Franciscus Bernardus Maria de Waal, conhecido como Frans de Waal, foi um dos mais renomados primatólogos do mundo, em décadas. Faleceu em 14 de março, aos 75 anos, em Atlanta, na Geórgia (EUA) – onde vivia e lecionava na Universidade de Emory – devido a um câncer no estômago.
“De Waal desarticulou ideias arraigadas sobre o que significa ser um animal e um ser humano“, destaca o comunicado divulgado pela Emory. “Ele demonstrou as raízes da natureza humana em nossos parentes vivos mais próximos por meio de seus estudos sobre resolução de conflitos, reconciliação, cooperação, empatia, justiça, moralidade, aprendizado social e cultura em chimpanzés, bonobos e macacos-pregos”.
Nasceu em Hertogenbosch, Holanda, em 1948 e, desde pequeno, manifestou fascínio pela natureza e pelo comportamento dos animais.
Formou-se em Zoologia e Etologia (parte da Biologia que estuda o comportamento dos animais (incluindo os seres humanos; sua disciplina favorita) e tornou-se doutor em Biologia pela Universidade de Utrecht em 1977. Durante essa formação, começou a estudar os chimpanzés do zoológico de Arnhem, na Holanda, e não parou mais de se dedicar à pesquisa dos primatas.
Personalidades e intenções
Nos anos 70, a respeitada cientista britânica Jane Goodall, entre outros pesquisadores, já havia descoberto que esses animais tinham diversas habilidades, muito semelhantes a dos seres humanos como a capacidade de usar ferramentas, de caçar de forma coordenada e de estabelecer relacionamentos contínuos com integrantes do mesmo bando.
Em parceria com pesquisadores americanos e europeus, De Waal se dedicou à observação de grupos de primatas em cativeiro, introduzindo detalhes ou indo além dessas primeiras constatações. Revelou, por exemplo, que interações entre chimpanzés dependiam do entendimento da personalidade e das intenções dos companheiros de espécie.
Foi um dos principais responsáveis por fazer uma revolução na visão da ciência sobre comportamento e cognição de primatas. E logo se destacou por suas pesquisas criativas e ousadas.
Acreditava que os animais poderiam ter sentimentos e cognição similares aos dos seres humanos, por isso, recusava-se a aceitar a ideia de “antropomorfismo”. Para ele, se o Homo sapiens e os grandes símios são tão próximos, por que não haveria semelhança entre nossas mentes e as deles?
Empatia e gentileza
Com a publicação do livro Chimpanzee Politics (Chimpanzés Políticos), em 1982, ganhou ainda mais fama. Baseado em suas observações sobre a luta pelo poder na colônia de chimpanzés do Zoológico de Burgers, em Arnhem, Waal oferece uma visão radicalmente nova da liderança dos macacos: não se trata da força bruta e da aplicação direta do poder, mas sim da mediação de conflitos e da gestão cuidadosa de alianças que caracterizam a vida de um líder dos macacos.
Ele identificou aspectos como empatia e gentileza também nos machos alfa dos chimpanzés (assista à apresentação de Waal num TED, no final deste post). O sucesso foi tanto que, , na década de 1990, o senador republicano conservador Newt Gingrich recomendou o livro como leitura educacional para jovens membros do Congresso americano.
O primatólogo dizia que chimpanzés buscavam se reconciliar depois de uma briga intensa, como alguns humanos. Refutava o uso de termos neutros ou científicos para descrever interações que se revelavam apaziguadoras entre os animais.
Por usar termos inovadores e ousados para designar suas observações e testar suas ideias de forma bastante criativa, tornou-se conhecido como especialista em “entrevistar animais na sua própria língua”, como destaca a Etologia.
Senso de justiça
Foi assim que De Waal e Sarah Brosnan (sua orientanda) chegaram a um de seus experimentos clássicos, realizado com macacos-pregos e publicado em 2003.
Ao notar que os indivíduos da espécie gostavam tanto de pepino quanto de uva, mas pareciam preferir a fruta ao legume, realizaram um teste para identificar o que aconteceria se um macaco-prego ganhasse uma fatia de pepino em vez de uva depois que seus companheiros de grupo ganhassem uvas. Pois bem, o animal atirava a fatia de pepino na cara do tratador!
E, assim, Brosnan e De Waal concluíram que a espécie tem o que chamamos de senso de justiça.
Ele também fazia questão de destacar que, em termos genéticos, somos próximos dos bonobos ou chimpanzés-pigmeus, espécie pacífica, mesmo entre bandos diferentes. Além disso, as fêmeas são socialmente dominantes e, quando há qualquer tensão social, resolvem por meio do sexo.
Ao jornal Folha de SP, em entrevista recente, De Waal declarou: “Nós somos a única espécie que tem preconceito com indivíduos que fogem à norma” […] “Primatas têm disputa de liderança e poder na hierarquia social, mas se existem indivíduos do sexo feminino que fazem sexo com outras fêmeas, elas não são discriminadas”.
“Movi os macacos um pouco para cima e as pessoas um pouco para baixo”
Frans de Waal foi um grande divulgador científico. Fez diversas palestras ao vivo e online, era citado em debates, deu muitas entrevistas na TV e publicou 16 livros. Nas últimas obras, abandonou o foco exclusivo nos primatas para falar dos animais de forma mais abrangente. Dois exemplos dessa transformação são O Último Abraço da Matriarca (emoções dos animais) e Diferentes (visão biológica sobre sexo e gênero).
Em 2007, ele foi incluído na lista da revista TIME das 100 pessoas mais influentes do mundo.
Em 2012, De Waal e a colega Jennifer Pokorny ganharam o Prêmio IgNobel, uma paródia do Prêmio Nobel realizada pela Universidade de Harvard, na qual autores de pesquisas, experimentos e outras atividades inusitadas, nas diversas áreas da ciência, são destacados pela diversão e reflexão que provocam.
A honraria se deve ao estudo Faces and Behinds: Chimpanzee Sex Perception (Rostos e traseiros: percepção sexual do chimpanzé), realizado pelo dois pesquisadores que mostrou que chimpanzés conseguiam reconhecer colegas de bando só de olhar fotografias de seus traseiros (leia o artigo publicado no site American Scientific Publishers).

Foto: divulgação
Com sua fala calma, De Waal disseminou o grande conhecimento adquirido e o amor incondicional pelos nossos semelhantes. Com ele, o mundo dos macacos tornou-se muito humano.
Em seu trabalho, os macacos são muito mais parecidos com os humanos e os humanos são muito mais parecidos com os macacos do que imaginamos. Em discurso de 2014 sobre seu trabalho, brincou: “Movi um pouco os macacos para cima e as pessoas um pouco para baixo”.
A seguir, assista ao TED no qual Frans de Waal fala de sua pesquisa que revela algumas das qualidades inesperadas dos chimpanzés machos alfa – generosidade, empatia e, até mesmo, a manutenção da paz – e esclarece as lutas pelo poder dos políticos. “Alguém grande e forte, que intimida e insulta a todos, não é necessariamente um macho alfa”.
E acrescentou: “A humanidade é, na verdade, muito mais cooperativa e empática do que se pensa”.
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Fontes: Folha de SP, Improbable, G1
Foto (destaque): divulgação