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Cacica do Pará recebe prêmio internacional por empreender e conscientizar sobre conservação na Amazônia

Cacica do Pará recebe prêmio internacional por empreender e conscientizar sobre conservação na Amazônia

Katia Silene Tonkyre tem 54 anos e é a primeira cacica (feminino de cacique) da aldeia Akratikatejé, situada na Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins, no Pará. 

Filha do respeitado cacique Payaré, um lutador pelos direitos dos indígenas já falecido, ela quebrou tabus e, inspirada nos ensinamentos do pai, lidera uma comunidade que produz de forma sustentável e protege a floresta amazônica.

No Google Maps, as imagens de satélite registradas na região revelam a reserva indígena como um impenetrável e profundo manto verde. São 63 mil hectares onde vivem 3.500 indígenas distribuídos em 27 aldeias. Mas, fora dos limites do território homologado pelo governo brasileiro em 1986, é possível notar áreas bastante desmatadas.

Sob a liderança de Katia estão 85 indígenas de 23 famílias da etnia Gavião da Montanha, aos quais ensina tudo que aprendeu com Payaré sobre empreendedorismo e produção sem agredir a natureza. Assim, eles se dedicam à coleta, produção e venda de castanhas e frutas amazônicas – como maracujá, açaí, cacau, cupuaçu, entre outras -, além de mel, animais e criação de peixes, gerando emprego e receita para a comunidade.

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Cacica do Pará recebe prêmio internacional por empreender e conscientizar sobre conservação na Amazônia
Foto: divulgação/IICA

Sem dúvida, Katia deu continuidade e aperfeiçoou o legado do pai, ampliando-o com a realização de parcerias e de ações que contribuíram para o bem-estar de seu povo.

Por tudo isso – empreende, coleta, produz, educa e conscientiza -, a cacica da aldeia Akratikatejé foi escolhida pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) como Líder da Ruralidade das Américas e receberá o prêmio A Alma da Ruralidade, que também contempla sessões de consultoria da instituição especializada em desenvolvimento agropecuário e rural.

O programa Líderes da Ruralidade visa o reconhecimento de lideranças a fim de impulsionar a criação de vínculos com organismos oficiais, da sociedade civil e do setor privado para a obtenção de apoio para suas causas.

cerimônia de entrega do prêmio deve acontecer em abril, na Costa Rica, onde fica a sede do IICA. 

A Alma da Ruralidade

Para escolher os Líderes da Ruralidade, o IICA trabalha com suas 34 representações nas Américas. E Manuel Otero, diretor-geral do IICA, explica o critério de seleção, enfatizando a importância de destacar lideranças na região amazônica, neste caso do Brasil, e de pessoas que pertencem a comunidades vulneráveis.

Cacica do Pará recebe prêmio internacional por empreender e conscientizar sobre conservação na Amazônia
Katia Silene Tonkyre é uma liderança positiva e silenciosa, a qual é preciso dar visibilidade e reconhecimento / Foto: divulgação/IICA

“Trata-se de um reconhecimento aos que cumprem um duplo papel insubstituível: ser avalistas da segurança alimentar e nutricional e, ao mesmo tempo, guardiões da biodiversidade do planeta pela produção em qualquer circunstância. O reconhecimento também tem a função de destacar a capacidade de promover exemplos positivos para as zonas rurais”.

E acrescenta: “São pessoas cuja marca está presente em cada alimento que consumimos — aonde quer que cheguem —, em cada lote de terra produtiva e nas comunidades que habitam. São homens e mulheres que deixam um rastro e que são a alma da ruralidade, pois produzem, plantam, colhem, criam, inovam, ensinam, protegem e unem”.

Otero completa: “são lideranças positivas e silenciosas, às quais é preciso dar visibilidade e reconhecimento”. São exemplos de vida, “pois transformam, superam adversidades e inspiram”. Quem conhece Kátia sabe o quanto ela se encaixa nesse perfil. 

Resiliência e visão de futuro 

Na década de 1970, durante a infância, Katia sofreu com a expulsão de seu povo de Tucuruí devido à construção da represa. Eles foram obrigados a viver num reassentamento em Bom Jesus do Tocantins, que fica a cerca de 10 km de Marabá, no sudoeste do Pará. Mas, com grande resiliência, se adaptaram à nova realidade.

Um tempo depois, iniciaram a coleta de castanha do Pará. E, apenas há seis anos, montaram uma fábrica e uma cooperativa para processá-la e comercializá-la. Enquanto isso, foram experimentando outras produções e seu portfólio é amplo, como já comentei.

Agora, ela busca apoio público e do setor privado para aprimorar o abastecimento de energia elétrica (de monofásica para trifásica), a fim de possibilitar a operação de máquinas que consolidem a produção de 20 toneladas por colheita, assegurando boas receitas para toda a aldeia.

Ao mesmo tempo, ela lamenta não ter estrutura para armazenamento e câmara frigorífica, o que propiciaria vender mais, como, por exemplo, cupuaçu, que é uma fruta deliciosa com alto teor de fósforo e pectina, utilizada em sucos, bolos e néctares e cuja semente, que contém altos percentuais de proteína e gordura, é usada para preparar um produto com características semelhantes ao chocolate e cosméticos.

“A colheita do açaí está terminando e agora vem a da castanha e do cupuaçu, e é muito cupuaçu — e lamentavelmente perderemos uma parte porque não temos freezer nem câmara frigorífica para abastecer os produtores de polpa”, salienta. 

E são muitas as deficiências que a líder indígena ainda quer sanar. Para retomar a exportação de castanhas, por exemplo, ainda precisa de assistência técnica para construir um pequeno armazém e equipar uma pequena fábrica. Também busca assistência técnica para que a comunidade aumente a produção de milho, mandioca e frango, além de aperfeiçoar a comercialização de pescado.

E acena com uma novidade que gostaria de colocar em prática ainda este ano: construir cabanas e trilhas, a fim de implementar o turismo local, atraindo turistas à reserva.

Floresta em pé, com os jovens na reserva

“O nosso caminho é produzir de forma sustentável. E cumprir o sonho de meu pai, o cacique Payaré, de um povo Akratikatejé autônomo, com a floresta em pé”, enfatiza. 

“Não concordo quando alguém diz que é necessário destruir a floresta para criar gado ou investir em soja. Nós queremos manter nosso projeto sustentável e queremos crescer, mas não destruindo a natureza. Nós valorizamos os nossos produtos. Não é necessário destruir. É possível conciliar as duas coisas, fazer o projeto e manter a floresta em pé, utilizá-la. A floresta nos dá uma farmácia verde e rica, temos os nossos animais e temos a nossa floresta”, destaca.

E um dos maiores orgulhos da premiada cacica é ver o pertencimento dos mais jovens à aldeia e seu desejo de permanecer na reserva. “Somos fortes. Na região, não há indígenas vivendo na rua, nem querendo sair da aldeia, pois a nossa terra é rica. Temos frutas, área para plantar e trabalhar com a agricultura. Temos mel em quantidade e copaíba”, ressalta.

Um lago e um aglomerado de casas de madeira definem a aldeia, que também mantém um posto de saúde e um enorme espaço coberto de palha sustentada por colunas de madeira que, entre outras utilidades, abriga a escola para crianças e jovens / Foto: divulgação/IICA

“Somos um povo abençoado, muito rico, e a nossa riqueza é a floresta em pé. Não há necessidade de nenhum indígena ir embora. Temos uma matéria sustentável e muita riqueza em nossa floresta”.

“Tudo o que fazemos é caminhar para um futuro melhor, saudável e com uma boa vida. Aprendi com meu pai a cuidar do futuro, a me preocupar com o amanhã. Quebrei um protocolo porque as mulheres não podiam ser caciques devido a modelos ultrapassados. Mas, nós mulheres estamos conquistando cada vez mais espaços e devemos continuar fazendo a diferença para que as coisas funcionem”.

“Os povos indígenas estão interligados com a natureza. Se a floresta é devastada, somos impactados diretamente”. E finaliza: “A natureza, a floresta, somos nós. Nós somos a Amazônia, nós somos a floresta. Quando uma árvore morre, morre uma parte de nós, pois somos as raízes dessa floresta. Agregamos valor à nossa produção sem agredir a natureza”

Pisando suavemente na terra

Devido à sua história e trajetória de liderança, em 2021 Katia Silene Tonkyre foi escolhida por Marcos Colón, diretor de documentários, para protagonizar o premiado Pisar Suavemente na Terra, ao lado do líder e pensador Ailton Krenak – que conduz a narrativa -, e de outros dois indígenas: Manoel Munduruku, da etnia Munduruku, que vive à oeste do Pará, e José Manuyama, da etnia Kukama da Amazônia peruana.

Contando a história destes ativistas, que enfrentaram e enfrentam a barbárie capitalista na Amazônia, o filme busca apontar saídas para a destruição da floresta. 

Em uma das cenas mais marcantes do documentário, Kátia conduz os cineastas Marcos Colón e Bruno Malheiro até o único trecho não duplicado da Estrada de Ferro Carajás, que corta a reserva Indígena Mãe Maria. 

“Chegaram às margens da ferrovia, com extensão de quase mil quilômetros, no exato momento em que o pôr do sol iluminava os trilhos historicamente conflituosos da mineradora Vale”, conta Sibélia Zanon, no Mongabay Brasil. 

“Eles queriam filmar a passagem de um dos maiores trens de carga do mundo, com seus 330 vagões e 3,3 quilômetros de comprimento, transportando minério de ferro desde a Serra de Carajás, no Pará, até o terminal portuário de exportação de Ponta da Madeira, no Maranhão. O clima era pesado, carregava o histórico das lutas indígenas contra a duplicação da ferrovia”. 

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Foto: divulgação/IICA

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