O belo documentário ‘Pisar Suavemente na Terra’ aponta caminhos para o futuro da Amazônia a partir do olhar indígena e ancestral

O belo documentário 'Pisar Suavemente na Terra' aponta caminhos para o futuro da Amazônia a partir do olhar indígena e ancestral

“O futuro é ancestral. Ele é tudo que já existiu. Ele não é o que tá lá, em algum lugar. É o que está aqui”, disse o pensador indígena Ailton Krenak à Marcos Colón, diretor do documentário Pisar Suavemente na Terra, numa tarde de julho, à beira do Rio Doce (que, na foto acima, parece limpo, mas oferta peixes mortos), na aldeia Krenak, próximo de Resplendor, em Minas Gerais.

E foi essa fala que o documentarista escolheu para arrematar o trailer, que é uma obra-prima e pincela os caminhos que poderão nos ajudar a ‘adiar o fim do mundo’, começando pela Amazônia.

O belo documentário 'Pisar Suavemente na Terra' aponta caminhos para o futuro da Amazônia a partir do olhar indígena e ancestral

Mas Krenak também dá inicio ao trailer, como um convite: “A gente só existe porque a Terra deixa a gente viver. Ela dá vida pra gente. Não tem outra coisa que dá vida. É por isso que a gente chama ela de Mãe Terra“.

Drama civilizatório

Com estreia prevista para novembro deste ano – provavelmente no Brasil, e seguida de circuito em festivais -, o segundo filme de Colón (o primeiro é Beyond Fordlândia, de 2018), dá voz aos sobreviventes de “uma guerra capitalista contra a vida”.

É o olhar ancestral dos amazônidas que o guia e dá respostas para algumas questões que emergem diariamente do caos social e ambiental em que nos metemos.

O belo documentário 'Pisar Suavemente na Terra' aponta caminhos para o futuro da Amazônia a partir do olhar indígena e ancestral
Crianças da comunidade do Assaízal, no Planalto Santarero

Talvez não exista melhor momento para a produção, a divulgação e o lançamento deste filme do que agora.

Em Brasília, há mais de 20 dias, indígenas de etnias de todas as regiões do Brasil estão acampados para acompanhar o julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal sobre o destino da Terra Indígena Xokleng reivindica pelo governo de Santa Catarina. O resultado decidirá o destino de todas as demarcações de terras pelo país.

Enquanto isso, no Congresso, tramitam – às vezes em regime de urgência – diversos projetos de lei que visam a liberação das terras indigenas para exploração predatória.

‘Pisar Suavemente na Terra’ pode nos inspirar e ajudar a compreender o que é urgente fazer em meio a este drama civilizatório. Espero que ainda tenhamos tempo pra isso.

Barbárie capitalista

O belo documentário 'Pisar Suavemente na Terra' aponta caminhos para o futuro da Amazônia a partir do olhar indígena e ancestral
A devastação da floresta em Santarém

O processo de produção levou 18 meses e foi interrompido diversas vezes pelas restrições da pandemia da covid-19. Mas isso em nada abateu Colón, que, assim que pode, ficou meses longe de casa – ele é professor na Universidade Estadual da Flórida, na Califórnia, EUA – em viagens pelo Peru, Colômbia e Brasil, especialmente nas cidades de Santarém, Marabá e Tabatinga, colecionando histórias. Acompanhei um pouco de suas aventuras, por WhatsApp.

O roteiro do filme é assinado por ele e Bruno Malheiro, geógrafo e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Eles dividiram a obra em quatro atos: Anúncio, Guerra em Curso, Morte e Horizontes.

No primeiro, o fim do mundo é anunciado pela destruição dos povos amazônicos. No segundo, a guerra tem continuidade e é expressa “com suas engrenagens de destruição da vida”, levando à morte (o terceiro ato) “como expressão cabal das escolhas que fizemos como sociedade”.

O último ato é como uma redenção: revela a possibilidade de vislumbrarmos o futuro ao mergulharmos na ancestralidade e colocarmos as cosmovisões amazônidas no centro do mundo. Só assim.

Cada parte da mensagem deste tocante e visceral documentário é construída a partir dos depoimentos de “personagens que enfrentaram a barbárie capitalista na Amazônia”, que são lideranças indígenas. Cito, aqui, apenas três.

José Manuyama, da etnia Kukama da Amazônia peruana, narra o cotidiano marcado com a contaminação do rio pelo garimpo e pelo petróleo.

O cacique Emmanuel (acima) do povo Munduruku, no Oeste do Pará, vive sitiado pela expansão do cultivo da soja.

Cacica Kátia Akrãntikatêgê / Foto: Marcos Colón

A cacica Katia (acima), do povo Akrãntikatêgê, de Marabá, também no Pará, “resiste em um território cortado pela mineração e por diversos empreendimentos econômicos”. Seu depoimento está no trailer (no final deste post): muito contundente.

Inspiração e companhia

A obra de Colón acompanha o olhar de Ailton Krenak e tem seu pensamento como grande inspiração. Como não se render?

Nas palavras do mestre indígenacomo o documentarista chama o querido amigo -, “o futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender, com ele, a pisar suavemente na terra”. Aceito o convite.

Revoada na Ponta dos Periquitos, em Santarém

Agora, assista ao trailer que já revela um pouco da preciosidade da obra de Colón, que, claro, não trabalhou sozinho. Na ficha técnica abaixo, estão todos os nomes de quem compôs a talentosa equipe:

Direção e Produção: Marcos Colón
Roteiro: Bruno Malheiro & Marcos Colón
Fotografia: Bruno Erlan & Marcos Colón
Edição e Trilha Original: Diego Farias
Produção Executiva: Marcos Colón
País e ano de produção: Brasil, Peru e Colombia / 2021
Coprodução: Amazônia Latitude Films

Fotos: Marcos Colón

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.