PF de Rondônia arquiva inquérito aberto a pedido da Funai contra o líder indígena Almir Suruí

PF arquiva inquérito aberto a pedido da Funai contra o líder indígena Almir Suruí

Quatro dias depois (30/4) de convocar a líder indígena Sonia Guajajara e a instituição que ela coordena – Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) – para depor devido a uma denúncia da Funai (Fundação Nacional do Índio), a Polícia Federal intimou Almir Narayamoga Suruí, líder do povo Paiter Suruí, em Rondônia.

As acusações são semelhantes: propagar “mentiras” contra o governo pela internet.

No caso de Sonia, a Funai ataca o evento Maracá – Emergência Indígenaque teve a participação de lideranças de todo o país e personalidades de diversas partes do planeta -, realizado em um domingo de agosto de 2020 com o objetivo de arrecadar recursos para combater a pandemia em terras indígenas e que, por consequência, denuncia violações de direitos cometidas pelo governo no contexto da pandemia da Covid-19. O encontro virou websérie.

No caso de Almir, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva (ex-delegado da PF, conhecido por seu engajamento a favor dos ruralistas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, em 2016), o acusou de “possível existência de crime de difamação em campanha na internet praticado em desfavor da Funai por integrantes do Instituto Wãwã Ixoth e Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí”.

Na verdade, tudo começou no ano passado, quando Xavier enviou ofício à direção-geral da PF, em Brasília – na época, ocupada pelo delegado Rolando Alexandre de Souza – para reclamar da campanha virtual “Povos da floresta contra a Covid-19”.

A mobilização foi lançada pelo povo Suruí em setembro, também para arrecadar recursos e oferecer aos indígenas condições para se proteger do coronavírus.

Inquéritos arquivados

Esta semana, os dois casos foram arquivados, no mesmo dia: 5 de maio.

O primeiro, por determinação da Justiça Federal do Distrito Federal, como contamos aqui, no Conexão Planeta.

O juiz Frederico Botelho de Barros Viana declarou que as denúncias da Funai “não trazem quaisquer indícios, mínimos que fossem, de existência de abuso de exercício de direito ou de cometimento de qualquer espécie de crime, seja contra terceiros, seja contra a União”.

Já o inquérito contra Almir foi arquivado por decisão dA Polícia Federal de Rondônia, estado onde está localizada a Terra Indígena 7 de Setembro, dos Paiter Suruí.

Para o delegado Jorge Florêncio de Oliveira, de Ji-Paraná (RO), a mobilização alvo de Xavier apenas “divulgou informações com o escopo de descrever o sentimento de pavor frente à pandemia vivenciada pelo povo indígena Suruí, todavia, sem a intenção de atacar a honra objetiva da Funai”.

Veja outro trecho do relatório: “Não se vislumbra o crime do indivíduo que age com intenção de narrar fato ou defender direito. As investigações demonstraram que os representantes do Instituto Wãwã Ixotih e Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí promoveram campanha com a finalidade de arrecadação de mantimentos para famílias que habitam nas aldeias da Terra Indígena Sete de Setembro, sem a pretensão de macular a reputação da Funai, isto é, o bom conceito que ela desfruta na coletividade”.

Para justificar sua decisão, a PF ainda cita trecho do depoimento de Almir, no qual ele explica que “a exposição só aconteceu por que os mantimentos de comida e higiene faltaram dentro do território, e não existe nenhum auxílio do Estado. (…) O Povo Paiter é guardião da floresta – e está sob o risco da dizimação (…) Está faltando alimentos básicos”.

Agora, o inquérito deve ser encaminhado à Justiça Federal com a decisão da PF anexada. Após parecer do Ministério Público Federal (MPF), o arquivamento precisa ser confirmado pela Justiça.

Perseguição e ameaça

É inadmissível que a Funai – órgão criado em 5 de dezembro de 1967 com o objetivo de proteger e promover os direitos dos povos indígenas brasileiros -, neste governo, tenha sido ocupado por pessoas que trabalham para atacá-los.

Para se compreender a dimensão do cenário, basta lembrar que Marcelo Xavier assumiu a presidência do órgão em junho de 2019, por indicação do ministro Onyx Lorenzoni, com apoio de líderes da bancada ruralista, em especial de Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Mapa) e ex-presidente da UDR (União Democrática Ruralista).

Nabhan é conhecido pelo ódio que destila contra os indígenas. Apoiou as milícias rurais que atacaram a região do Pontal do Paranapanema (SP), de 1990 e 2000, de acordo com o Observatório do Agronegócio no Brasil.

Vale lembrar que, em abril de 2020, Xavier revelou bem a quem serve à frente da Funai: assinou medida que revoga garantias fundamentais previstas na Constituição, chancelando títulos, posses e invasões em terras indígenas, legitimando a violência e incentivando conflitos.

Nas redes sociais, assim que recebeu a intimação, Sonia Guajajara escreveu: “A perseguição desse governo é inaceitável e absurda! Eles não nos calarão!”.

Em nota, a Apib declarou: “O governo busca intimidar os povos indígenas em uma nítida tentativa de cercear nossa liberdade de expressão, que é a ferramenta mais importante para denunciar as violações de direitos humanos. Atualmente, mais da metade dos povos indígenas foi diretamente atingida pela Covid-19, com mais de 53 mil casos confirmados e 1.059 mortos“.

Assim que foi intimado, Almir anunciou o fato por meio de nota, declarando a solidariedade do povo Paiter Suruí à Sonia:

Recebemos a intimação da Polícia Federal no último dia 30/4, sob a acusação de que estaríamos difamando a Funai e o governo federal. Por conta do horário em que fomos intimados, nosso advogado (Dr. Ramires Andrade) ainda não teve acesso ao inquérito, o que deve ocorrer nesta segunda feira. Vamos enfrentar e responder à altura, tanto no campo jurídico quanto no campo político”.

Declarou que, apesar da tristeza profunda causada pela ação, ela não foi uma surpresa: “Há muito a FUNAI deixou de ser um órgão de defesa, assistência e proteção dos povos e dos territórios indígenas. A Funai e o Governo Bolsonaro promovem perseguições para constranger as lideranças indígenas, para deslegitimar nossas lutas e reafirmar sua sórdida e genocida política de destruição ambiental e de extermínio dos nossos povos“.

E finalizou: “Tentam calar nossas vozes, mas não conseguiram. Nossas vozes ecoam no mundo. Permaneceremos de pé e lutando contra esse governo genocida”.

Estamos com eles! Proteger, valorizar e lutar pelos povos indígenas é reconhecer sua origem e sua importância para a manutenção da vida de todos nós no país. Sem eles, será impossível resistir. E viver.

Nova Funai”

Ontem, 6 de maio, em suas redes sociais, a Apib divulgou post comentando a atuação da Funai, que nunca foi perfeita na missão de proteger os povos indígenas, mas que, na gestão de Bolsonaro, tem se tornado um pesadelo. E revelou que, mesmo depois dos arquivamentos das denúncias contra Sonia e Almir, as intimidações continuam.

“O novo é o nosso pior passado! O órgão do Governo Federal cuja missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos do Brasil, hoje persegue e tenta intimidar organizações e lideranças indígenas”.

O texto ressalta que, justamente no mês de abril, marcado pela maior mobilização indígena no país, o Acampamento Terra Livre, e uma semana depois da Cúpula do Clima – onde Bolsonaro declarou que protegeria o meio ambiente e os povos originários -, “a Polícia Federal iniciou uma série de intimações de lideranças a mando da Funai, evidenciando uma ação de perseguições políticas“. 

E conta que a entidade está recebendo novas denúncias, desta vez, conta coordenações regionais. Veja:

“Estamos tomando as medidas cabíveis na Justiça e expondo publicamente esta estratégia de tentar cercear nossa liberdade de expressão, que é a ferramenta mais importante para denunciar as violações de direitos humanos

Reforçamos que a Justiça Federal anulou, no dia 5 de maio, a pedido da Apib, o inquérito que mira Sonia Guajajara, uma das coordenadoras executivas da organização. E que, no mesmo dia, a Polícia Federal de Rondônia arquivou a investigação aberta contra Almir Suruí. Ambos os inquéritos foram abertos a pedido da Funai e acabaram sendo anulados pois as acusações de difamação contra o Governo Federal são infundadas.  

Agora, a presidência da Funai intimida as suas Coordenações Regionais (CRs) para que investiguem os apoios dados aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19 pela Apib, seus representantes e parceiros. 

 A Funai é fruto da luta histórica dos povos por direitos e seguiremos na resistência honrando a luta dos nossos ancestrais. Gestões passam, mas a Funai fica!”.

E finaliza com um ‘grito de guerra’: “Quem és tu colonizador, para tentar nos calar? Todos nós somos Apib!”.

Com informações da Apib, do UOL, G1 e Brasil de Fato.

Foto: Gabriel Ushida/Divulgação Kanindé

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.