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Primeiro-ministro da Índia posa com ararinha-azul em inauguração de centro de conservação, envolto em denúncias e polêmicas

Primeiro-ministro da Índia posa com ararinha-azul em inauguração de centro de conservação, envolto em denúncias e polêmicas

No começo de março, o primeiro-ministro da Índia foi recebido com pompa e cerimônia pela família Ambani. Ele esteve em Jamnagar, no estado de Gujarat, a mais de 1 mil km da capital Nova Delhi, para fazer a inauguração oficial da Vantara, um centro de resgate, reabilitação e conservação de fauna. Depois de cortar uma fita vermelha, Narendra Modi passou um dia percorrendo o complexo gigantesco, de 14 km2, que abriga cerca de 10 mil animais selvagens, de 330 espécies diferentes. Entre as inúmeras fotos e vídeos divulgadas sobre o passeio, uma delas chama a atenção em particular: o político aparece segurando uma ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), ave endêmica do Brasil e que foi declarada extinta na natureza nos anos 2000.

Na verdade, a presença de uma ararinha-azul no centro indiano não deveria causar espanto. E ela não está lá sozinha. No final de 2023, 26 delas e quatro araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) chegaram ao local. Elas foram enviadas da Alemanha, pela Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), um criador particular de espécies ameaçadas e exóticas, até então parceiro do governo brasileiro no programa de reintrodução da espécie, que começou em 2020, em Curaçá, na Bahia. A transferência das aves não tinha recebido a autorização de órgãos ambientais do Brasil, que foram pegos de surpresa pelo envio das mesmas.

Embora as ararinhas tenham nascido na sede da ACTP, na Europa, segundo o acordo entre a associação e o Instituto Chico Mendes de Conservação para a Biodiversidade (ICMBio), responsável pelo Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-azul, e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), órgão a quem compete dar autorizações sobre transferências internacionais da espécie, o governo brasileiro afirma que tem soberania sobre espécies endêmicas do país. Quando soube do envio das aves para a Índia, declarou que iria pedir a repatriação das mesmas.

Todavia, parece que o mal-estar envolvendo a transação com as ararinhas só impactou a relação entre a ACTP e o Brasil. Em suas redes sociais, a Vantara celebra sua participação no programa de reintrodução da espécie. “Um momento decisivo para a conservação. Um momento de orgulho para a Vantara. O Honorável Primeiro Ministro Shri Narendra Modi Ji visitou Vantara, onde observou a ararinha-azul, uma espécie que já foi declarada extinta na natureza. Sua presença reafirma o compromisso inabalável da Índia em proteger e restaurar a biodiversidade. Com seu incentivo, continuamos firmes em nossa missão de reintroduzir 41 ararinhas em seu habitat nativo na região da Caatinga, no Brasil. Isso é mais do que um resgate; é uma promessa ao planeta. Um futuro em que nenhuma espécie é deixada para trás”, diz uma das postagens.

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As 41 ararinhas mencionadas acima são as aves que chegaram em janeiro deste ano no Refúgio de Vida Silvestre, em Curaçá, onde acontece o projeto de reintrodução. Elas viajaram a bordo de um jatinho, que tinha um grande logo da Vantara, vindas da Alemanha. Ainda que a parceria entre ACPT e Brasil tenha sido suspensa, a reprodução em cativeiro e a soltura de aves continuam a ser realizadas na Bahia pelo criadouro europeu, que afinal de contas, construiu as instalações com os próprios recursos e é o responsável financeiro pela sua manutenção.

Origem dos animais tem sido questionada

Os Ambani não são qualquer família da Índia. O magnata Mukesh Ambani é considerado o homem mais rico do país. Em 2025, ele aparece em 18o lugar na lista da Forbes, entre os maiores bilionários do mundo. O empresário é o fundador e CEO da Reliance Industries, grupo que atua no setor petroquímico, de gás, varejo e indústria têxtil, e que movimenta algo em torno de US$ 100 bilhões por ano.

Mas é seu filho mais novo, Anant Ambani, de 29 anos, que está por trás da Vantara. Apesar de não ter nenhuma formação acadêmica na área ambiental, ele é formado em Administração pela Universidade de Brown, nos Estados Unidos, relatos familiares dão conta de que o caçula sempre foi um “apaixonado por animais”. Foi para realizar um sonho seu então que a Reliance Foundation anunciou a construção do Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Center (GZZRC), agora chamado de Vantara, e que seria o maior zoológico/centro de resgate/reabilitação do mundo. 

O que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi conheceu em sua visita à Vantara é uma coleção realmente impressionante de espécies. Segundo o mais recente relatório do centro, estariam vivendo ali 10 mil animais, todavia, segundo uma reportagem investigativa do jornal alemão Süddeutsche Zeitung, o número atual deve ser bem maior. Até o fim de 2024, pelo menos 39 mil animais selvagens teriam chegado à Índia, a maior parte vinda dos Emirados Árabes Unidos, entre eles, espécies ameaçadas, como 14 orangotangos e um gorila da montanha, classificado em risco crítico de extinção – e o único que se tem conhecimento a viver em cativeiro no mundo.

Ainda segundo o Süddeutsche Zeitung, mais de 6 mil animais teriam como origem a Venezuela e 1.770 a República Democrática do Congo. A logística necessária para o transporte dessa quantidade enorme de bichos, além da documentação exigida por órgãos internacionais, como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), é algo sem precedentes, ainda mais em um período tão curto de tempo. E tem gerado muitas suspeitas.

A grande questão sobre essas transferências é que a Vantara se intitula um centro de resgate e reabilitação, contudo, seriam todos esses animais provenientes realmente de resgates ou fruto de reprodução em cativeiro, fomentando ainda mais o tráfico ilegal de vida silvestre, ou pior ainda, a retirada de indivíduos da vida livre?

Primeiro-ministro da Índia posa com ararinha-azul em inauguração de centro de conservação, envolto em denúncias e polêmicas
Narendra Modi ao lado de um rinoceronte no centro de conservação da Índia
Foto: divulgação Vantara

Não é só o Süddeutsche Zeitung que tem levantado uma bandeira de alerta sobre o empreendimento dos Ambani. No ano passado, uma longa e minuciosa matéria publicada pelo Himal Southasian, com o apoio do renomado Pulitzer Center, apresentou provas e documentos de irregularidades na operação do GZZRC/Vantara e ainda, como os fortes laços de amizade do magnata com Modi e o poder econômico do grupo empresarial garantem o apoio do governo da Índia à aquisição de animais vindos do exterior e ao afrouxamento de legislações ambientais.

A reportagem questiona ainda se a Índia é a melhor escolha para receber todos esses animais. “Gujarat é mais quente do que muitas partes da Índia e do mundo, o que a torna potencialmente inadequada para muitas espécies de climas mais temperados. Por outro lado, o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom foi construído em terras adjacentes ao gigantesco complexo petroquímico da Reliance… De acordo com um relatório de 2016 do Conselho Central de Controle da Poluição, tanto a refinação de petróleo como a produção petroquímica são indústrias altamente poluentes… Além dos perigos da poluição, existe também o risco de acidentes industriais – como incêndios repentinos”.

Mais recentemente, o site Alt News também denunciou o recebimento de ameaças por parte de meios de comunicação que teriam publicado uma denúncia feita por uma organização da África do Sul, preocupada com a exportação de animais selvagens para a Índia. Na carta, enviada às autoridades do país, a Wildlife Animal Protection Forum of South Africa (WAPFSA), rede formada por 30 organizações, alertava sobre o enorme número de leopardos, tigres, leões e guepardos que tiveram como destino o GZZRC. “Somos da opinião de que um número significativo de espécimes criados em cativeiro em instalações na África do Sul poderia ter sido e está sendo negociado para fins comerciais. A WAPFSA solicita que o ministério investigue urgentemente este assunto”, dizia o documento.

No entanto, dias após a publicação da denúncia, vários sites apagaram o conteúdo e em alguns casos, o texto foi reescrito. Outros foram vítimas de ameaças ou contactados por empresas de relações públicas para remover reportagens em troca de ganhos financeiros.

Em outro país africano, o Congo, santuários de vida selvagem e organizações de proteção animal também demonstraram temor na movimentação intensa de animais sendo exportados para a Índia, de acordo com reportagens divulgadas pela mídia francesa.

Para efeitos de comparação sobre o quão extraordinário é o número de animais “resgatados” até agora pela Vantara, o London Zoo, o zoológico mais antigo do mundo, inaugurado em 1828, abriga aproximadamente 8 mil animais.

Primeiro-ministro da Índia posa com ararinha-azul em inauguração de centro de conservação, envolto em denúncias e polêmicas
Os Ambani durante a inaguração da Vantara: à esquerda, Anant e a esposa, ao centro, o primeiro-ministro, e na direita, o patriarca bilionário
Foto: reprodução Instagram Vantara

Dinheiro não é problema

Ninguém contesta que os Ambani possuem algum impedimento financeiro para investir no projeto da Arca de Noé de Anant. A família vive em um prédio de 27 andares, no sul de Mumbai. É a segunda casa mais cara do mundo, depois do Palácio de Buckingham. Seis andares foram projetados especificamente para a frota de carros, que inclui Mercedes Benz, Ferrari, Bentley, Tesla, Rolls Royce e mais. A garagem tem espaço para acomodar 168 veículos.

Em 2021, a Reliance Industries também ganhou as manchetes dos tabloides britânicos ao arrendar, por £ 57 milhões, a mansão de Stoke Park, nos arredores de Londres. A propriedade, construída em 1908, servia como hotel e campo de golfe para os mais abastados da região. Ela ficaria fechada durante dois anos para algumas obras de restauração, mas depois aberta novamente ao público. Todavia, no ano passado, os ingleses começaram a reclamar que o espaço teria sido transformado em uma casa particular dos Ambani e que um homem teria sido avistado passeando pelos jardins com uma cobra píton envolta do pescoço.

Primeiro-ministro da Índia posa com ararinha-azul em inauguração de centro de conservação, envolto em denúncias e polêmicas
Mark Zuckerberg e Bill Gates estavam entre os 2 mil convidados da pré-festa
de casamento do filho mais novo do bilionário indiano, que durou três dias
(Foto: reprodução Instagram Anant Ambani)

E em 2024, mais uma vez, os bilionários indianos se tornaram um dos assuntos mais comentados das redes sociais internacionais por ocasião do casamento de Anant com Radhika Merchant, herdeira do fundador de uma multinacional farmacêutica. Só para a pré-festa foram três dias de celebrações. Duas mil pessoas foram convidadas, entre elas, celebridades de Bollywood e nomes como Mark Zuckerberg, Ivanka Trump, Bill Gates, o rei e a rainha do Butão e o primeiro-ministro do Catar. A cantora Rihana foi a responsável pelo show principal para o seleto grupo. Todos voaram até Jamnagar em seus jatos particulares.

Ivanka Trump, filha do presidente dos EUA, ao lado de um elefante durante a festa de casamento de Anant
Foto: reprodução Instagram Ivana Trump

Aproximação com a ACTP

Não é claro em que momento a alemã Association for the Conservation of Threatened Parrots e a Vantara se aproximaram. Nem quem deu o primeiro passo. Mas o que se sabe é que ambas as instituições se tornaram bastante próximas e ao longo dos últimos meses têm enaltecido a parceria estabelecida.

Após o envio das 26 ararinhas-azuis em 2023, a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) descobriu que a ACTP pretendia enviar uma nova ‘remessa’ dessas aves para a Índia, mas as licenças de exportação não foram autorizadas pelas autoridades alemãs.

E em meados do ano passado, o Conexão Planeta obteve, com exclusividade, a informação de que um centro de reprodução ex-situ da ararinha-azul estava sendo criado no centro de conservação da Índia (o termo ex-situ se refere à manutenção de espécies fora de seu habitat natural). A notícia foi confirmada pelo Landesamt für Umwelt (LfU), Departamento de Meio Ambiente de Brandenburg, estado alemão onde fica situada a sede da ACTP.

Na época, a ACTP alegou que suas instalações tinham atingido a capacidade máxima na Alemanha e por isso buscou um novo local para continuar o trabalho de reprodução em cativeiro de suas aves, entre elas, a ararinha-azul.

Questionados sobre a criação desse novo centro de reprodução ex-situ, o ICMBio e o Ibama afirmaram estar cientes sobre o fato, mas serem totalmente contrários à decisão.

Há pouco tempo, a ACTP expressou ainda o desejo de enviar todas as aves existentes em sua sede para a Vantara. Por e-mail a Agência Federal de Conservação da Natureza da Alemanha (BfN), confirmou a informação ao Conexão Planeta, “um representante da Association for the Conservation of Threatened Parrots mencionou em uma ligação telefônica que também seria possível mudar toda a associação para a Índia.”

Do lado do Brasil, o ICMBio declarou que até agora nunca recebeu nenhuma solicitação da GZRRC/Vantara para fazer parte do programa de reprodução da ararinha-azul e não existe qualquer parceria entre o governo brasileiro e o referido centro de conservação.

Questionados sobre a posição do Brasil em uma eventual mudança das ararinhas hoje existentes na Alemanha para um local ainda mais longe do habitat nativo da espécie, e não para Bahia, recebemos a seguinte resposta: “Ibama e ICMBio, em sua função de Autoridade CITES brasileira, negaram anuência para transferência de ararinhas-azuis da Alemanha para a Índia. As razões da opção pela Índia em detrimento do Brasil devem ser questionadas à ACTP.”

Ararinha-azul, a ave ameaçada e que instiga a cobiça de criadores do mundo inteiro
Foto: divulgação Zoológico de São Paulo

Transferência ou venda de animais?

Além do envio não autorizado das ararinhas-azuis para a Índia – e o governo brasileiro também admite que ficou sabendo da transferência de outras 49 para criadores europeus sem seu conhecimento ou consentimento -, a grande questão que paira no ar é se houve pagamento da Vantara pelas aves.

Há décadas o proprietário da ACTP, Martin Guth, é alvo de denúncias internacionais sobre sua atuação, um possível envolvimento com o tráfico de aves e a falta de transparência em relação a como os recursos financeiros são obtidos. Na Alemanha, a organização fundada em 2006 tem o registro de uma organização não-governamental.

A ACTP nega que tenha ocorrido pagamento da Vantara pelas araras, no entanto, documentos que fizeram parte da pauta da reunião da CITES, em Genebra, na Suíça, no final de 2023, e quando foi colocada em discussão uma proposta para a comercialização de araras brasileiras, rejeitada veementemente pelo Brasil, mencionavam “significativos valores” envolvidos na transação entre a ACTP e o zoológico indiano.

Em outro documento, a que o Conexão Planeta teve acesso, através da lei de acesso da informação, uma representante alemã CITES revela para a Agência Federal de Conservação da Natureza que a ACTP declarou, tanto para as autoridades da Alemanha como as da União Europeia, que a transferência de quatro ararinhas-azuis para a Bianca’s Birdfarm, na Bélgica, teria sido um “empréstimo” e que as aves permaneceriam como parte do programa de reprodução de conservação.

Entretanto, informações da Bélgica apontam o envio uma fatura da ACTP para a Bianca’s Birdfarm cobrando € 300 mil pelos dois pares de aves, ou seja, quase R$ 2 bilhões por quatro ararinhas-azuis. A fatura não inclui nenhuma referência de que a transação foi apenas um empréstimo.

“Todo o processo envolvendo a transferência das ararinhas–azuis e das araras–de–lear para a Vantara é escandaloso. A cada dia fica mais claro que estamos diante de uma história recheada de corrupção e de conivência de autoridades com o tráfico internacional de espécies ameaçadas da fauna brasileira. A Renctas já apresentou duas representações ao MPF e acompanha de perto essa lamentável situação. O governo brasileiro errou ao se aliar a traficantes de animais travestidos de conservacionistas”, afirma Dener Giovanini, coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres.

Documento mostra o “empréstimo” de seis ararinhas da ACTP para uma fazenda na Bélgica
pelo valor de € 300 mil

Programa de reintrodução em risco

O processo de reintrodução de qualquer espécie na natureza é longo e caro. Ainda mais quando ela foi completamente extinta na vida selvagem, como foi o caso da ararinha-azul. Desde que as 52 primeiras aves pousaram no Brasil há cinco anos, vindas de Berlim, 20 foram soltas no refúgio de Curaçá e dez continuam a ser monitoradas (houve predação, desaparecimentos e necessidade de recaptura, algo que era esperado). Já há o registro também do nascimento dos primeiros filhotes em vida livre, feito esse a ser muito celebrado.

“Existem alguns desafios importantes para a manutenção do programa em longo prazo e para que a população na natureza seja autossustentável. Provavelmente, desde que as ararinhas-azuis começaram a ser capturadas em maior quantidade, a partir das décadas de 1970 em diante, até a sua extinção na natureza, duas décadas depois, este é o momento em que temos a maior população de ararinhas-azuis disponível”, diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de Aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). “O crescimento da população em cativeiro surpreendeu até o mais otimista dos especialistas que lidaram com a espécie nos anos 1990 e 2000. Fundar uma população autossustentável é o grande desafio de qualquer programa de reintrodução, e para que isso ocorra é fundamental e imprescindível que exista uma população em cativeiro que seja robusta em termos do número de indivíduos em idade reprodutiva. Eles são os garantidores de um estoque constante de aves para serem soltas”, explica.

Sabe-se que a ACTP investiu milhões na bem-sucedida reprodução em cativeiro e no programa de reintrodução da ararinha-azul no Brasil (o valor da obra do centro foi de US$ 1,4 milhão, declarou Guth, em 2020, e ele calculava que, anualmente, seriam gastos US$ 180 mil para manter em operação o projeto.)

Mas agora existe um impasse. A parceria entre o Brasil e a ACTP não foi renovada, não obstante, Guth continua sendo o proprietário do maior plantel da espécie.

No Brasil, além das aves do Refúgio de Vida Silvestre de Curaçá, foi criado um centro de conservação da ararinha-azul no Zoológico de São Paulo, construído a partir de um pedido do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) para receber 27 indivíduos, provenientes de um criadouro conservacionista, em Minas Gerais, que deixou de trabalhar com a espécie.

Para Silveira, a entrada de mais parceiros, sejam nacionais ou internacionais, no programa de reprodução deveria ser bem-vinda, desde que sigam as regras definidas pelo Brasil. “Desde que estes se comprometam em seguir o que foi acordado entre as partes, acho saudável para o programa que mais parceiros sejam envolvidos. Mas, ressalto, desde já, que todos os parceiros, independente da localidade, seja no Brasil ou em qualquer outra parte, devem ser guiados pelos protocolos de manutenção e os acordos pactuados”, ressalta.

Ainda segundo ele, a única opção ruim seria manter a maior parte das aves em apenas um local. “É fundamental que as aves em idade reprodutiva sejam dispersas entre parceiros aprovados pelas autoridades brasileiras. Em tempos de gripe aviária e de outras doenças que podem ameaçar o plantel, é fundamental que mais parceiros sejam agregados ao projeto mas, ressalto, que os protocolos e acordos sejam rigorosamente cumpridos e com toda a transparência possível.”

Durante a última reunião dos países membros da CITES, na Suíça, em fevereiro deste ano, representantes da Vantara convidaram a delegação brasileira para visitar o impressionante centro de conservação na Índia. Perguntado, por e-mail, se o convite seria aceito, o ICMBio afirmou que “No âmbito da CITES, o Brasil, coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores, está realizando diálogos com outros países para troca de informações sobre as ararinhas-azuis mantidas em cativeiro no exterior, o que pode envolver uma missão do Brasil para alguns países. Isso está ainda em construção.”

Em Genebra, o Brasil conseguiu também, depois de muito esforço, que governos de países europeus concordassem, sob muita pressão, criar um grupo de discussão sobre as transferências de fauna entre criadores. A União Europeia é conhecida pela legislação bem mais flexível nessa área e com brechas que tem aberto o caminho para a atuação do tráfico ilegal. “Temos uma proposta de cronograma que vamos discutir com autoridades administrativas de outros países nesta semana. A ideia é avançar na troca de informações sobre as ararinhas-azuis em cada um desses países”, revela Leandro Magalhães Silva de Sousa, secretário da Divisão de Biodiversidade da Secretaria de Clima, Meio Ambiente e Energia do Ministério das Relações Exteriores.

Um sheik do Catar e um bilionário indiano

A fascinação dos estrangeiros pela pequena arara brasileira, de plumagem azul, foi um dos motivos que levou a espécie a desaparecer da Caatinga baiana. Assim como Anant Ambani, que agora celebra ter essas aves em Vantara, no passado um outro bilionário também se encantou com a ararinha-azul.

O Sheikh Saoud bin Mohammed bin Ali Al Thani, do Catar, era um apaixonado por aves. Possuía um zoológico particular de espécie raras, e adquiriu duas “coleções” de Cyanopsitta spixii, originárias de criadores das Filipinas e da Suíça.

Com o sucesso da reprodução em cativeiro, a Al-Wabra Wildlife Preservation (AWWP), criada por ele, chegou a ter em mãos o maior plantel de ararinhas-azuis do mundo, 120 aves. A intenção era eventualmente enviar as ararinhas para o Brasil e iniciar um programa de reintrodução.

Entretanto, o sheikh morreu repentinamente em 2014, com apenas 48 anos. E apesar de ter sido firmado um acordo, em 2016, com o governo brasileiro, na gestão do então ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para a repatriação das aves, dois anos depois a AWWP anunciou que devido a instabilidades políticas no Catar e na região foi tomada a decisão de enviar “temporariamente” todas as ararinhas para a sede da ACTP de Martin Guth. Uma nota divulgada então, afirmava que as aves continuariam sendo de propriedade da família do sheik, e a meta era que, já em 2018, “uma grande quantidade de aves fosse transferida para o Brasil”.

Quando as aves foram levadas para a Alemanha, havia um memorando determinando que “elas não poderiam ser compradas ou oferecidos para venda” ou fazer parte de qualquer atividade para fins comerciais.

Agora, mais de uma década depois, a história parece se repetir. Ou tomar um rumo inverso. O que se espera é que a fábula da Arca de Noé, de Anant, que apresenta uma série de problemas de saúde, não termine da mesma forma que a do sheik do Catar.

Vantara não respondeu a questionamentos

O Conexão Planeta entrou em contato por e-mail com a Vantara em 7 de março. Enviamos uma série de perguntas, questionando, por exemplo, se em algum momento o centro de conservação será aberto ao público, como um zoológico; por que ao invés de retirar animais de seus continentes não se investia na reabilitação e reintrodução em seus habitats nativos; e se havia alguma intenção de repatriar as 26 ararinhas ao Brasil. Em um primeiro momento, recebemos o retorno de que a entrevista seria respondida “em breve”. Todavia, nunca mais conseguimos uma resposta, após diversas outras tentativas.

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Foto de abertura: reprodução Instagram Vantara

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Marcel
Marcel
1 mês atrás

A reportagem em questão é claramente mal pesquisada e carrega um viés que ignora fatos essenciais para a compreensão real da situação da ararinha-azul. Se hoje essa espécie ainda existe, devemos isso — e com todas as letras — à criação ex situ, conduzida por instituições e pessoas que tiveram a coragem de agir enquanto outros apenas criavam obstáculos.
Sem o trabalho da ACTP, do sheik que investiu milhões, e de criadores sérios e comprometidos, a ararinha-azul já teria desaparecido para sempre. Não fossem eles, restariam apenas as belas palavras e a burocracia vazia dos órgãos oficiais brasileiros, como IBAMA e ICMBio, que infelizmente se especializaram em dizer “não”: não pode, não vai, não aceitamos, acordo cancelado, empecilho criado. Soluções concretas, essas nunca vêm desses órgãos. Se dependêssemos apenas deles e dos fanáticos que muitas vezes ocupam esses espaços, a ararinha-azul já seria uma página triste e encerrada da nossa história natural.
É necessário que a academia também tenha a humildade de reconhecer que a criação ex situ — seja comercial ou conservacionista — é, sim, uma ferramenta legítima e complementar de conservação. Não há espaço para purismos que só servem para travar o progresso. O que importa é salvar a espécie. E mais: qual seria o problema de comercializar algumas ararinhas para fomentar e sustentar o próprio programa de reintrodução? Quem achar isso um absurdo, que crie um fundo específico, que abra a carteira, ou que destine o próprio salário para custear o projeto, ao invés de criticar cegamente a ACTP e os criadores responsáveis.
A crítica vazia não sustenta a conservação. O que sustenta são ações concretas, investimento e coragem para sair do discurso e fazer a diferença.

Fábio Eller
Fábio Eller
27 dias atrás
Responder para  Marcel

Você está um pouco enganado, o sheik e a ACTP que deram início a extinção desta espécie, quando eles e os seus amiguinhos colecionadores de aves compravam e encomendavam com traficantes para retirá-las da natureza daqui do Brasil, então não é bem assim não. Eles não são os salvadores da pátria não, eles que provocaram isso! Já em relação ao comportamento dos órgãos ambientais concordo em parte, pois acho que eles poderiam realmente fazer mais. Agora dizer que a criação comercial de animais é uma ferramenta de conservação,você está completamente enganado. Falar da vida é direito dos animais não tem relação alguma com travar o progresso. Qual progresso? Da escravização de animais para satisfazer o ego humano? Você disposição para se sentir como uma Ararinha-azul aprisionada durante um mês dentro de uma jaula comendo só arroz, defecando e urinando no chão da jaula com apenas uma limpeza por dia da jaula? Você tem essa disposição? Por que você não experimenta na própria pele este tipo de experimento? Depois você me diz como foi!

Pranay Maheshwari
Pranay Maheshwari
1 mês atrás

I anticipate and am very hopeful that Mukesh Ambani or his megalomaniac son and Vantara will make sure to get this article taken down from the internet. The same thing was done to South African Environmental Organization’s Article which had raised eyebrows across the globe. Within 2 days the article vanished from the internet. Your Article will also see the same fate, unfortunately.

Vantara is illegal and needs to be probed. All nations need to raise collective questions to Government of India and ask papers about the relocation of each animal no matter what.

Brasil é nosso
Brasil é nosso
20 dias atrás
Responder para  Pranay Maheshwari

….and the article is still here!! But the story isn’t about a parrot, It is about human greed, Greenwashing and tons of money!

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