
As jovens Txai Suruí, de 25 anos, e Alice Pataxó, de 20, são importantes vozes de luta dos povos indígenas do Brasil e, como reconhecimento por suas trajetórias marcantes, acabam de vencer o prêmio Faz Diferença promovido pelo jornal O Globo desde 2003, que reconhece o trabalho, a dedicação e o talento de brasileiros que, em diversas áreas de atuação, são inspiração para o país e o mundo, a cada ano.
Por suas atuações na COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, elas foram escolhidas para participar da 19ª edição do prêmio, concorrendo na categoria País ao lado de Danicley de Aguiar, engenheiro agrônomo e porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, e da médica Luana Araújo, que se destacou na CPI da Pandemia, realizada pelo Senado em 2021.
Durante a COP26, que aconteceu em Glasgow, na Escócia, e recebeu a maior delegação indígena de sua história – 40 lideranças -, as ativistas atraíram a atenção do mundo para a realidade desses povos e a urgência de incluí-los nos debates sociais, ambientais e climáticos, já que são os verdadeiros guardiões da floresta.
Txai discursou na Cúpula de Líderes da COP26 (como contamos aqui) e Alice no COY16, versão jovem da conferência climática.
Quando voltaram ao Brasil, as duas estiveram juntas no programa Roda Vida, da TV Cultura: Txai e seu pai, o cacique Almir Suruí, como entrevistados, e Alice na bancada de entrevistadores (a foto que escolhi em seu Instagram é dessa ocasião). No final deste post, está o link do programa.
“A Terra está falando: ela nos diz que não temos mais tempo”

Walelasoetxeige Suruí – ou Txai Bandeira Suruí ou, como é mais conhecida, Txai Suruí – é da etnia Paiter Suruí, do estado de Rondônia, e nasceu na Terra Indígena Sete de Setembro.
Tornou-se ativista ainda muito pequena, certamente inspirada pelos pais: o cacique Almir Suruí e a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, conhecida como Neidinha Suruí (publicamos uma entrevista muito bacana com ela, em outubro de 2019).
Há décadas, os dois são ameaçados e perseguidos por criminosos. Portanto, não é à toa que ela não sossega e, apesar de muito jovem, já tem uma trajetória de realizações marcantes.
Em seu discurso, na COP26, a jovem destacou os ensinamentos que recebeu do pai e a importância da preservação não do meio ambiente, mos saberes tradicionais dos povos da floresta, que nos ensinam sobre a convivência harmônica entre humanos e a natureza.
“Tenho 24 anos, meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na floresta amazônica. Meu pai, o grande chefe Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje, o clima está esquentando e os animais desaparecendo, os rios estão morrendo e nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando, ela nos diz que não temos mais tempo. Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora!”.
Txai fundou o Movimento da Juventude Indígena em seu estado, estuda Direito e trabalha no departamento jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, uma das entidades de referência em temas relacionados à causa indígena na região.
Atuou no movimento estudantil, tendo sido a primeira reitora indígena do Centro Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Rondônia.
Ela faz parte dos Guardiões da Floresta, aliança de comunidades que protege as florestas tropicais ao redor do mundo, da qual fazia parte seu amigo Ari Uru-Eu-Wau-Wau e também Paulo Paulino Guajajara, ambos assassinados: o primeiro, em abril de 2020 (contamos aqui) e o segundo, em novembro de 2019 (contamos aqui) e cuja morte ganhou grande repercussão no mundo.
A luta dos Uru-Eu-Wau-Wau contra o extermínio de sua etnia (restam apenas 200 indivíduos) foi contada no premiado documentário Território, dirigido pelo norte-americano Alex Pritz. Nele, Neidinha é a protagonista e revela a tensão e o sofrimento que esse povo tem experimentado ao longo de sua história: a morte de Ari permeia a narração.
“Eu sou a produtora executiva do filme, o que o torna tão essencial, pois escancara a importância do protagonismo indígena não apenas na hora de contar uma história, mas na hora de produzi-la. Traz além de nossa trajetória o nosso olhar sobre ela”, contou a ativista em artigo para a Folha de SP.
Txai ainda é conselheira da Aliança Global ‘Amplificando Vozes para Ação Climática Justa‘ e atua, como voluntária, da organização Engajamundo, integrada por jovens ativistas climáticos, que participa de todas as COPs de clima e teve destaque em 2015, com Raquel Rosenberg, quando foi fechado o Acordo de Paris (sua participação foi emocionante, vale rever, aqui).
“Somos guardiões da terra, da floresta e do sagrado“
Alice Pataxó é da etnia Pataxó, do sul da Bahia, e nasceu na Aldeia Craveiro, na Cidade do Prado. Seu nome indígena (na língua-Patxôhã) é Nuhé e batiza seu canal no YouTube. Desde os 14 anos, milita pela causa e resistência indígena, influenciada pelos ataques e conflitos que marcaram o processo de reintegração de posse da Aldeia Araticum, em 2015.
Jornalista e influenciadora digital indígena, diariamente conta sobre a etnia Pataxó e a preservação da cultura de seu povo nas redes sociais: Instagram, onde tem mais de 140 mil seguidores, e Twitter, com mais de 112 mil.
“A floresta não tem dono, mas tem guardião. Por isso estamos aqui, para defender esses territórios, defender a vida”, escreveu no Twitter sobre a viagem à Glasgow, onde se destacou ao discursar em defesa dos territórios indígenas na COY 16 – Global Youth Statement, uma versão jovem da COP26, que acontece todos os anos, paralelamente à conferência principal.
“Esta é a primeira vez que saio do meu território, em um momento onde o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas. Mas entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Somos guardiões da terra, da floresta e do sagrado. Estou orgulhosa de poder voltar para minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos”.
Após ouvi-la, a ativista paquistanesa Malala Yousafzai – a mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz – reconheceu Alice como uma das mulheres líderes do mundo que levaram “suas vozes e experiências” ao COY16.
Malala ainda pediu para que seus 2,3 milhões de seguidores no Instagram acompanhassem o trabalho da jovem indígena, como também de outras cinco representantes de lutas sociais e ambientais de destaque no mundo, entre elas a brasileira Renata Koch Alvarenga, fundadora e diretora da EmpoderaClima (plataforma sobre justiça de gênero e clima), a ativista climática Vanessa Nakate, de Uganda, Marinel Sumook Ubaldo, das Filipinas, Fatou Jeng, da Gâmbia, e a ativista ambiental e eco-comunicadora Leah Thomas, do sul da Califórnia.
Na semana passada, Alice esteve na Alemanha com Tëjübï ÜrüËü e um representante da organização Christliche Initiative Romero e contou no Instagram: “Visitamos muitos lugares levando a história dos nossos povos, trazendo os dados sobre territórios indígenas e as violências que os cercam. Entre reuniões e entrevistas, ativistas e ministros plantamos uma semente de esperança, de apoio à luta dos povos indígenas, e não só do Brasil. As discussões precisam acontecer e nossa voz precisa ser ouvida”.
Agora, assista ao programa Roda Viva com Txai e Almir Suruí, em 29/11/2021, que contou com a participação de Alice Pataxó na bancada:
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– Txai Suruí, jovem indígena que discursou na Cúpula de Líderes na COP26, sofre ataques de apoiadores do governo e teme por sua segurança no Brasil
– “Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devem estar no centro das decisões, aqui”, declara a jovem Txai Suruí em forte discurso na COP26
Fotos: Gabriel Uchida (Txai) e reprodução do Instagram (Alice)