
Na semana passada, 21/11, para alertar sobre a gravidade das medidas que têm sido implementadas pelo governo Bolsonaro “e ainda estão em construção“, associação de servidores da Funai, Indigenistas Associados (INA), publicou nota de repúdio, na qual elenca as ações criminosas que priorizam o desenvolvimento econômico a qualquer custo e, por consequência, determina a não-demarcação e a invasão das terras dos povos indígenas.
No texto intitulado A política indigenista por um triz, fica claro que o objetivo deste governo é “exclusivamente atender interesses de grupos econômicos nacionais e internacionais sobre as terras indígenas e dar sequência ao desmonte de fundamentos da política indigenista com graves consequências para os direitos e a vida dos povos indígenas.
Desse desmonte faz parte o afastamento de antropólogos qualificados do quadro da Funai, que foram substituídos por “profissionais de confiança” do governo, como divulgamos, aqui no Conexão Planeta. Dessa forma, o presidente do órgão tirou do caminho os profissionais que zelavam pela demarcação das terras e impediam que ruralistas, madeireiros e garimpeiros avançassem nas reservas existentes, colocando a vida dos indígenas em risco.
O artigo enfatiza que a Funai foi criada para “trabalhar, entre outros temas, com identificação, demarcação, fiscalização e proteção de terras indígenas”, mas que “a autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios” está sendo constantemente desrespeitada por “ameaças e efetivas invasões e violência”.
Os integrantes do INA destacam também que todas as propostas definidas pelo governo e que envolvem as terras indígenas são “construídas em gabinetes fechados”, em “diálogo privilegiado” com “grupos interessados na exploração econômica de suas terras e dos recursos naturais nelas existentes”, sem consultar lideranças indígenas. Não há transparência e, por isso, os membros do INA, muitas vezes, precisam recorrer a notícias divulgadas pela imprensa, para se informar.
O grupo salienta que, para conseguir seus objetivos, o governo tem atuado em três frentes:
- Revisão da aplicação da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, em especial seu dispositivo referente à Consulta Livre, Prévia e Informada. O governo instaurou um Grupo de Trabalho (GT) coordenado pela Casa Civil, “que se orienta por documento do Gabinete de Segurança Institucional no qual se encontra a ideia de que a Convenção 169 acarretaria impactos ao desenvolvimento do país”. Essa visão, coloca os direitos dos povos indígenas – e dos quilombolas – “a reboque de outros interesses, como os que se mobilizam em torno de empreendimentos de aproveitamento de recursos hídricos e minerais das terras indígenas”;
- Aproveitamento dos recursos hídricos e minerais nas terras indígenas (normatização do parágrafo 3o do artigo 231 da Constituição Federal). Um GT interministerial tem se reunido, sem a participação de representantes indígenas, para discutir a regulamentação da mineração em sua terras. A proposta pode ser encaminhada ao Congresso ainda em novembro e um dos principais pontos é a impossibilidade de os povos indígenas rejeitarem a exploração de terceiros em seus territórios. Um crime!
- Alteração do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas (Decreto 1.775/96). O governo tentou entregar a demarcação para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a MP 870/19 – o que foi rejeitado pelo Congresso -, mas não desiste! “Os gabinetes do Palácio do Planalto e do Ministério da Justiça acolhem discussões entre servidores e agentes públicos escolhidos a dedo, sem qualquer participação indígena”.
A política de Bolsonaro é declaradamente anti-indigenista. Ele nunca escondeu isso, mas parece que subestimamos sua capacidade de colocar suas ameaças em prática. Em palestras de sua campanha à presidência, prometia para seus apoiadores que não demarcaria nem um centímetro de terra indígena. Era aplaudido de forma efusiva. E não só está cumprindo o prometido, como tirando direitos adquiridos por esses povos.
O INA ainda lembra que, “desde 1988, o instituto da tutela foi suplantado pelo reconhecimento do direito à diferença e à autonomia dos povos indígenas. Nesse sentido, a Funai e a política indigenista não deveriam voltar a ser caudatárias da política de “integração” e suposto “desenvolvimento nacional” que, levada a cabo durante o regime militar, resultou no extermínio de ao menos oito mil indígenas, segundo a Comissão Nacional da Verdade”.
E finaliza: “Qualquer alteração mais profunda nos rumos da política indigenista deve preceder-se de amplo debate com lideranças indígenas, indigenistas e juristas. O caminho dos gabinetes fechados e da imposição é o caminho do conflito e da violência”.
Algo urgente precisa ser feito. Do contrário, o extermínio dos indígenas será consumado, como na ditadura militar. Aliás, neste momento, no Brasil, estão em curso diversos tipos de extermínio: dos pobres, dos negros, das mulheres… É só acompanhar as notícias – não só da imprensa corporativa, mas da independente também. É a necropolítica a favor do desenvolvimentismo. O crime está institucionalizado.
Para ilustrar este post, escolhi uma imagem que, com certeza, boa parte dos nossos leitores conhece. É de autoria de Renato Soares, fotógrafo e indigenista que trabalha com esses povos há trinta anos, tem um projeto de documentação de todas as etnias chamado Ameríndios do Brasil (que dá nome ao blog que ele assina, aqui, no Conexão Planeta) e uma campanha contra o genocídio indígena: Inimigo de índio é inimigo meu, que apoiamos.
Leia também:
– Integração do índio não pode ser pretexto para assimilação cultural, diz antropóloga
– 85% dos brasileiros não quer mineração em terras indígenas