O Brasil recebeu, no sábado passado, 6/11, o antiprêmio Fóssil do Dia, concedido por uma rede de mais de 1.500 organizações ambientalistas aos países que “fazem o melhor para ser os piores” na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP26.
Segundo a Climate Action Network (CAN), o país mereceu o troféu da vergonha por conta do “tratamento tenebroso e inaceitável aos povos indígenas”.
Na segunda-feira, 1/11, a estudante de direito Txai Suruí, 24 anos, foi agredida verbalmente por um membro da delegação brasileira após discursar na Cúpula dos Líderes, que reuniu mais de uma centena de chefes de Estado e governo na abertura da COP.
Ela foi a única voz brasileira a falar no segmento de abertura, diante de Joe Biden, António Guterres, Angela Merkel e outros líderes globais. O presidente Jair Bolsonaro alegou indisponibilidade de agenda para ir à COP e resolveu fazer uma homenagem a si mesmo no interior da Itália, com políticos de extrema-direita.
Em seu discurso, Txai foi aplaudida por abordar a situação da Amazônia e os impactos que os indígenas já sofrem com as mudanças climáticas. Na saída, foi assediada por um delegado brasileiro, que gritou para ela “parar de falar mal do Brasil”. O homem foi posteriormente identificado como funcionário do Ministério do Meio Ambiente.
“Depois da minha fala eu fui intimidada por um funcionário do governo que me disse para não atacar o Brasil. Também fui atacada pelo presidente Jair Bolsonaro e agora estou recebendo muitas mensagens racistas e odiosas nas redes sociais”, declarou Txai Suruí em vídeo que você pode assistir, em inglês, no final deste post.
Houve pelo menos mais uma altercação entre membros da delegação do Brasil e observadores indígenas na COP26. Um deputado do Mato Grosso foi abordado por seguranças da ONU após provocar mulheres indígenas nos corredores na quarta-feira.
A Climate Action Network destacou que “tal comportamento desprezível é bem documentado no Brasil: o garimpo está poluindo rios, intimidações ocorrem o tempo todo (o pai de Txai, o cacique Almir Suruí, foi intimado pela Polícia Federal a mando da Funai, por criticar o governo) e eles têm um vice-presidente que justificou a recusa em mandar água potável para aldeias atingidas pela Covid porque ‘os índios se abastecem dos rios’. Poderíamos continuar aqui falando de florestas e desmatamento, mas você já entendeu”.
Este é o primeiro Fóssil do Dia dado ao Brasil em Glasgow. Na COP25, em Madri, em 2019, o país recebeu o Fóssil do Ano por ter feito de tudo para atrapalhar as negociações (e se recusado a sediar a própria COP).
Em 2020, o Brasil recebeu o Fóssil Colossal por ter sido o que mais restringiu o espaço de participação da sociedade civil. Isso se reflete na própria composição da delegação brasileira em Glasgow, que tem 15 lobistas da indústria e do agronegócio, 25 empresários, cinco primeiras-damas e nenhum ambientalista ou indígena (nos governos Lula, Dilma e Temer a política oficial do Itamaraty era credenciar todo mundo).
Os ambientalistas reconheceram que o país chegou em Glasgow num espírito diferente do visto em Madri, com mais autonomia dada pelo governo aos diplomatas para negociar e assinando acordos sobre metano e florestas. A CAN atribui essa mudança de atitude à ausência de Bolsonaro na COP.
O Ministério do Meio Ambiente foi procurado sobre o caso de Txai Suruí, mas ainda não havia se manifestado até o fechamento deste post.
Assista ao vídeo gravado por Txai Suruí, no qual ela relata a agressão na COP26:
Este texto foi publicado originalmente no site do Observatorio do Clima (OC) em 6/11/2021, e reproduzido aqui, no Conexão Planeta, por Mônica Nunes
Foto: Fotos Públicas
É desconcerteante para nós brasileiros e brasileiras saber que temos representantes de Estado capazes de se comportar de maneira tão desprezível. Espero que um dia o Brasil possa cosntruir uma nova era de justiça socioambiental.