De janeiro a novembro de 2024, a área queimada no Brasil quase dobrou em relação ao mesmo período do ano passado, segundo um relatório divulgado há poucos dias pelo MapBiomas. E 57% da destruição pelo fogo ocorreu na Amazônia. Não por acaso, um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) acaba de revelar que o nascimento de quelônios no maior berçário do país caiu de 1,4 milhão, em 2023, para cerca de 700 mil, em 2024 – ou seja, pela metade. E segundo o órgão, os responsáveis por essa redução drástica no ciclo reprodutivo das tartarugas foram a seca recorde e a fumaça dos incêndios na região.
Ainda de acordo com o Ibama, das cinco praias onde normalmente é documentada a desova das tartarugas, em apenas uma delas houve eclosão este ano.
Há mais de duas décadas o Projeto Quelônios do Guaporé monitora, estuda e contabiliza os nascimentos de quelônios no Vale do Guaporé, localizado em Rondônia, na divisa entre o Brasil e a Bolívia. Entre as espécies que usam suas praias para desovar estão a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), o tracajá (Podocnemis unifilis) e o pitiú (Podocnemis sextuberculata).
Contudo, entre agosto e outubro passados, a fumaça das queimadas na Amazônia encobriu grande parte dos estados do Norte, inclusive, o Vale do Guaporé. “A fumaça desorientou as tartarugas, seja pela falta de visibilidade ou pela dificuldade em avistar predadores naturais. Com isso, elas acabaram demorando mais do que o normal a chegar nas praias para desovar, gerando um atraso que provocou um efeito cascata no ciclo de reprodução”, explica o biólogo José Carratte, supervisor de Meio Ambiente do Grupo Energisa, que apoia o Quelônios do Guaporé.
Além disso, a seca de vários rios amazônicos provocou o aumentou o tamanho dos bancos de areia. “Isso foi outro agravante para os filhotes que acabam de nascer. Como eles precisam levar mais tempo para cruzar o banco de areia até o rio, ficam mais expostos aos predadores, como urubus, jacarés e aves, e ao calor forte desta época do ano”, diz César Luiz Guimarães, superintendente do Ibama em Rondônia.
Corrida contra o tempo para salvar filhotes de tartarugas
Para piorar ainda mais a situação, a chegada do período das chuvas que, a princípio é uma boa notícia, traz riscos para a sobrevivência dos filhotes que estão nascendo mais tarde do que o habitual. O nível dos rios já começou a subir rapidamente e a água pode inundar os ninhos e matar as tartarugas.
Desde o último final de semana uma força-tarefa foi montada no Vale do Guaporé para tentar salvar o maior número de ninhos e filhotes de quelônios e fazer a soltura, com segurança.
“Nós buscamos identificar os ninhos o mais rápido possível e cavamos para retirar quantos filhotes conseguirmos. Com a elevação da água de maneira muito rápida, ela começa a matar as tartarugas por baixo, inundando os ninhos não apenas por cima, mas também por baixo. É uma corrida contra o tempo para que os recém-nascidos consigam chegar até as águas do rio Guaporé”, ressalta Deyvid Muller, biólogo da Associação Quilombola e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), que reúne quilombolas e ribeirinhos.
Mesmo os quelônios que forem salvos e finalmente conseguirem chegar ao rio, infelizmente ainda enfrentarão outras ameaças. Fora os predadores naturais, embora ilegal, ovos e carne de tartarugas ainda são consumidos por moradores da região. E não é só. Mais recentemente, o peixe pirarucu, que não é nativo do Guaporé, se tornou uma espécie invasora, gerando um novo risco para a sobrevivência dos quelônios da Amazônia.
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Foto de abertura: Antônio Lucas