Cinco espécies de lagartos da Amazônia e do gênero iphisa foram descobertas por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e receberam nomes que homenageiam defensores e povos indígenas dessa floresta.
“Uma vez que o gênero Iphisa é exclusivamente amazônico e se distribui por praticamente toda a área da floresta, decidimos homenagear pessoas e etnias que estão envolvidas com a defesa deste bioma”, explica Pedro Nunes, professor do Departamento de Zoologia do Centro de Biociências (CB) da UFPE.
Anna Mello, doutoranda em Biologia Animal pela UFPE e autora do estudo, destaca que “a ideia das homenagens é principalmente trazer mais visibilidade a defensores da floresta que, assim como Irmã Dorothy, dedicaram e ainda dedicam suas vidas em prol da Floresta Amazônica. Também chamar atenção para os povos originários, que estão constantemente tendo que lidar com o garimpo ilegal e a destruição de seus povos e terras”. E acrescentou:
“A nossa ideia era nomear os bichos de forma que ajudasse os cientistas a localizar cada um, mas diante da situação socioambiental do Brasil nos últimos anos, principalmente no que se refere à Amazônia, com invasões a Terras Indígenas e queimadas, decidimos homenagear essas pessoas que defendem a Amazônia. A gente escolheu Dorothy Stang, Ivaneide [Neidinha] Suruí, Alessandra Korap Munduruku, Kátia Pellegrino e por último, já em 2022, a gente resolveu incluir Bruno Pereira. Os nomes não foram aleatórios, escolhi homenagear as pessoas que foram atuantes nas áreas onde cada um dos bichos foi descoberto”.
As novas espécies e seus homenageados
O indigenista Bruno Pereira – assassinado em junho de 2022 com o jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari é homenageado pela espécie Iphisa brunopereira.
O lagarto vive na região oeste da Amazônia, às margens do Rio Içá (AM), no interflúvio dos Rios Napo e Putumayo, no Peru, e em planícies do Equador.
A espécie Iphisa surui faz reverência à indigenista Neidinha Suruí e à etnia Paiter-Suruí, liderada pelo cacique Almir Suruí, seu ex-marido e pai de sua filha, a jovem e aguerrida liderança Txai Suruí. Esse lagarto vive mais ao sul da Amazônia, no Mato Grosso e em Rondônia.
Iphisa dorothy relembra a Irmã Dorothy Stang – assassinada em 2005 – e é encontrada na Amazônia Oriental e Central, apenas ao sul do Rio Amazonas, no interflúvio Purus-Madeira e Madeira-Tapajós, chegando às margens dos Rios Aripuanã e Juruena.
A líder indígena Alessandra Korap Munduruku e seu povo, do Pará, são reconhecidos pela Iphisa munduruku, que vive na Amazônia Central, às margens do Rio Abacaxis, integrante da bacia amazônica e afluente da margem direita do rio Amazonas, entre o Madeira e o Tapajós.
E, por último, Iphisa pellegrino – encontrada na Amazônia Central, ao sul do Rio Amazonas, apenas no interflúvio dos Rios Purus e Madeira – presta tributo à professora Katia Pellegrino, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A escolha se deve à sua dedicação de décadas ao estudo da família Gymnophthalmidae (onde está alocado o gênero Iphisa) e pelas contribuições significativas para a sistemática do grupo de pesquisadores.
Animais diferentes
Na verdade, os novos lagartos já eram conhecidos pelos pesquisadores há bastante tempo, mas o que não se sabia – e o estudo mais aprofundado ajudou a revelar – é que representavam espécies ainda não nomeadas. Ou seja, para a Ciência, ainda não haviam sido descobertas.
Agora, o estudo está descrito em artigo publicado desde 11/9 na revista Zoological Journal of the Linnean Society – Integrative taxonomy of the Iphisa elegans species complex (Squamata: Gymnophthal -, e certamente será um marco para a pesquisa herpetológica do Brasil.
“A partir do novo artigo, reportamos que algumas populações amazônicas, antes conhecidas como Iphisa elegans, na verdade representam espécies novas”, explica Nunes.
São lagartos de pequeno porte, com escamas lisas e brilhantes, que vivem pelo chão, andando pelo folhiço da floresta. Mas, individualmente, cada espécie possui conjunto de atributos exclusivos. Elas diferem umas das outras por características muito próprias nas escamas, no órgão genital masculino (hemipênis), nos poros no fêmur e devido à genética.
“Tínhamos algumas evidências de genética molecular que indicavam que os lagartos de diferentes lugares da Amazônia podiam ser, na verdade, espécies diferentes da Iphisa. Foi através da análise morfológica dos hemipênis desses animais que nós conseguimos identificar que, de fato, eram animais diferentes”, explica Anna Mello.
“A nova organização que propomos mostra que as espécies têm distribuições muito mais restritas do que imaginávamos antes para o gênero. Isso certamente alterará a percepção sobre o nível de ameaça a que cada uma delas está exposta”, alerta Pedro Nunes.
Duas espécies redefinidas
Além das cinco novas espécies de lagarto, o novo estudo atualizou informações sobre outras duas espécies do mesmo gênero, mantendo seus nomes. São elas:
– Iphisa elegans (abaixo), cuja composição e distribuição foram redefinidas”: ela é encontrada no norte da Amazônia, na margem esquerda do Rio Amazonas e no Escudo das Guianas; e
– Iphisa soinii (abaixo), que havia sido classificado como subespécie de Iphisa elegans e, agora, foi elevado ao status de espécie; é encontrada na região oeste da Amazônia, no Peru, Equador e no estado do Acre, no Brasil.
A descoberta
De acordo com os pesquisadores, para se chegar à descoberta das novas espécies, foi necessário esforço internacional que reuniu 22 instituições de ensino e museus ao redor do mundo, entre eles o Museu de História Natural de Nova York, o Museu de História Natural de Paris e o Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Juntos, eles enviaram 721 amostras para análise da equipe pernambucana. O gênero Iphisa, inicialmente descrito por John Edward Gray em 1851, possui indivíduos muito similares, quase todos possuem, quando adultos, por volta de 4 cm de comprimento (sem contar a causa), possuem duas fileiras de escamas dorsais e são marrons.
“Por fora eles eram muito parecidos, mas por dentro não. Nós percebemos que animais de lugares diferentes possuíam diferenças no formato do hemipênis, o que por si só já indica que existe uma diferenciação. Existe uma combinação estilo chave-fechadura no aparelho reprodutor desses animais. Então quando a gente jogou a evidência morfológica para comparar com a genética molecular, notamos que as diferenças batiam com linhagens genéticas específicas, demonstrando ali que se tratava de fato de espécies novas”, explica Anna.
De acordo com ela, a reclassificação do gênero Iphisa não apenas enriquece o conhecimento sobre a biodiversidade da Amazônia, mas também ressalta a urgência de preservar os habitats únicos que abrigam essas espécies recém-identificadas.
“Quando a gente descobre que uma espécie é na verdade sete diferentes que habitam lugares muitos específicos, como é o caso do Iphisa brunopereira que vive só nas margens do Rio Abacaxis, a gente consegue pressionar o governo para a criação de políticas de conservação para essas áreas específicas onde eles ocorrem, além de educar a população local a respeito da importância dessas espécies”, destaca a pesquisadora.
Parceria e autores
A pesquisa foi realizada em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), da França.
Além de Anna Mello e Pedro Nunes (na foto abaixo), assinam o estudo: Renato Recoder (pesquisador da USP); Antoine Fouquet (pesquisador do CNRS); e Miguel Trefaut Rodrigues (professor emérito da USP).
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Fotos (destaque): Univaja/divulgação (Bruno Pereira); Gabriel Ushida (Neidinha); Renato Recoder (Iphisa brunopereira); Ricardo Washita Ribeiro (iphisa surui)