
É logo depois que as férias terminam e vivemos o período de volta às aulas que percebemos o impacto das escolas no trânsito das cidades. Tráfego intenso, filas duplas, paradas em locais proibidos. Dia desses, enquanto eu passava em frente a uma escola, observei uma longa fila de carros que aguardavam entrar na área de embarque e desembarque. Longa, muitos carros ligados simultaneamente e sem movimento por muitos minutos. De repente, observo uma mãe que cruza a faixa de pedestre com uma criança, chega ao outro lado da rua e faz uma caminhada até o carro, que estava estacionado próximo.
Numa sociedade que incentiva o uso dos carros e cria milhões de maneiras para não precisarmos sair de dentro deles, caminhar é um ato de resistência. Estacionar o carro algumas ruas antes de chegar à escola e fazer pequenas caminhadas representar uma oportunidade para a brincadeira acontecer, para estar junto, para reparar no mundo. Imagine se tem uma pracinha ou um parque pelo caminho? Um bom motivo para adicionar 20 minutos de brincadeira antes de seguir no ritmo que o relógio marca.
E caminhar o trajeto todo até a escola? É possível? É, sim! E quando vamos em turma, a experiência é ainda melhor. Outra vez, quando estava caminhando por São Paulo, pedi informação sobre uma rua. Ao receber as direções do trajeto, perguntei: ”É longe?”, e ela me respondeu: “Se você estiver sozinha sim, mas acompanhada é bem rapidinho”.
A professora Carolina Padilha observou que, enquanto caminhava para a escola onde trabalhava, encontrava outras crianças pelo percurso. Cada criança seguia seu trajeto com seu acompanhante. Pensou, então, que seria uma boa ideia organizar esse trajeto e oferecer carona para essas crianças. Isso mesmo, carona!
Foi assim que, em 2015, nasceu o Carona a Pé, uma organização de mobilidade e educação que deseja despertar adultos e crianças para a importância de andar a pé e construir uma nova relação com a cidade onde vivem.
Os percursos atendem crianças que se deslocam num raio de até 2 quilômetros da escola. Nesse percurso, as crianças criam vínculos com pessoas do entorno, aumentam o compromisso com o tempo, diminuem o trânsito, tornam a cidade um lugar mais amigável. As crianças se conectam com o espaço, com as pessoas, consigo mesmas. “Minha avó dizia: Vai andar para circular as ideias. Andar é uma boa maneira para refletir e pensar”, conta Carol Padilha.
Toda rota é pensada para ter tempo de experimentar o que há no caminho e chegar à escola sem atraso. O objetivo não é fazer uma caminhada com pressa. É ter tempo de parar para observar, cumprimentar alguém, fazer pausas.
O que as crianças aprendem caminhando coletivamente até a escola? “Quando caminham, as crianças praticam um exercício da liberdade. Reconhecem seu corpo em movimento. Percebem as mudanças da paisagem. Todo dia é o mesmo caminho, mas nunca é o mesmo caminho. As crianças também ganham confiança nas sua ações, ficam mais articuladas nas relações que estabelecem com a cidade. Enquanto caminham, elas vivem uma experiência intensa, uma outra perspectiva da cidade.
Hoje, o Carona a Pé está ativo em escolas privadas da cidade de São Paulo, e em escolas municipais de Belo Horizonte e Sorocaba. Para implementar uma rota da iniciativa em sua escola, entre em contato pelo site.
Imagem: Divulgação/Carona a Pé