Há pouco mais de dois anos, quando eu falava sobre a relação entre criança e natureza nas escolas, com professoras e professores e estes me pediam sugestões de “por onde começar”, minha resposta era sempre a mesma: abrindo as janelas.
Pode parecer uma resposta simples e óbvia demais, mas reparei que, muitas vezes, as janelas das salas de aula estavam fechadas em diferentes situações e contextos. Temos noção de que deixar as janelas abertas, com o ar circulando, é uma medida importante para garantir saúde, mas não era que eu via, com frequência. E, com o que contexto pandêmico que vivemos – no passado e no presente -, abrir as janelas deixou de ser apenas uma recomendação para se tornar regra.
Para mim, tão importante quanto a saúde são as experiências e aprendizagens que as crianças vivem e conquistam. Permitir que o ar fresco circule, sentir, ao longo do dia, as diferenças de temperatura, luminosidade, perceber movimentos de outros seres vivos, das nuvens… há muito a se observar no mundo com a janela aberta.
Durante o período de isolamento, olhar pela janela foi motivo para muita conexão com a natureza para quem acompanha as redes do Ser Criança é Natural. INDICAR ALGUNS TEXTOS
Para quem está na escola, num contexto de educação, é preciso pensar em cada detalhe com intencionalidade.
O que crianças e jovens podem aprender com o “abrir das janelas”? Quantas oportunidades existem com esta atitude? Como o lado de fora chega para quem está dentro? Quantas conexões são possíveis entre dentro e fora?
O interior pulsa com a vida lá fora
Na Escola Kando, localizada no Centro Histórico de Santana de Parnaíba, em São Paulo, as janelas fazem parte do projeto político pedagógico.
“Pensamos o espaço para que as janelas conectem as crianças com o quintal da escola, as árvores, e também a cidade.” conta Elaine Naldi, diretora da escola.
E com certeza, durante uma visita à escola, é impossível não reparar nas amplas janelas acessíveis para as crianças em todas as salas. Com vista para o quintal, para a copa das árvores e para prédios históricos da cidade, o interior das salas pulsa junto com a vida de fora. As crianças acompanham a vida dos pássaros, os ritmos das árvores, as cores do céu.
Parte da escola ocupa um imóvel tombado pelo patrimônio histórico. Quando não é possível que a janela desça para a altura das crianças, criam-se mobílias para que as crianças subam.
Foi assim que, no começo de 2020, antes do isolamento, as crianças que observavam as ruas da cidade fizeram amizade com comerciantes de uma loja próxima. Conversavam, trocavam histórias e até um café da manhã na escola foi marcado para que os amigos compartilhassem boas histórias.
Ampliar as janelas modificou espaços e relações
Ainda na grande São Paulo, em Diadema, São Paulo, a Escola Stagium, no início de 2020, iniciou um projeto para ampliar as janelas e deixá-las na altura das crianças. Janelas que antes seguiam um padrão arquitetônico mensurado por corpos adultos, baixaram e tiveram como referência os corpos das crianças.
Uma das primeiras turmas a viver essa transformação foi a dos pequenos do Grupo 1/2. A professora Anne Almeida, que há anos ocupa este espaço com as crianças da faixa etária de 2 anos , contou que rebaixar as janelas e colocá-las na altura das crianças mudou completamente a relação dos pequenos com o espaço.
“Elas observam mais, conversam com quem passa. Mas as melhores descobertas são as que acontecem dentro da sala. Pela manhã, o sol entra no espaço e provoca sombras que convidam as crianças a brincar”.
Anne observa as criações e pesquisas das crianças e vai nutrindo com recursos e materiais para ampliar a experiência. Construções, desenhos e cores geram investigações entusiasmadas de toda a turma.
Conversei com Anne sobre a experiência em fevereiro de 2020. Não sabíamos o que nos aguardava nos próximos meses. Fernanda Costa, diretora da escola, conta que ampliar as janelas de todas as salas era um projeto a longo prazo a fim de integrar espaços internos e externos. Por conta da pandemia, precisou ser acelerado. Todas as salas da escola passaram pela reforma, da Educação Infantil ao Ensino Médio.
“Tirar as paredes modificou não só os espaços, mas transformou as relações que existem na escola.”, conta Caroline Pereira, diretora de comunicação.
Abrir as janelas é conectar-se com o mundo
As janelas são um dos pontos de destaque no documento do Ministério da Educação Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças escrito por Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, publicado em 1995.
Como parte integrante do texto A política de creche reconhece que as crianças têm direito ao contato com natureza, um dos ítens citados é: “Nossas crianças podem olhar para fora através de janelas mais baixas e com vidros transparentes“.
Apesar de ser uma proposta do Ministério da Educação, é muito difícil as escolas públicas conseguirem alterar a estrutura dos prédios onde estão instaladas. Para que isto aconteça, é preciso autorização de diferentes órgãos públicos, além de investimento e documentos que vão além da vontade da equipe.
Algumas escolas ocupam prédios que, originalmente, tinham outras funções e acabam sendo adaptadas para receber crianças e jovens. Há casos em que o prédio foi construído para abrigar uma escola, mas nem sempre a pessoa responsável pelo projeto tem expertise para isso. Nem sempre estuda sobre o tipo de estabelecimento de ensino que ocupará o espaço ou, em casa de reforma ou adaptação, nem sempre conversa com quem vive neste espaço diariamente.
Já estive em muitas escolas públicas de diferentes cidades e estados e presenciei as mais diversas situações: janelas amplas e na altura das crianças, outras na altura dos adultos, algumas pequenas localizadas no alto da parede, entre tantas outras.
Até o fechamento deste post, não tive notícias de escolas públicas que modificaram suas estruturas, ou criaram estratégias para privilegiar suas janelas, levando em conta a potência do aprendizado que nelas reside. Caso você conheça, compartilha comigo? Aqui e nas redes sociais.
Abrir as janelas é relacionar-se com a vida que pulsa no seu entorno. Esta ação permite a integração entre espaço externo e interno, amplia as possibilidades de conectar-se com o mundo, e pode ser fonte de muito boas experiências com a natureza.
Edição: Mônica Nunes
Fotos: Divulgação das escolas Kando e Stagium