Elas vem o portão aberto e começam a se encaminhar para ele lentamente. Primeiro uma sai, de maneira tímida. Em seguida, uma outra ave a segue. Outras aguardam dentro do recinto, olham para fora até dar os primeiros passos em direção à mata aberta. A cena faz parte da mais recente soltura de 20 mutuns-do-sudeste (Crax blumenbachii) na natureza, realizada na quarta-feira (13/09) numa área de proteção, no Parque Estadual do Rio Doce, no município de Bom Jesus do Galho, em Minas Gerais.
A soltura foi um marco do Projeto de Reintrodução do Mutum-do-Sudeste. Com ela passam agora de 400 as aves introduzidas na vida livre graças a um importante programa de reprodução em cativeiro feito pela CRAX – Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre ao longo da última década.
“Realizamos quatro experimentos de reintrodução do mutum-do-sudeste, três em Minas Gerais e um no Rio de Janeiro. E hoje atingimos a marca histórica de 412 indivíduos nascidos no criadouro e soltos na natureza. Além disso, até o momento foram monitorados aproximadamente 300 filhotes oriundos dos grupos soltos”, revela Roberto Azeredo, fundador da CRAX.
Endêmico do Brasil, ou seja, ele só existe em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo, o belíssimo mutum-do-sudeste podia ser encontrado em áreas de Mata Atlântica nos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.
Com o corpo negro, a crista imponente e o bico vermelho – daí também ser conhecido como o mutum-do-bico-vermelho -, infelizmente, assim como outras espécies brasileiras, ele foi praticamente extinto devido à destruição de seu habitat e à caça ilegal. Como é uma ave que passa a maior parte do tempo no solo, fica ainda mais vulnerável aos caçadores.
O primeiro mutum-do-sudeste explora com cuidado o novo espaço
(Foto: Edgar Fernandez)
Atualmente o Crax blumenbachii é classificado como ‘criticamente em perigo’, na Lista Brasileira da Fauna Ameaçada de Extinção.
Na soltura no Parque Estadual do Rio Doce foram libertados dez casais, que continuarão a ser monitorados de longe para garantir a adaptação satisfatória em vida livre.
As aves ganham a liberdade na reserva de Minas Gerais
(Foto: Edgar Fernandez)
Criação de um banco genético do mutum-do-sudeste
Em 2021 contei aqui no Conexão Planeta como a paixão de Roberto Azeredo pelo mutum-do-sudeste conseguiu trazer esperança para a sobrevivência da espécie.
A curiosidade e a dedicação à essa ave nasceram com o pai e o tio, que também adoravam pássaros. No final da década de 70 o criador começou a trabalhar com a reprodução em cativeiro. E escolheu para tal o Crax blumenbachii.
“Minha ideia inicial era criar e devolver o mutum-do-sudeste à natureza, em áreas seguras para eles sobreviverem”, conta. Para isso, Azeredo fez a captura de dois casais há cerca de 40 anos. “Foram necessários quatro anos de expedições em sua área de distribuição para conseguirmos capturar, em julho de 1978, o primeiro casal”, contou ele.
E a partir daí, vieram muitos aprendizados e desafios. “Havia muito pouca informação sobre reprodução em cativeiro de animais silvestres na literatura. Precisamos desbravar este caminho”, relembra.
Foi na prática que o mineiro aprendeu, por exemplo, como formar um casal para reprodução, qual alimentação seria mais adequada ou sobre o período de incubação dos ovos.
Graças ao CRAX foram desenvolvidos ainda modelos das estruturas do criadouro e da construção dos recintos mais adequados para a ave. Um dos principais objetivos do programa é a criação de “ilhas genéticas” da espécie.
“Os trabalhos com as ilhas genéticas são importantes para termos a segurança de que no futuro essa espécie não desapareça. Caso alguma área seja afetada, caso ocorra algum acidente, temos onde recorrer para repor a espécie”, explica Azeredo.
O mutum-do-sudeste tem o corpo negro, a crista imponente e o bico vermelho,
por isso também é chamado de mutum-do-bico-vermelho
(Foto: Edgar Fernandez)
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Foto de abertura: Edgar Fernandez