Atualizado em 30/11/2022
Infelizmente, o PL do Lobby foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Agora, resta ao Senado minimizar os impactos contra a sociedade civil e a Constituição: leia aqui.
___________________
O Projeto de Lei 4391/2021 foi encaminhado ao Congresso Nacional por Bolsonaro, em 9 de dezembro de 2021, Dia Internacional Contra a Corrupção (parece piada). Desde agosto deste ano, tramita na Câmara dos Deputados, quando o Requerimento 630/2022, de autoria do deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), foi aprovado, garantindo que o PL seja votado diretamente no plenário, sem passar por comissões.
Passadas as eleições – e com o presidente enfurnado no Palácio do Planalto desde sua derrota – os parlamentares da base de apoio do governo tentaram colocar o PL na pauta de votação em 8 de novembro, sem sucesso. Vão tentar amanhã, 22 de novembro, novamente.
Por isso, mais de 70 organizações não-governamentais, institutos e movimentos sociais ligados às questões ambientais e defesa de direitos humanos – entre elas, a APIB – Articulação dos Povos Originários do Brasil, WWF-Brasil, Médicos Sem Fronteiras, Observatório do Clima, ISA – Instituto Socioambiental, Greenpeace Brasil, Transparência Brasil, Instituto Akatu e SOS Mata Atlântica – se uniram para assinar uma carta de total repúdio (leia na íntegra, mais abaixo) à votação.
“As organizações que assinam este documento defendem a existência de mecanismos claros e transparentes de exercício da participação e do controle social das atividades e decisões públicas, reduzindo as desigualdades de representação existentes e estimulando essa participação. Estamos dispostos a enfrentar esse debate e buscar soluções de forma franca e colaborativa no próximo período legislativo, com a seriedade e a profundidade que o tema merece e o Brasil precisa”, justificam.
Lobby X sociedade
O PL propõe regulamentar o lobby junto ao poder público – a pretexto de atender às recomendações da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Não é à toa que ele ficou carinhosamente conhecido como PL do Lobby -, ao mesmo tempo que restringe a participação da sociedade civil.
À época de seu lançamento, o Poder Executivo tratou de afirmar que a proposta não regulamenta a profissão de lobista, mas, sim, a atividade, “que pode ser exercida de modo eventual por pessoas de profissões diversas”.
De acordo com o site Poder 360º, o ministro do CGU – Controladoria Geral da União, Wagner Rosário, declarou na ocasião que “lobistas que cometerem irregularidades serão registrados em um cadastro e não poderão atuar junto ao poder público por até cinco anos”.
A seguir, leia o manifesto assinado por mais de 70 organizações e movimentos sociais.
O manifesto, na íntegra
“No apagar das luzes da legislatura e do atual governo, está na pauta da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 4391/2021, de autoria do Poder Executivo, que regula a representação de interesses privados e da sociedade civil junto a agentes públicos, atividade conhecida como lobby.
Apesar de ser um tema que necessita de regulamentação legal e de ser discutido há quase três décadas no Legislativo, o conteúdo do “PL do Lobby” e a urgência com que se pretende apreciá-lo em plenário, neste momento, trazem ameaças graves ao direito à participação social junto ao Legislativo, Executivo e Judiciário.
O último substitutivo prevê penalidades que vão da multa à suspensão do direito de participação em fóruns públicos, para condutas como “constranger ou assediar participantes de eventos” ou “deturpar o teor de dispositivo de lei, de nota técnica ou ato de autoridade”.
São infrações altamente subjetivas, que permitirão a qualquer autoridade que se sinta contrariada com o posicionamento ou o questionamento de uma organização da sociedade civil abrir um procedimento administrativo e penalizar aqueles que a criticarem ou a seus aliados.
Da forma como está, portanto, o substitutivo limita severamente o direito democrático de participação e manifestação da sociedade civil, o que contraria não só a Constituição, como tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Diversos setores da sociedade e parlamentares tentaram corrigir os equívocos da proposta. Persistem, no entanto, as principais ameaças ao acesso e à participação social, à transparência e controles contra a corrupção e, assim, ao exercício da democracia.
As comissões temáticas da Câmara pertinentes ao tema sequer tiveram oportunidade de apreciar devidamente a matéria, ouvir a sociedade e analisar as implicações das regras propostas.
Causa ainda mais receio a eventual aprovação do projeto no contexto do final do atual governo, que, durante quatro anos, atuou fortemente para extinguir e esvaziar os espaços institucionais de participação social, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o conselho gestor do Fundo Amazônia, a serem recompostos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O projeto mantém graves lacunas sobre a isonomia, ao estabelecer regras idênticas para setores com características diversas e que defendem direitos e interesses completamente diferentes, igualando a representação de interesses econômicos aos defensores de interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos. A natureza indivisível do bem jurídico relacionado aos interesses de defesa do meio ambiente equilibrado ou dos direitos humanos, por exemplo, não pode ser equiparada à representação profissional ou de interesses privados.
O PL também desconsidera as diferentes capacidades financeiras, políticas, técnico-administrativas e de influência existentes entre os múltiplos setores da sociedade, no exercício de seus direitos de representação junto aos poderes públicos, especialmente no Legislativo. Uma penalidade aplicada sobre uma organização sem fins econômicos, indígena ou quilombola, por exemplo, não teria o mesmo impacto caso feita sobre uma instituição dos setores industrial, da mineração ou do agronegócio.
Além disso, alguns grupos privados têm meios e mecanismos de articulação diferentes para exercer sua influência e fazer valer seus interesses, não exatamente por meio das atividades de lobby que o PL propõe regular.
Uma legislação equilibrada deveria equiparar o acesso de diferentes atores sociais aos poderes constituídos, considerando as desigualdades existentes entre eles, e estabelecer regras e procedimentos específicos para cada contexto, estimulando a participação social, o pluralismo de ideias e limitando a hegemonia de interesses privados e individuais nas esferas públicas.
Entretanto, o controle estatal que se propõe no projeto não torna o processo mais transparente e impessoal. Pelo contrário, tal controle configura ameaça direta aos mais basilares princípios democráticos.
Cremos que esse não é o momento adequado, nem a forma ideal de pautar uma matéria de importância tão estratégica. A tão necessária regulamentação do lobby não deve ser feita de forma apressada e anacrônica pela Câmara dos Deputados, desconectada da conjuntura do novo governo e do novo Parlamento eleitos, especialmente diante das graves ameaças à participação da sociedade previstas nos substitutivos apresentados até o momento.
O Congresso deve ser um espaço onde a participação popular é incentivada, estimulada, e não restringida. O STF já decidiu que “a livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático”.
As organizações que assinam este documento defendem a existência de mecanismos claros e transparentes de exercício da participação e do controle social das atividades e decisões públicas, reduzindo as desigualdades de representação existentes e estimulando essa participação. Estamos dispostos a enfrentar esse debate e buscar soluções de forma franca e colaborativa no próximo período legislativo, com a seriedade e a profundidade que o tema merece e o Brasil precisa”.
Assinam o documento as seguintes organizações:
- 350.org Brasil
- ACT – Promoção da Saúde
- Aliança Nacional LGBTI
- APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
- Artigo 19
- Associação Civil Alternativa Terrazul
- Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh)
- Associação Fiquem Sabendo
- Associação Mais LGBT
- Associação Mulheres na Comunicação
- Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro
- Associação Wyka Kwara
- Católicas pelo Direito de Decidir
- CDDH Dom Tomás Balduíno de MARAPÉ ES
- Centro Burnier Fé e Justiça
- Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
- Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)
- CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
- Coding Rights
- Coletivo Arewá
- Coletivo Digital/SP
- Coletivo EMPODERA!
- Coletivo Feminista Classista Maria vai com as Outras
- Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBPJ) da CNBB
- Comissão Pastoral da Terra
- Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente a Mineração
- Conectas Direitos Humanos
- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
- Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
- Criola
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS)
- Fórum da Cidadania de Santos
- Fórum de Direitos Humanos e da Terra MT
- Freeland – Brasil
- Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal
- Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
- Gambá – Grupo Ambientalista da Bahia
- Greenpeace Brasil
- Grupo Dignidade pela Cidadania
- Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
- Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
- Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (Ibdsex)
- Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
- Instituto de Referência Negra Peregum
- Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Instituto Gaia Escola
- Instituto Kabu
- Instituto Não Aceito Corrupção ▪ Instituto Soma Brasil
- Instituto Soma Brasil
- Instituto Talanoa
- International Rivers – Brasil
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
- IROHIN Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro- Brasileira
- ISA – Instituto Socioambiental
- ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza
- LBL – Liga Brasileira de Lésbicas
- Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
- Médicos Sem Fronteiras.
- Movimento Camponês Popular
- Movimento de Meninos e Meninas de Rua de Goiás
- MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
- NOSSAS
- Observatório do Clima
- Pacto pela Democracia;
- Projeto Saúde e Alegria
- SOS Mata Atlântica
- Terra de Direitos
- Transparência Brasil
- Uma Gota no Oceano
- WWF-Brasil.
________________
Leia também:
– Vitória do meio ambiente: STF garante à sociedade civil sua participação em conselhos e proíbe o licenciamento ambiental automático
– Rosa Weber suspende decreto de Bolsonaro, que reduziu participação da sociedade civil no Conselho de Meio Ambiente
– Ministério do Meio Ambiente quer mudar regras do Fundo Amazônia e usar recursos para desapropriar terras
Foto: Luiz Alcântara/Câmara dos Deputados
O lobby é uma excrescência inominável. Algo que busca os grandes interesses materiais é financeiros em benefício de grandes corporações. Principalmente do mercado financeiro, do agronegocios, e da indústria como um todo. Faz mal a coletividade como as classes sociais menos favorecidas. Já mais deveria existir em qualquer parte do mundo. Principalmente em nosso país o Brasil.