*Atualizado em 02/01/2018
Na semana passada, o Conexão Planeta publicou reportagem sobre uma investigação internacional que questionava a idoneidade do criador alemão que enviará ararinhas-azuis ao Brasil. A denúncia do jornal britânico The Guardian revelava que a associação com a qual o governo brasileiro fez parceria para a repatriação de 50 aves é administrada por um ex-gerente de boate, já preso por extorsão e sequestro, e que pode ter envolvimento com tráfico ilegal de aves.
Devido à divulgação da matéria, um criador brasileiro de aves entrou em contato com o Conexão Planeta. Ele reforçou as acusações contra Martin Guth, o criador da Alemanha. Mas com medo de sofrer represálias, ele pediu para que seu nome não fosse divulgado. Entre os preceitos do jornalismo, está o direito de manter o anonimato das fontes, caso elas não se sintam seguras em ter sua identidade revelada por motivos de segurança. Por esta razão, decidimos respeitar a vontade de nossa fonte para preservá-lo.
Segundo sua denúncia, nos últimos anos, vários criadores científicos de aves no Brasil – sobretudo aqueles que tentavam a reprodução em cativeiro da ararinha-azul -, sofreram pressão dos órgãos governamentais para que esses animais fossem enviados para a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), na Alemanha. Nossa fonte afirmou que havia um criador bem próximo de ter uma reprodução de filhotes bem-sucedida, mas mesmo assim, precisou enviar as aves para o criatório alemão.
Vale explicar que, no Brasil, existem criadores amadores, comerciais e científicos de aves. Todos precisam ser cadastrados junto ao Ibama, mas só os comerciais podem vender pássaros. Já os científicos são os únicos autorizados a ter e tentar a reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas de extinção, como a ararinha-azul. Além disso, os criadouros com fins científicos são obrigados a fornecer e fazer a troca de suas aves, caso os órgãos governamentais brasileiros façam essa solicitação, sem por isso, receber dinheiro algum em troca.
A troca de aves entre os criadouros é importante para que exista uma variedade genética da espécie, por isso mesmo, são feitos constantes mapeamentos genéticos e permutas das aves, especialmente da ararinha-azul, que tem uma população global bastante reduzida.
Onde estão as ararinhas-azuis?
A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii ) é nativa da região de Caatinga, na Bahia. Descrita pela primeira vez em 1832, o último indivíduo da espécie foi visto perto do município baiano de Curaça, no ano 2000. Por isso, ela foi considerada extinta na natureza.
Além de alguns poucos indivíduos em cativeiro no Brasil, Bélgica e Singapura, o maior número de ararinhas baianas se encontra na Alemanha, onde está quase 90% da população mundial da espécie. Até o começo do ano, havia mais de 100 ararinhas-azuis também no Al-Wabra Wildlife Preservation, no Catar, onde se conseguiu a reprodução de dezenas de filhotes nas últimas décadas. Mas em janeiro, todas elas, 140 no total, foram transferidas para o criatório alemão.
Estima-se que sejam pouco mais de 150 exemplares da espécie em cativeiros no Brasil e no exterior.
Em um post em sua página no Facebook, divulgado em 23 de setembro, a ACTP descreve a localização das ararinhas-azuis:
– 142 no criatório alemão;
– 11 na Fazenda Cachoeira (Brasil);
– 4 na Fundação Pairi Daiza (Bélgica)
– 2 na Reserva de Vida Selvagem de Singapura
As duas organizações, do Catar e da Alemanha, além de uma terceira, a Pairi Daiza, na Bélgica, são as parceiras internacionais do projeto brasileiro Ararinha na Natureza, um desdobramento do Plano de Ação Nacional a Conservação da Ararinha-azul (PAN Ararinha-azul), coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade – ICMBio), órgão do ministério do Meio Ambiente
O Conexão Planeta entrou em contato com a assessoria de Comunicação Social do ministério para buscar respostas para as denúncias feitas por nossa fonte anônima. Sobre o envio das ararinhas-azuis para a Alemanha, questionamos a razão pela qual a reprodução em cativeiro não foi feita aqui mesmo no Brasil.
“A troca de espécimes para fins de reprodução e variação genética da população em cativeiro está prevista no programa de cativeiro e seguem protocolos e critérios técnicos para pareamento, e da mesma forma, animais foram enviados da Alemanha para o Brasil. Em ambos casos as trocas foram feitas atendendo as recomendações dos consultores de manejo.
Infelizmente os criadouros no Brasil até o momento não tiveram sucesso em reproduzir a espécie em números significativos. Desde o início do Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul, em 2012, apenas dois nascimentos foram registrados no Brasil em 2014, ao passo que os criadouros da Alemanha e Catar obtiveram taxas reprodutivas que permitiram o aumento da população de 79 para 158 indivíduos”, respondeu a assessoria por e-mail.
O Criadouro Científico para Fins de Conservação Fazenda Cachoeira, em Minas Gerais, participa de diversos programas do ICMBio para conservação de aves ameaçadas, entre eles, o da ararinha-azul.
“Hoje sob nossos cuidados existem apenas 11 exemplares de ararinhas-azuis e são essas as únicas aves da espécie residentes no Brasil. Elas chegaram em nossa instituição em janeiro de 2016, portanto há apenas há dois anos na nossa instituição, afirma Rogerio Donatti, responsável técnico pelo criadouro. “Nosso plantel possui uma certa restrição do ponto de vista reprodutivo, pois existem dois machos com idade mais avançada e problemas reprodutivos, e outros três casais jovens e em processo de maturação sexual. Tendo em vista esses fatores, ainda não tivemos filhotes nascidos na Fazenda, porém, já tivemos ovos férteis no último período reprodutivo e também nascimento de embriões com deformidades congênitas, incompatíveis com a vida. A expectativa é de conseguir filhotes viáveis nas próximas temporadas, pois as aves estão mais habituadas ao ambiente, acessando os ninhos com frequência e realizando cópulas”.
Donatti explica que as aves de Fazenda Cachoeira estão apenas sob a guarda do criatório, pois são de propriedade do governo brasileiro. “Nós seguimos as recomendações e diretrizes dos respectivos programas. Com relação ao envio de aves para outras instituições, seguimos as exigências do ICMBio”.
Custos de viagens internacionais
Outra acusação feita pelo criador brasileiro seria de que Martin Guth estaria bancando todos os custos de (várias) viagens de especialistas do Brasil para a Alemanha, com o intuito de visitar a ACTP e desta maneira, convencer o governo brasileiro a assinar o compromisso, que foi assinado em junho deste ano, conforme noticiamos aqui, neste outro post. https://conexaoplaneta.com.br/blog/brasil-trara-50-ararinhas-azuis-da-europa-para-projeto-de-reintroducao-da-especie-na-caatinga/
O ministério do Meio Ambiente confirma a informação sobre o pagamento da viagem. Mas de acordo com a assessoria, a visita do ministro foi custeada com recursos do orçamento da União. Todavia, “outras viagens de cunho técnico foram apoiadas por instituições parceiras do Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul, a saber Bird Life, ACTP e Pairi Daiza”.
Fotos de biólogos e representantes brasileiros em visita ao centro de reprodução no Catar:
na extrema esquerda, de camisa branca, está Martin Guth
Perguntamos também se o governo brasileiro pagaria algum valor pela vinda das ararinhas-azuis. A assessoria de imprensa afirma que não, o governo não desembolsará um centavo para que as aves cheguem ao país.
Centro de reintrodução na Bahia
A previsão inicial é que as ararinhas-azuis só cheguem no país no primeiro trimestre de 2019. Antes disso, elas passarão por um processo de treinamento para se adaptar ao clima da Caatinga. O primeiro passo será a transferência para um Centro de Preparação para Reprodução e Reintrodução da Ararinha-Azul, em Berlim, criado especialmente para esta finalidade.
Quando chegarem ao Brasil, as ararinhas-azuis serão levadas para outro centro de reintrodução da espécie, em Curaça, dentro da Unidade de Conservação criada neste ano pelo governo federal (leia mais sobre o assunto aqui ).
“Até 2022 esperamos ter a ararinha-azul reintroduzida com sucesso na natureza”, explicou Camile Lugarini, veterinária e pesquisadora do Cemave, e responsável pelo PAN ararinha-azul, em entrevista ao Conexão Planeta na época. “Como as aves da vindas da Europa foram criadas em cativeiro, não é viável a soltura delas na natureza. Elas serão as genitoras de filhotes que serão cuidados no centro num primeiro momento e só então, depois, estes filhotes serão soltos na vida selvagem”.
O ministério do Meio Ambiente informou que o centro ainda encontra-se em fase de licenciamento ambiental e diz que a responsabilidade por sua administração será “do consórcio de instituições parceiras a ser formado”, mas que não há informações sobre o custo da obra.
Em um post de setembro deste ano, em sua página no Facebook, a ACTP afirma que, “juntamente com a Parrots International (PI) e AWWP (do Catar), com total apoio do governo brasileiro, compraram terras na Bahia – as fazendas Gangorra e Concórdia para o centro de reintrodução da espécie… A construção está em andamento, com a ACTP e seus parceiros financiando este investimento considerável”.
Já no site da fundação belga Pairi Daiza, no trecho que reproduzimos abaixo, há uma informação de que a entidade irá custear o centro de reabilitação, que levará seu nome.
Para tentar entender esta situação, o Conexão Planeta enviou novas perguntas para o ministério do Meio Ambiente. Afinal, quem irá construir o local onde as ararinhas-azuis ficarão quando chegarem ao Brasil?
*Quase uma semana após o envio de e-mail ao ministério e depois de duas cobranças sobre uma resposta, recebemos um retorno da assessoria afirmando que “a responsabilidade pela construção e administração do Centro de Reprodução e Reintrodução, no município de Curaçá, Bahia, incluindo a transferência e cuidado das aves, será do consórcio de instituições parceiras do projeto: ACTP, Eco-conservation, Pairi Daiza e Jurong Bird Park”.
Esclarecimento e transparência
O que precisa ficar claro é que, não deve existir um brasileiro sequer que não deseje que as ararinhas-azuis voltem a colorir dos céus da Caatinga baiana. E nós, do Conexão Planeta, fazemos parte desse time.
Mas o que causa preocupação é tentar entender quem são os parceiros com que o governo brasileiro está firmando compromisso. A Fundação Pairi Daiza atua na Bélgica como um zoológico, um negócio que gera renda e com parte deste dinheiro, é feito investimento em conservação.
Já a Association for the Conservation of Threatened Parrots, da Alemanha, se diz uma entidade sem fins lucrativos, mantida através de doações, apesar de ter uma licença de zoológico. Então, de onde vem o dinheiro (muito) que está financiando o programa brasileiro? Martin Guth é um filantropo milionário?
O britânico The Guardian não foi o primeiro a suspeitar das atividades do criador alemão. Em março deste ano, o Dominican News Online, no Caribe, publicou uma matéria questionando a transferência de aves do país para a Alemanha e a integridade moral de seu negócio.
Mas depois da acusação do jornal do Reino Unido, um dos mais respeitados do mundo, os órgãos ambientais do governo não deveriam vir a público e dar uma declaração sobre sua confiança na ACTP e em Martin Guth?
Fotos: reprodução Facebook
As ararinhas já desembarcaram, estão bem e, em breve, serão soltas na Caatinga totalmente refeita e recuperada, graças aos alemães que não as matam para comer, como fazia a população local. A sua matéria é uma viagem, vozes na sua cabeça que se materliaziram nessa tosca teoria da conspiração.
Prezado Fernando,
Sugiro que você leia as demais matérias publicadas pelo assunto, não apenas pelo Conexão Planeta, mas por diversas outras publicações de respeito internacionais. Todas baseadas em fatos reais, que inclusive, o Sr. Martin Guth não nega.
Sim, sabemos que as ararinhas-azuis já estão na Bahia e escrevemos a respeito.
Abraço,
Suzana