*Texto atualizado em 05/06/23
O presidente Lula vetou nesta segunda-feira, Dia Mundial do Meio Ambiente, trecho da Medida Provisória 1.150/2022, modificado na Câmara dos Deputados, que flexibilizava a legislação sobre a Mata Atlântica e assim facilitava a ação de desmatadores no bioma.
Segue abaixo o texto original da reportagem.
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Depois de analisar a Medida Provisória 1.150/2022 que trata de regularização ambiental, na semana passada, o Senado retirou o ‘jabuti’ (série de emendas sem relação com o tema) inserido no texto pela Câmara dos Deputados com o intuito de facilitar o desmatamento na Mata Atlântica.
Mas, ao receber o texto de volta, os deputados não se intimidaram! Na mesma noite em que o Congresso atuou deliberadamente pela destruição do meio ambiente (esvaziando os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas com a MP 1154/23 e aprovando a urgência da MP 490, que inviabiliza demarcações e libera garimpo em terras indígenas), rejeitaram as alterações feitas pelo Senado – 364 votos X 66 -, restabelecendo as emendas.
A retomada das alterações foi feita pelo relator do texto na Câmara, deputado federal Sérgio Souza (MDB/PR), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que financia a bancada ruralista.
Arthur Lira, presidente da Câmara, declarou que “assim como a Câmara não pode interferir em matérias que o Senado vota por considerar como “matéria estranha”, o Senado também não pode fazer isso em relação à Câmara”, afirmou Lira. “Isso já aconteceu ano passado, e nós refizemos o texto na Câmara. O Senado não tem essa base regimental de analisar a matéria”.
Sanção (ou veto) presidencial
Agora, a MP 1150/22 segue para sanção presidencial, e somente Lula pode vetar o ‘jabuti’! O senador Jaques Wagner afirmou que ele o fará: “Do ponto de vista dele [Arthur Lira, presidente da Câmara], aquela matéria era importante, recolocaram [o ‘jabuti’]. Mas eu sei que há o compromisso do veto”.
Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, reiterou o que disse o senador, também em entrevista à Globo News, na qual afirmou que existe um acordo com o Senado (firmado antes de a MP ser votada pela primeira vez na Câmara) de que, se Lula barrar a proposta da Câmara, o veto será respeitado pelos senadores.
“Pelo compromisso que temos com a sustentabilidade, minha posição, que foi firmada desde o começo é de vetarmos, não permitirmos a agressão à Mata Atlântica nessa medida provisória”, declarou Padilha.
O que muda com a MP 1.150/2022?
Como bem lembrou o Observatório do Clima, em nota, as emendas da MP 1150 enfraquecem a proteção à Mata Atlântica, como Ricardo Salles, ex-ministro antiambiental, sempre sonhou.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSoL/RS), que teve pedido indeferido por Lira, criticou severamente as alterações na MP. “Colocou-se um jabuti gigante, enorme, que é a permissão de desmontar a Lei da Mata Atlântica. Essa lei de 2006 foi uma conquista fundamental para preservar o bioma mais desmatado do país“.
E destacou: “Com esse ‘jabuti’, não se cumpriria a lei de preservação, seguindo a lógica de desmatamento, pois seria permitida a supressão de vegetação da Mata Atlântica em vários estágios. Além disso, o Brasil não cumpriria os acordos internacionais com os quais se comprometeu na Conferência do Clima”.
A Lei da Mata Atlântica original exige que o desmatamento de vegetação primária (nunca desmatada) e secundária (já desmatada) em estágio avançado de regeneração no bioma só pode ser feito se não houver uma “alternativa técnica e locacional”. A MP extingue essa exigência.
O texto da MP aprovada também dispensa o parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação da Mata Atlântica no estágio médio de regeneração em área urbana. Nesse caso, o desmatamento dependerá só do órgão ambiental municipal.
Se a MP da Câmara for sancionada por Lula, não será mais necessário compensar desmatamentos fora de Áreas de Preservação Permanente (APP) provocados por “empreendimentos lineares”, como linhas de transmissão, sistemas de abastecimento público de água e até resorts.
Além disso, a MP adia o prazo para direito às anistias por desmatamentos ilegais por meio da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), controla e fiscaliza crimes ambientais cometidos nas propriedades e contribui para a elaboração de políticas públicas relacionadas:
– até dezembro de 2023, para imóveis maiores de 4 módulos fiscais, ou
– até dezembro de 2024, para imóveis menores de quatro módulos ou familiares.
Este prazo venceu em 31 de dezembro de 2020! Na prática, o adiamento contribui para que proprietários adiem o início do reflorestamento e, assim, explorem áreas de desmate irregular.
Quando adere ao CAR, o proprietário entra automaticamente no Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal, que oferece uma série de benefícios, mas, em contrapartida, exige que áreas desmatadas sejam reflorestadas. O texto aprovado pela Câmara prorroga por mais um ano o limite de tempo para os produtores rurais aderirem ao programa.
O agravante é que o prazo vale após a convocação dos governos estaduais para essa adesão, mas não foi definido um tempo determinado para essa convocação e apenas seis estados começaram a implantar os PRAs. Por meio deles, os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente.
A MP 1150 aprovada pela Câmara adia – pela sexta vez! – o prazo para que proprietários rurais regularizem seus imóveis, permitindo que fazendeiros ganhem mais tempo para enquadrar suas propriedades às leis ambientais, e desmatem mais.
Os números da Mata Atlântica: o bioma mais devastado do país
Dados do Atlas da Mata Atlântica, divulgados pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo INPE, revelam que, em um ano (de outubro de 2021 a outubro de 2022), foram destruídos 20.075 hectares, área que equivale a cerca de 28 mil campos de futebol.
É verdade que houve redução de 7% em relação a igual período anterior (2020/2021), mas o índice continua muito alto: trata-se da segunda maior área devastada nos últimos seis anos, o que significa 76% acima do valor mais baixo registrado entre 2017 e 2018: 11.399 hectares.
Minas Gerais, Bahia, Paraná e Santa Catarina estão, todos os anos, entre os cinco estados que mais destróem o bioma, desde o início dos anos 2000. E, alternadamente, a eles se soma Mato Grosso do Sul ou Piauí.
A pesquisa Contas de Ecossistemas: Espécies Ameaçadas de Extinção no Brasil 2022, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) esta semana, revela que a Mata Atlântica é o bioma brasileiro com maior número de espécies de plantas e animais ameaçados de extinção. Das 11,8 mil espécies avaliadas no bioma, 2.845 (ou 24,1%) estavam nessa condição em 2022.
O bioma reúne 43% das espécies mais ameaçadas no país e a maior quantidade de espécies declaradas extintas: são oito, sendo a mais recente a perereca-gladioadora-de-sino (Boana cymbalum). Vale destacar que, tanto em proporção quanto em número absoluto a Mata Atlântica supera os resultados de risco de extinção dos outros seis biomas estudados.
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Fontes: G1, Clima Info, Agência Brasil, Instituto Socioambiental, Observatório do Clima, Folha de SP e pesquisas do IBGE e da Fundação SOS Mata Atlântica/Inpe
Foto: Tania Rego/Agência Brasil