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Por trás de acidentes com turistas mordidos por peixes em Bonito está soltura de espécies não nativas, alertam biólogos

Por trás de acidentes com turistas mordidos por peixes em Bonito está soltura de espécies não nativas, alertam especialistas

Recentemente o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) suspendeu temporariamente a licença de operação da Praia da Figueira, após dezenas de pessoas terem sido mordidas por peixes e necessitarem atendimento hospitalar para levar pontos. Os acidentes ocorreram em uma lagoa criada artificialmente pelo empreendimento turístico localizado no município de Bonito. Há poucos dias o órgão liberou novamente o funcionamento do parque, mas manteve a ordem de que a lagoa ficasse interditada.

Situada a cerca de 16 km de Bonito, um dos mais importantes destinos de ecoturismo do Brasil, a Praia da Figueira é um parque aquático, que oferece diversas atividades, entre elas a flutuação no rio Formoso e a área da lagoa artificial, com quiosques dentro da água. É lá que aconteceram os acidentes, algo sendo registrado há mais de um ano. Há um relato, inclusive, de uma banhista que teria perdido parte de um dedo.

Mas o que está por trás desses acidentes, alertam especialistas, é a introdução de espécies exóticas de peixes fora de seu ambiente natural, nesse caso, na lagoa da Praia da Figueira.

“O Imasul, que agora suspendeu a licença, é o mesmo órgão que autorizou a soltura dos peixes. E o que foi solto mais recentemente na Praia da Figueira foram híbridos de pacus com tambaquis, conhecidos como tambacus“, afirma o biólogo José Sabino, professor visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em fauna aquática, sobretudo do Mato Grosso do Sul.

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Segundo ele, originalmente, no início da operação da Praia da Figueira, há quase 20 anos, foram soltos na lagoa exemplares de pacus (Piaractus mesopotamicus). “Isso já seria um problema porque os pacus não ocorrem naturalmente nas áreas de cabeceiras dos rios, como é o caso dos rios de Bonito. Os pacus ocorrem na Bacia do Alto Paraguai apenas nas áreas de planície e na parte baixa dos rios, uma vez que eles não ultrapassam cachoeiras que separam a planície das cabeceiras. O passeio da Praia da Figueira foi criado em uma mineração de cava para extração de calcário. É um ambiente artificial. Bombearam água do rio Formoso e criaram um parque temático. Com o passar dos anos, os pacus morreram e os operadores do passeio soltaram os tambacus. Foi juntar a fome com a vontade de comer para que os acidentes começassem a ocorrer”, diz.

Vale ressaltar que, o tambaqui (Colossoma macropomum) – na imagem que abre este post -, é uma espécie de peixe da Amazônia, que tem entre suas principais características a dentição robusta. Em seu ambiente natural, florestas inundadas, se alimenta de frutos mais duros, como a castanha.

“Esses peixes têm realmente dentes que parecem um alicate de pressão, que podem facilmente cortar, tecidos e ossos. Os pescadores de pesque-pague no Sul e Sudeste e em todo Brasil, sabem disso, pois eles geralmente conseguem quebrar até anzois de aço”, destaca o biólogo Jean Vitule, professor de Ecologia do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná. “E em atrações turísticas como essas, eles se aproximam com facilidade quando tem comida ofertada. Mas se a pessoa acha que está alimentando um cachorro na boca, será surpreendida com uma mordida muito potente.”

Imagem aérea mostra a lagoa artificial criada pela Praia da Figueira, onde aconteceram os
acidentes com turistas
Foto: reprodução Facebook Praia da Figueira

Impacto da soltura de peixes de espécies não nativas

Os dois especialistas esclarecem que é preciso deixar claro que os acidentes em Bonito não são ataques. E há uma série de fatores que propiciaram o que vem acontecendo já algum tempo.

“Ainda que seja um problema muito sério, o caso mais grave desses acidentes é o “surto” de incidentes na Praia da Figueira, com peixes não nativos, exóticos, sejam híbridos/tambacus ou tambaquis puros. O problema precisa ser investigado com urgência e proposto manejo. Qual é o grupo de peixes que está causando os acidentes? Se e quantos outros acidentes ocorreram em outros locais além da Praia da Figueira?”, questiona Sabino.

Para ele, o trade turístico tende a abafar os acidentes e depois que a informação vaza, há uma onda de desinformação e sensacionalismo. “É importante que as informações sejam precisas e qualificadas para evitar mais desgaste para o destino como um todo. Bonito é um local privilegiado para o contato das pessoas com os ecossistemas aquáticos e sua incrível biodiversidade.”

Já Vitule, que tem como principal foco de seu trabalho as invasões de espécies exóticas, defende que os órgãos ambientais deveriam estar mais preocupados em fiscalizar e limitar qualquer tipo de peixamento ou estocagem ilegal. “É por lei necessário no mínimo estudos prévios, e no caso de espécies que não pertencem às bacias ou regiões onde estão sendo soltas, isso é um crime ambiental.”

Ele destaca ainda que a maioria das espécies soltas no Brasil, como os tambaquis, por exemplo, são originários de aquacultura, e no geral comem rações. “E eles perdem o medo de humanos. É comum quem explora turismo alimentar os peixes com ração, para atraí-los a humanos. Isso aumenta os riscos de acidentes, e em minha visão, isso será cada vez mais frequente”, alerta.

De acordo com o biólogo paranaense, esse é um assunto que necessita ser mais esclarecido para a população em geral, que por ingenuidade e falta de informação, compra a ideia de que a soltura de peixes é sempre uma medida positiva. “Na opinião da maioria das pessoas leigas soltar peixes em qualquer corpo de água é sempre algo considerado “ecológico” e bom para o ambiente e sociedade. Contudo, essas solturas podem causar uma infinidade de prejuízos ecológicos.”

E esses prejuízos já são evidentes. Em 2023, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) precisou lançar uma campanha no mesmo Mato Grosso do Sul pedindo a ajuda de pescadores para controlar peixes exóticos no Pantanal. Entre as espécies incluídas na lista estavam, coincidentemente, o tambaqui e o tambacu.

“Essas espécies de peixes exóticos, quando fisgadas nos rios da bacia do Pantanal em Mato Grosso do Sul, NÃO DEVEM SER SOLTAS, pois não pertencem a essa bacia e causam interferência negativa nas populações das espécies nativas do Pantanal”, esclarece a campanha. “Para entender o que ocorre nos rios: toda espécie exótica que entra no ambiente diferente ao seu de origem, altera toda a cadeia alimentar da espécie nativa”, dizia a campanha do instituto.

Abaixo a nota divulgada pelo Imasul após a interdição parcial da Praia da Figueira:

“O Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) informa que, após análise técnica do pedido de reconsideração apresentado pelo empreendimento Praia da Figueira, foi revogada parcialmente a suspensão da Licença de Operação. Com essa decisão, permanecem suspensas todas as atividades na lagoa artificial, sendo autorizadas a retomada das demais atividades previstas na licença, desde que não envolvam contato com a lagoa. A lagoa artificial permanecerá interditada, sendo exigida a instalação de barreiras físicas e educativas para impedir o acesso dos visitantes à água. Foram autorizadas somente as atividades terrestres e todas as que não envolvem o uso das lagoas. Demais atividades do empreendimento estão liberadas, conforme previstas na Licença de Operação. As condicionantes gerais e específicas da licença permanecem vigentes, devendo ser rigorosamente cumpridas pelo empreendedor. O Imasul reforça seu compromisso com a segurança dos turistas e a preservação ambiental, assegurando que todas as decisões são tomadas com base em critérios técnicos e legais.”

O Conexão Planeta entrou em contato com a assessoria de imprensa da Praia da Figueira e caso receba algum retorno, irá atualizar essa reportagem.

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Foto de abertura: Fir0002, GFDL 1.2 via Wikimedia Commons

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