunidades indígenas nas conversas. E tem sido incrível compartilhar essa mensagem na cidade de Glasgow”. E finaliza: “Ao apoiar uma rede de defensores que colocam suas vidas em risco para preservar a vida de todos, estamos garantindo nossa própria proteção!”.

Tecnologia ancestral
Desde que os 40 integrantes da delegação indígena brasileira – a maior da história das conferências de clima da ONU! – começaram a chegar à COP26, em 31 de outubro, têm contado sobre sua luta contra o racismo sistêmico, que sofrem diariamente e que se intensificou com a pandemia da covid-19, deixando essas comunidades ainda mais vulneráveis.
Para a APIB, “num país em que ditadores negam a verdade e promovem ações institucionalizadas contra as populações responsáveis por proteger as florestas, é preciso ficar atento: os territórios indígenas (por direito) são invadidos por garimpeiros e madeireiros, as aldeias estão cercadas por fazendas de gado e soja, os rios contaminados por agrotóxicos e mercúrio, e a Amazônia continua em chamas. Governos e fundos econômicos apoiam a ganância e a destruição em detrimento do lucro”.
Por isso, as lideranças indígenas defendem que as estratégias para frear o aquecimento global devem considerar o conhecimento, as experiências e os valores indigenas. “É preciso repensar essas estratégias coletivamente, com base na inteligência e na prática indígenas”, destaca a Choose Earth. E acrescenta:
“A comunidade global precisa reaprender como manter uma relação de cuidado com a natureza, ouvindo profundamente aqueles que são os protetores dos últimos espaços selvagens que restam na Terra. Usando narrativa inovadora, distribuição de recursos e troca de conhecimento, com esta campanha a Choose Earth quer desafiar percepções e ampliar a sabedoria indígena na curadoria de soluções ambientais globais”.
Assim que chegou a Glasgow, Célia Xakriabrá declarou, em seu Instagram: “Não é possível barrar as mudanças climáticas sem a demarcação dos territórios indígenas, porque não é só uma tecnologia social, mas também uma tecnologia ancestral“.
Precisamos ouvir quem vem nos alertando sobre a crise climática há muito tempo, a partir dos saberes ancestrais que orientam seus modos de ver e viver no mundo. Portanto, sentar à mesa para negociar metas e planos com os governos de todo o mundo é um apelo genuíno.
A campanha não alcançou seu objetivo ambicioso – colocar os indígenas na Cúpula de Líderes para negociar -, mas plantou uma sementinha preciosa no coração e nas mentes de todos que prestaram atenção na presença das 40 lideranças que circularam por Glasgow e pelo corredores da COP26. E foi impossível não vê-los. Não só devido a seus cocares coloridos e deslumbrantes e às belíssimas pinturas que exibem em seus rostos, mas também e principalmente por suas falas certeiras, pelos encontros que tiveram com personalidades e líderes dos setores onde atuam e dos países de origem, pela troca com povos de outras culturas. Agenda cheia, diariamente.
E claro que não podemos esquecer da presença forte e emocionante da jovem indígena Txai Suruí (foto abaixo) na referida cúpula, no segundo dia de COP. Ela foi a única representante do Brasil a discursar para os líderes. Se fez ouvir e foi aplaudida. E causou mal estar em representantes da delegação brasileira organizada pelo governo Bolsonaro. Não é pouco.
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Fotos: Divulgação/APIB