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Possível ampliação de rodovia que corta Reserva de Sooretama ameaça ainda mais sobrevivência de espécies únicas que vivem ali

Possível ampliação de rodovia que corta Reserva de Sooretama ameaça ainda mais sobrevivência de espécies únicas que vivem ali

A rodovia BR-101 está na contramão da conservação da Reserva Biológica de Sooretama, ao norte do estado do Espírito Santo. A área é um dos últimos refúgios de Mata Atlântica do estado e também, um raro ponto do Sudeste brasileiro onde é possível encontrar vestígios de espécies amazônicas (leia mais aqui).

Para manter a biodiversidade local da “Terra dos Animais da Floresta” (Sooretama em língua Tupi), prestando seus relevantes e ricos serviços ecossistêmicos em nível regional e global por longo prazo, especialmente protegendo a fauna, mas também a flora e a paisagem, não cabe naquele cenário a rodovia federal BR-101, muito menos duplicada.

Aquela rodovia passou ali à revelia do Código Florestal da época, no final da década de 1960, quando a Reserva Biológica de Sooretama já existia como unidade de conservação desde o início da década de 1940, legada pelos poderes públicos estadual e federal comprometidos em proteger uma amostra da riqueza da região, especialmente da fauna, relatada a sua importância por naturalistas, ambientalistas e cientistas, que nos séculos e décadas anteriores conheceram a região, frente ao acelerado processo de transformação da cobertura do florestal do norte do estado a partir do acesso à região estabelecido pela ponte sobre o rio Doce, em 1923, no município de Colatina.

A legislação não permitia, e hoje também não permite, tal empreendimento no interior daquela área protegida.

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Possível ampliação de rodovia que corta Reserva de Sooretama ameaça ainda mais sobrevivência de espécies únicas que vivem ali

A BR-101, que corta a Reserva Biológica de Sooretama, é a principal via de conexão entre o Espírito Santo e o sul da Bahia

Essa rodovia causa uma alta taxa de mortandade de animais. São atropelados não somente médios e grandes vertebrados terrestres ameaçados de extinção, como onças e antas, mas também animais arborícolas, como macacos e preguiças, e inclusive voadores, como a maior águia do mundo, a harpia.

Na Reserva de Sooretama foi registrada a maior diversidade de morcegos vítimas de atropelamentos no mundo. A perda desses animais é um passivo impossível de evitar, qualquer que seja a medida de mitigação feita no eixo dessa rodovia que atravessa esse ecossistema tão único e frágil.

Possível ampliação de rodovia que corta Reserva de Sooretama ameaça ainda mais sobrevivência de espécies únicas que vivem ali

Muitas espécies em risco de extinção perdem a vida ao tentar
atravessar a rodovia

Mas os atropelamentos são apenas uma parte dos problemas, que vão muito além. Pode-se citar, dentre vários outros impactos, a perda de habitat pela área de floresta suprimida no eixo da construção da estrada e adjacências, a poluição promovida pela estrada (restos da estrutura da própria estrada, resíduos de combustíveis e da carga química transportada pelos veículos, lixo, guimbas de cigarros, faíscas dos veículos, ruído do tráfego…), que afetam a biodiversidade por quilômetros de distância na floresta a partir da estrada.

No meu ponto de vista, o principal problema é que esse tipo de empreendimento é um vetor de ocupação humana na paisagem, incluindo o estabelecimento de outros empreendimentos e até outras estradas, potencializando todos os outros problemas, concorrendo pelos recursos da área, como água, solo e terra, e rivalizando com a proteção da reserva (reduzindo a água para a biodiversidade, e promovendo o desmatamento, a caça, as queimadas, o uso de agrotóxicos no ambiente, a poluição industrial, o lançando efluentes domésticos urbanos…), uma situação impossível de controlar.

Um claro exemplo disso é que em 1994 a ocupação humana intensificada pela BR-101 promoveu o estabelecimento na região da cidade chamada de Sooretama, nome em homenagem à própria reserva. A região agrícola cresceu e se emancipou beneficiada pelos serviços ambientais prestados pela proteção das reservas, mas o crescimento acelerado da região impacta negativamente a prestação desses próprios serviços.

Pior será com a BR-101 duplicada. Sooretama não mais será a terra dos animais, será substituída por aquilo que vemos em todos outros lugares, a ação devastadora humana. Estamos sobre ombros de gigantes, que por esses atos no passado, nos permitiram hoje conhecer uma amostra do que era biodiversidade de toda a região. E só nos resta agora garantir que as gerações futuras também possam se beneficiar desse legado. Mas a rodovia BR-101 definitivamente não é o caminho para isso.

Anta atropelada na BR-101

É responsabilidade do Espírito Santo proteger esse patrimônio mundial. Isso requer planejar melhor o modal rodoviário do estado, removendo esses grandes vetores de áreas prioritárias para a manutenção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos (para o clima, água e solos), e os transferindo para áreas degradadas e economicamente pobres, onde poderão, inclusive, gerar oportunidades para recuperar e desenvolver a economia da região.

Nas áreas prioritárias para conservação são mais adequadas as estradas menores para a mobilidade das comunidades, escoamento da produção local e para o turismo agrícola e de contemplação a natureza, com possibilidade de melhor disciplina devido ao público de usuários reduzido, como estradas parques, por exemplo.

Com toda a certeza, a BR-101 é o pior caminho para Sooretama, que é a maior área protegida do Espírito Santo, o maior fragmento de Floresta Atlântica de Tabuleiro do Brasil e que figura como uma das principais áreas para conservação no mundo.

Se a mortalidade de animais já é altíssima agora, imagine se a estrada for duplicada

*Atualmente o projeto de duplicação da BR-101 está sob análise do Ibama

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Fotos: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

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