Ainda não está totalmente confirmado, mas o mais provável é que o início da contaminação por coronavírus se deu num mercado da cidade chinesa Wuhan pelo consumo da carne de um pangolim (ou de um morcego) por um ser humano. Assim que a epidemia no país começou, a China adotou legislação que proíbe, temporariamente, o consumo de qualquer animal selvagem, caçado na natureza ou criado em cativeiro. E cientistas pediram à Pequim, por meio de artigo, que tornem a proibição permanente.
No início de abril, Shenzen, na China, anunciou a proibição do consumo de carne de cães e gatos. E as campanhas contra esse tipo de comércio pelo mundo não param, como a que foi lançada por organizações internacionais #TireAsMãosDosSilvestres (#HandsOffWildlife, no original em inglês) como um apelo para que as comunidades globais de conservação, saúde, negócios e segurança se unam para evitar que novas epidemias aconteçam.
Esta semana, a ONU também se manifestou a respeito. Elizabeth Maruma Mrema, secretaria-executiva do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica, pediu aos governos que, para evitar futuras pandemias, proíbam o comércio de animais vivos e/ou mortos, domésticos ou selvagens, para consumo humano.
Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Mrema ressaltou que os países precisam agir para evitar que tenhamos que enfrentar novas pandemias e que proibir esse comércio está entre as principais medidas. Mas ponderou que é preciso criar subsídios e apoio financeiro para as comunidades que dependem desse tipo de negócio, alertando, ainda, que a falta de apoio para essas pessoas pode levar ao trágico ilegal.
“Seria bom proibir esses mercados como a China e outros países fizeram, mas não podemos esquecer de que temos comunidades, sobretudo em áreas rurais com baixos rendimentos, que dependem dos animais selvagens para seu sustento”. E acrescentou: “A menos que se arranjem alternativas para essas comunidades, poderá haver o perigo da abertura de mercados ilegais de vida selvagem, o que tem levado à extinção de algumas espécies”.
Maior consciência sobre a importância da conservação da biodiversidade
A transição da indústria baseada na carne de espécies silvestres e da produção da medicina tradicional chinesa, que também se utiliza desses animais, deve ser feita e acompanhada de perto para que não leve a outras consequências desastrosas.
Vale ressaltar a crueldade e a falta de higiene pelas quais passam esses animais. Alguns são vendidos vivos, mantidos em pequenas gaiolas empilhadas, sem nenhuma higiene e que propiciam que defequem e urinem uns em cima dos outros, aumentando o cenário propício à transmissão de doenças.
Citando os exemplos do Ebola na África e do vírus Nipah no leste da Ásia, na coletiva à imprensa, Mrema afirmou que há ligações claras entre a destruição da natureza e as novas doenças humanas, alertando para a abordagem reacionária, em relação à pandemia do coronavírus, em curso. “A mensagem que estamos recebendo é que, se não cuidarmos da natureza, ela cuidará de nós”.
Por isso, A executiva da ONU acredita que a pandemia pode levar a humanidade a, finalmente, compreender as consequências da destruição da biodiversidade. E que tal mudança comportamental pode se refletir no acordo estabelecido entre os países que participaram da última convenção da biodiversidade, em 2018 (bianual, o encontro deste ano foi cancelado devido à pandemia).
“A perda de biodiversidade é um grande fator no aparecimento de alguns destes vírus. O desmatamento em larga escala, a degradação e a fragmentação do habitat, a agricultura intensiva, o sistema alimentar, o comércio de animais e plantas e as alterações climáticas de origem antropogênica conduzem à essa perda e a novas doenças”, ressaltou Elizabeth Maruma Mrema.
Para finalizar, indico a leitura do artigo Não esqueçamos a origem do coronavírus: parem o tráfico e consumo de animais silvestres imediatamente!, de autoria dos biólogos Augusto Gomes e Malene Emilie Rustad.