“São 31 anos de profissão. Em todo esse período, nunca fotografei tanta destruição. São imagens que retratam não apenas a tragédia ambiental, mas também, a tragédia humana. A catástrofe que atingiu Brumadinho (MG) deixou um rastro de destruição por todos os lugares”.
O relato acima é de Ricardo Stuckert, em sua página no Facebook. Natural de Brasília, sua família é toda de fotógrafos. Bisavô, avô, pai, tio e irmão trabalharam e trabalham com o fotojornalismo. É colaborador de grandes publicações nacionais e internacionais, entre elas, a National Geographic. Durante os oito anos do governo Lula, foi o fotógrafo oficial da presidência. Também fez um belíssimo ensaio sobre os indígenas brasileiros na Amazônia.
Nos últimos dias, todavia, Stuckert fotografou a dor, o sofrimento, a morte. E também, a luta incansável dos bombeiros que, sem descanso, tentam achar sobreviventes entre os quase 300 desaparecidos, após o rompimento da barragem de minérios da Vale, em Brumadinho. “Eles carregam no rosto a dor, mas também a esperança. Buscam por todos os lugares qualquer sopro de vida que ainda esteja por ali”, contou nas redes sociais.
Stuckert é um dos muitos fotógrafos que estão em Minas, registrando essa imensa tragédia. As fotos tornam um pouco mais real, para aqueles que estão distantes, o sentimento de quem está no local. Ou do que restou dele.
São imagens de uma catástrofe anunciada, parafraseando o título do livro de Gabriel Garcia Márquez, “Crônica de uma morte anunciada ”. Assim como no romance do escritor colombiano, muitos sabiam da possibilidade do rompimento iminente de algumas das muitas barragens de minério, de empresas atuando no Brasil – ainda mais depois do desastre de Mariana, em 2015 -, mas mesmo assim, todos se mantiveram calados diante do trágico destino de mais esses 300 brasileiros… Vítimas da Vale, vítimas da fiscalização praticamente inexistente do governo, vítimas do descaso pela vida humana e pelo meio ambiente.
Abaixo seguem os emocionantes flagrantes feitos, desde a última sexta, por Ricardo Stuckert:
Leia também:
Brumadinho chora — e se ajuda
Brumadinho: um ‘Vale’ de mortes, de desaparecidos e de impacto ambiental
Samarco sabia do risco do colapso da barragem e não fez nada, acusa procurador responsável pela investigação da tragédia
BHP Billiton, sócia da Vale na mineradora Samarco, é processada na Inglaterra por tragédia do Rio Doce
Manobra jurídica tenta livrar executivos da Samarco da acusação de homicídio no desastre de Mariana
Samarco oferece indenização para prefeituras que desistirem do processo movido na Inglaterra
Justiça condena mineradora Vale a indenizar comunidades indígenas Xikrin e Kayapó, no Pará
Fotos: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas
Pode-se seguir o trajeto da lama nesse rosto sofrido e neste olhar que são também o rosto de cada um de nós e os olhos de onde lágrimas não caem, represadas no espanto. Perguntas sem respostas nesse rosto onde imagens de outros rostos fixados, são muitos em um só. Não o mapa da mina neste rosto, mas o mapa de Minas, para onde viajam todas as preces do mundo, pelos vivos e pelos mortos, animais e pessoas, que ali estavam no caminho da desgraça e poderia ser qualquer um de nós, nosso cavalo, nosso cão, nosso filho, nosso pai e a gaiola com o passarinho morto morando nela, porque não o libertaram antes da morte. Pode-se ler tudo nesse rosto, por onde andou e tudo o que olhou sem ter querido ver e tudo o que pensou, lutando para não pensar: quase revolta, quase rancor, quase raiva de Deus.